quarta-feira, 29 de abril de 2015

MST é homenageado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina














Fotos: rubens lopes



















Eu tinha pouco mais de vinte anos, no início dos anos 80,  quando avistei o primeiro acampamento de sem-terra do MST. Era no interior da cidade de Ronda Alta, na estrada do Pontão. A Fazenda Annoni tinha sido ocupada por mais de 1.500 famílias e eu era repórter da RBS TV. Nunca saiu de minhas retinas aquela cena primeira, num virar da estrada, de centenas de barracos de lona e gentes em profusão. A bandeira vermelha, a fumaça dos fogões de chão, a correria das crianças e dos cachorros. Era uma cidade.

Naquele acampamento de sem-terra forjei meu espírito, nas conversas ao redor do fogo, sorvendo um chimarrão, conhecendo as histórias de cada homem e cada mulher que ali escrevia também a história do nosso país. A Fazenda Annoni foi o primeiro grande acampamento construído pelo MST instituído e organizado. Naqueles dias, os agricultores envolvidos naquela “aventura” eram considerados “bandidos”, “invasores” e toda a sorte de adjetivos que ficaram colados a eles por décadas.  

Desde a vivência da Annoni a experiência de organização e luta do Movimento Sem Terra nunca mais saiu do meu foco. Com eles passei a caminhar, não apenas como narradora dos seus mundos, mas como alguém que também acreditava na reforma agrária como uma necessidade para o país.
Foram anos e anos de marginalidade. Tanto para eles que faziam a luta, quanto para os que apoiavam o movimento. Em cada ocupação, cada marcha, cada ação, os meios de comunicação aplicavam sua velha fórmula de mentiras para a fabricação de um consenso contra o movimento, contra os trabalhadores, contra a reforma agrária. Muita gente morreu nessa jornada que já leva 30 anos. Mas, também, muitas famílias, que ousaram entrar para as fileiras de luta do MST hoje tem sua terra, sua casa, sua produção. São incontáveis os assentamentos que produzem a comida posta em nossa mesa.

Em Santa Catarina o MST nasceu na região oeste, quando realizou sua primeira ocupação – na fazenda Burro Branco. Desde aí, os trabalhadores sem-terra souberam que tinham um lugar no mundo. Cada ocupação, cada barraco fincado no chão desse estado, avançava no sonho da terra repartida. Também aqui não foram poucos os momentos de dor, de violência, de morte e de execração. E também aqui, as bandeiras vermelhas ousaram se desfraldar em marchas e movimentações reivindicativas. Tantos rostos, tantos sonhos, tanta beleza.

E foi recordando cada uma dessas ações do MST em Santa Catarina que acompanhei, cheia de alegria e orgulho, a entrada dos sem-terra e dos assentados do MST, na Assembleia Legislativa na noite do dia 28 de abril. Uma noite cálida de outono, mesclada do grito de luta dos professores estaduais em greve que também ocupavam a “casa do povo” nesse dia histórico. Ali estavam os velhos guerreiros da luta pela terra em Santa Catarina homenageados em uma sessão solene. Ali estava a nova geração, gurizada nascida nos acampamentos, ensinada no fragor da luta renhida. E naquela casa tão estéril, tão surda aos anseios dos trabalhadores, os deputados puderam ver a poderosa mística que movimenta a esperança dos sem-terra.

O barraco de lona, as ferramentas de lida na terra, a bandeira vermelha, aquele riso carregado de certezas, o braço erguido no gesto de luta. As falas emocionadas, as lembranças dos 30 anos de batalha por uma terra que ainda não chegou para todos. Tudo isso fez da noite de homenagem um momento de beleza.

O MST ocupou as cadeiras, as galerias, as escadas, os corredores. O MST entrou pela porta da frente, sem forçar, sem polícia para barrar. O MST entrou de peito aberto e cabeça erguida porque sabe o que tem feito nesse estado e nesse país, recuperando a dignidade de milhões de famílias sem-terra. O MST, que é responsável por quase uma centena de cooperativas e agroindústrias familiares em Santa Catarina, gerando comida para nossa mesa. O MST que tem revolucionado o método de ensino no campo e dando exemplo em áreas como a comunicação, a cultura e a arte.

Já não dá mais para chamar de “bandidos” a esse povo que tanto tem contribuído para a vida econômica e política do nosso estado. E foi por isso que a Bancada dos deputados do PT propôs a homenagem. Nesses 30 anos, a luta dessas famílias desenhou um estado diferente. Ninguém pode mais fingir que eles não existem ou que são apenas uma massa informe embaixo de barracos. O MST tem inserção significativa na vida de Santa Catarina e mereceu o reconhecimento. Não que precise disso. Essa gente já ocupou aquele espaço da Assembleia tantas vezes na força da luta, exigindo direitos. Sabe que aquela casa é do povo e a usa em consequência. Mas é sempre bom ver chegar aquela onda vermelha, entre risos e canções, ocupando os espaços do poder apenas para uma festa.

Também foi particularmente bom ver Vilson Santin, que já foi deputado estadual representando o MST, entrando no plenário cercado pela gente com a qual ele escolheu caminhar desde quando era muito jovenzinho. Um homem que nunca se perdeu nos caminhos do poder. Hoje, com os cabelos brancos, ele vai abrindo passo para uma juventude aguerrida que segue as pegadas dos antigos com a mesma valentia.

E assim, cada rosto marcado que entrou naquela casa na noite de terça-feira, foi trazendo uma lembrança. Boa. Cálida. Cheia de emoção.

O MST faz 30 anos. É forte, vigoroso, atento. O MST marca com sangue e suor a história desse estado. O MST é também Santa Catarina. Tudo isso se vê na exposição de fotos que está também na Assembleia Legislativa, marcando essa data tão importante.

E eu, que um dia cruzei as cercas desse movimento, me encolhi num cantinho, entre lágrimas, na firme certeza de que tomei a decisão certa lá nos meus distantes 20 anos. Porque o MST é muito mais do que seus erros ou os erros de algumas de suas lideranças. O MST é aquela força viva que assoma nos barracos, nas escolas rurais, nas cooperativas. A gente sem-terra que rasga o chão e faz brotar a vida. Esses são os meus.


O MST faz 30 anos e Santa Catarina disse: Obrigada! Foi bonito de ver.  

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