sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O julgamento do Lula e o futuro

Mais de 80 mil pessoas em Porto Alegre

O julgamento do ex-presidente Lula em segunda instância, realizado em Porto Alegre no último dia 24, não apenas confirmou o veredito dado na primeira instância como aumentou a pena de nove para 12 anos de reclusão. As acusações dizem respeito ao esquema de corrupção passiva e lavagem de dinheiro,  tanto no caso da Petrobrás como de empreiteiras. Segundo o Ministério Público, que apresentou a denúncia, Lula teria recebido imóveis e outras benesses, fruto de corrupção. Também é considerado o chefe de todo o processo de corrupção envolvendo o chamado “petrolão”, que investiga desvio de fundos da Petrobras. O recurso apresentado pela defesa de Lula foi negado pelos três desembargadores que conformam o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 

A movimentação de militantes do PT e apoiadores de Lula durante o julgamento foi precedida de muita tensão. Enquanto o partido de Lula indicava que iria “invadir” Porto Alegre, a cidade se preparava para uma batalha. O prefeito da capital gaúcha chegou a entrar com um projeto de lei na Câmara de Vereadores, buscando impedir a aproximação dos manifestantes da sede do TRF4. A lei foi aprovada e no dia do julgamento quase quatro mil policiais faziam o patrulhamento da cidade, com a ajuda, inclusive da Guarda Nacional. Nas semanas que antecederam o julgamento as redes sociais ferveram. A rede de ódio ao PT cresceu e se manifestou sem trégua, bem como os militantes petistas também provocavam. A forma como a repressão se preparou para o dia 24 antevia uma batalha campal na cidade.

Não foi o que aconteceu.

Já no dia 23 os militantes em apoio a Lula chegavam ordenadamente à Porto Alegra. Montaram um acampamento na região do Anfiteatro do Por do Sol, na beira do rio Guaíba, e ali foram recebendo os visitantes que vinham de outros estados. O MST veio em grande número, como sempre organizado. Chegaram caravanas de vários lugares do país, dos estados mais distantes. E, ao final do dia, um ato com a presença de Lula contabilizou entre 80 a 100 mil pessoas. Um número considerado baixo pelo tamanho da campanha realizada. Ainda assim foi um dos maiores atos realizados em Porto Alegre nos últimos tempos. A caminhada que seguiu pelas ruas da cidade foi tranquila e festiva. Não houve confrontos e tudo se deu na mais absoluta calma. 

Quando o dia 24 amanheceu tudo seguia dentro da ordem. Os manifestantes se postaram nos limites impostos pela polícia e o prédio do Tribunal permaneceu totalmente isolado, com barreiras por terra, pela água e pelo ar. A polícia seguia esperando um estouro popular. Os três desembargadores responsáveis pela decisão do recurso se mantiveram discretos, sem aparições na mídia, mas pelo perfil de cada um, exposto em todos os jornais do país, já era dado como certo o resultado de 3 x 0 contra Lula. Tanto que uma das maiores redes de televisão do país, a Bandeirantes, divulgou por volta das 10 horas da manhã, ainda durante a fala do advogado de defesa do ex-presidente, o resultado final, expondo na tela: por maioria absoluta Lula é condenado. As manchetes já estavam prontas.  Não haveria novidade. A única incógnita era o povo reunido na capital gaúcha.

O julgamento de Lula foi só mais um espetáculo com final conhecido. As frágeis convicções da acusação, que nunca apresentou provas concretas, seguiam fortalecidas e as argumentações da defesa permaneceram rituais. Nenhum dos desembargadores estava ali para ser convencido. Eles faziam parte do tal pacto proposto por Romero Jucá, quando tramou, com o então vice Temer, a destituição de Dilma e o acerto de um acordo, “com o Supremo, com tudo”.

Assim, os votos dos desembargadores foram, um a um, aceitando a tese do juiz Sérgio Moro sobre o tal tríplex do Guarujá e sobre um suposto envolvimento no desvio de recursos da Petrobras. A falta de provas materiais – tudo foi baseado em delações de pessoas que buscavam se safar da Justiça – não impediu que a acusação fosse mantida e a pena aumentada. Uma página verdadeiramente histórica para o judiciário brasileiro. Enfim, uma figura pública era tratada como são tratados, todos os dias, no chamado estado de direito burguês, os pobres e negros que abarrotam as cadeias. Basta uma única suspeita de culpa para encarcerar e tirar do meio social. Provas são irrelevantes. Logo, não houve novidade na ação do judiciário. O novo mesmo era o tipo de réu. Nesse caso, um réu incômodo demais para a classe dominante, que precisa ser tirado de circulação.

Dada a sentença, o que se viu em Porto Alegre foi uma espécie de anticlímax. As lideranças do ato público que se seguiu, conclamaram as gentes a calma, evitando qualquer tipo de manifestação mais raivosa. E confirmou-se o que já se previa. A aceitação ordeira da decisão. Alguns discursos inflamados, a informação de que o ex-presidente Lula seguirá utilizando os canais institucionais de recursos, apelando ao judiciário até onde for possível, e, por fim, a indicação de que todos voltassem para suas casas, esperando os próximos julgamentos. As pessoas voltaram para seus ônibus e retornaram para suas cidades.

No campo da oposição não petista ao governo golpista toda a ação envolvendo o julgamento de Lula foi igualmente protocolar. Os partidos de esquerda se limitaram a divulgar notas defendendo o direito de Lula concorrer à presidência e defendendo o que chamam de estado de direito, considerando assim o julgamento farsesco, visto que não há provas contra o ex-presidente e claramente tudo isso configura uma perseguição com a única finalidade de tirar Lula do páreo presidencial. Mas, apesar de todos saberem que o julgamento é uma farsa, ninguém quer se comprometer na defesa da pessoa de Lula, pois igualmente sabem que o ex-presidente, quando no poder, aliou-se à classe dominante, e tanto, que o próprio Lula diz em alta voz que nunca os ricos ganharam tanto quanto no seu governo. E é verdade.  Por outro lado, o apelo à manutenção do “estado de direito” também é complicado, visto que o tal estado de direito é esse que conhecemos, o que enche as cadeias com pobres e pretos, desrespeitando cotidianamente o direito das gentes, utilizando uma polícia feroz e letal.

Assim que o Brasil segue vivendo um drama de complicada resolução. O país está sendo desmantelado, vendido a preço de banana, sem reação popular massiva. Os direitos trabalhistas foram destruídos. A previdência seguirá pelo mesmo caminho e os gastos públicos estão congelados. As lutas que acontecem são pontuais e corporativas. Não há qualquer organização de trabalhadores que esteja organizando uma reação unificada e nacional. Lula ainda é o nome de maior apelo popular, e insiste em apostar suas fichas na eleição do ano que vem. Para tanto seguirá interpondo recursos na Justiça. Ele contava com a lentidão tradicional do judiciário, mas no seu caso, isso não tem acontecido. De qualquer forma, pelo que se viu no pós-julgamento do dia 24, esse seguirá sendo o caminho. Dentro da ordem, sem rugosidades para o sistema. 

Nas demais organizações e partidos de esquerda o que se observa é também a preparação do caminho para a disputa eleitoral. Tudo segue conforme o ritual “democrático” do estado burguês. 

Enquanto isso, na vida mesma, as gentes vão se defrontando com a realidade cada vez mais precária. Doenças endêmicas crescendo, hospitais sem condições de atendimento, escolas fechadas, ensino precarizado, destruição de postos de trabalho, desemprego crescente, trabalho intermitente, fim do amparo legal na luta contra a exploração. A vida ladeira abaixo, num salve-se quem puder. Boa parte espera um “salvador” e possivelmente a classe dominante haverá de criar um, com o auxílio sempre oportuno da mídia comercial.

Aos lutadores resta o mesmo velho trabalho de sempre que se baseia no sistemático processo de organização popular, com informações sobre a realidade e com a construção coletiva de outra forma de organizar a vida. Uma forma fincada não nesse “estado de direito” que tão bem serve aos grupos de poder, mas num “estado de justiça”, controlado pela maioria, capaz de dar as respostas radicais transformadoras que as gentes querem e esperam. 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Palestina: 70 anos de massacre, e resiste!!

Famílias palestinas sendo expulsas de suas terras em 1948
A vida na Palestina hoje

Onde voarão os pássaros depois do último céu? Onde dormirão as plantas depois do último ar? Escreveremos nossos nomes com vapor tecido de vermelho, cortaremos as mãos para que se complete nossa carne. Aqui morreremos. Aqui, nessa última passagem. Aqui ou aí... nosso sangue plantará suas oliveiras. (Mahmud Darwish)

“Ainda verte a fonte do crime” grita o poeta palestino Mahmud Darwish em um dos seus poemas. E é verdade. A fonte de todo o terror, do êxodo forçado, do assassinato, da prisão arbitrária, do roubo das terras, segue jorrando e provocando revolta no meio da vida palestina. É o que acontece desde o ano de 1947, quando em novembro foi divulgado pelas Nações Unidas a criação artificial do estado de Israel na região onde viviam milenariamente as gentes palestinas. Alegando que era preciso reparar o holocausto causado pelos nazistas, os Estados Unidos decidiu que deveria criar um estado para os judeus. Escolheu a Palestina, e não por acaso. A região é geopoliticamente estratégica, visto que é uma espécie de porta para o Oriente Médio, então e ainda berço do maior volume de petróleo no mundo. Alegando que ali era um espaço vazio, nasceu o estado sionista.

Mas, a Palestina não era um espaço vazio. Ali viviam as gentes com suas casas ancestrais, suas oliveiras, seus carneiros, sua história. E, na medida em que chegavam os judeus, iniciava-se o êxodo das famílias palestinas, retiradas de suas terras à força. Agora em maio completarão 70 anos do Nakba, o chamado “dia da catástrofe”, quando Israel começou, 24 horas depois de ser criado, a tentativa de extermínio de toda a gente palestina, promovendo massacres visando expulsar as famílias de suas casas. Muita gente fugiu, mas outras tantas ficaram e lutaram sem parar. Uma luta que segue até hoje.

Primeiro, foi o espanto. Do nada, um novo país se formou dentro de outro que já havia. Depois, começaram as investidas violentas. Do lado palestino crescia o número de vítimas. Gente obrigada a vagar pelo mundo, buscando abrigo longe de suas casas, famílias separadas por cercas e muros, vigiadas por soldados, pessoas sendo mortas como moscas. O caminho previsto por Israel era o extermínio. “Limpar a área”, fazer sumir do mapa o mundo palestino.

Depois do espanto, veio a organização. O povo palestino haveria de lutar para garantir a sua vida e o seu território. Assim, em janeiro de 1965 nascia oficialmente o Movimiento de Libertação da Palestina, uma organización revolucionária que tinha como líder Yasser Arafat. Foi esse movimiento que empreendeu a primeira resposta militar organizada contra o estado de Israel, visando defender o direito do povo palestino de viver em paz nas suas terras. Uma reação legítima e necessária.

A luta iniciada por Arafat cresceu, envolveu a gente palestina, e acabou gerando a OLP (Organização para Libertação da Palestina), com maior espectro que o de apenas um grupo de resistência. Tomou corpo e se encravou na vida palestina como um movimento necessário para o enfrentamento da violência sistemática de Israel que sempre teve como aliado militar e político os Estados Unidos. Inimigos de peso que não podiam ser enfrentados apenas com os corpos nus em sacrifício.

E foi essa luta que foi abrindo passo no mundo, mostrando o delírio do estado sionista, e garantindo junto aos demais países a legitimidade da resistência do povo palestino. Tanto que foi possível o reconhecimento do Estado Palestino bem como a participação de seus representantes em organismos internacionais. Por muito tempo Arafat e seus companheiros foram considerados “terroristas” porque precisaram abrir caminho com violência. Mas, poucos entendiam da extrema violência que vivia o povo palestino.

Hoje, passados 70 anos do começo de todo esse terror, que ainda assola a vida das gentes palestinas, a resistência segue. E não é fácil. O território da Palestina está cada dia menor e fatiado. Há pequenos espaços cercados por muros onde as famílias vivem segregadas como se fosse um campo de concentração. Vivem cotidianamente a violência, tendo de apresentar documentos e passar por revista para um simples ir e vir ao trabalho ou às compras. O maior pedaço é a Faixa de Gaza, onde se concentram quase dois milhões de pessoas em apenas 365 quilômetros quadros. Vivem sob bombardeios e ataques de toda sorte. É o terror diário.

Setenta longos anos de puro terror.

Na televisão, todos os dias, há notícias sobre o drama palestino. Mas, o que aparece é o seu contrário. A mídia comercial mostra a luta de resistência de um povo atacado como se fossem os palestinos os vilões. Eles são os violentos. Eles são os terroristas. A verdade já desapareceu completamente ao longo de todas essas décadas. Para o senso comum, o que acontece naquelas longínquas terras é um briga religiosa: árabes contra judeus. Nada pode ser mais falso.

O conflito na Palestina diz respeito a território, a riquezas, a roubo, a usurpação. Em nome de um sofrimento vivido na segunda grande guerra, os judeus sionistas – o que significa que não são todos os judeus – repetem o mesmo sofrimento, desta vez como verdugos. Fazem com o povo palestino o que os nazistas fizeram com seus parentes. Tudo em nome do poder e da ganância. Os Estados Unidos garantindo seus interesses no Oriente Médio, e os sionistas enchendo os bolsos. Tudo isso representa a trama bem urdida da acumulação capitalista. Rapinagem das terras e das riquezas das gentes para usufruto de alguns.

Setenta anos de dominação genocida. O terror. Mas, ainda assim, o povo palestino resiste, sobrevivendo a todas as tentativas de extermínio. Já enfrentou massacres massivos e segue enfrentando sistemáticos bombardeios, assassinatos cirúrgicos, prisão de crianças, terror cotidiano.

Nesse ano de 2018, quando maio chegar, e Israel comemorar os 70 anos da invasão, lá estarão os palestinos, vivos e resistentes, junto com todas as gentes no mundo que os apoiam, celebrando o levante e a luta. O Estado Palestino é um direito e haverá de vingar. Passaram-se 70 anos e o extermínio não se completou. Porque enquanto houver uma vida palestina pulsando no mundo, a resistência seguirá.

Agora, para “celebrar” essas décadas de massacre, o presidente estadunidenses, Donald Trump, decidiu desferir mais um golpe, declarando a cidade santa de Jerusalém, que sempre foi a capital palestina, como a capital de Israel. Mais uma imposição do império. Mais uma violência. Mais uma provocação. Tudo o que querem é provocar a reação para justificar o assassinato recorrente.  

Mas, se uma verdade pode ficar escondida por algum tempo, uma hora ela vem à tona. É impossível parar o conhecimento sobre a realidade. Hora virá que o mundo inteiro compreenderá o que realmente passa na Palestina. Reconhecerá o criminoso (Israel) e se juntará ás vítimas (Palestina).

Com a Palestina estamos, e seguimos. Liberdade, território e direito de gerir a própria vida. Fora Israel. Fora sionistas. Viva a Palestina Livre.




quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

"O Rio ainda é o tambor do Brasil"




O pré-candidato à presidência da República pelo PSOL, Nildo Ouriques, esteve por vários dias no Rio de Janeiro, onde cumpriu intensa agenda partidária, visitando cidades do interior e também a capital. Sua proposta foi ouvir os filiados e dirigentes locais sobre os rumos do partido e também conhecer os principais desafios da população fluminense. Entre as atividades esteve a visita à Rocinha, uma das maiores comunidades da cidade do Rio, com mais de 100 mil habitantes, e lá, reforçou sua ideia de que a população realmente quer uma mudança radical na vida e na política. E essa mudança é a Revolução Brasileira.

Nildo tem especial carinho pelo Rio de Janeiro. Foi lá que viveu seu primeiro emprego, em 1985, atuando na Fundação Escola do Serviço Público, durante o primeiro mandato de Leonel Brizola como governador. Desde então tem observado que a capital fluminense, apesar de ter perdido o posto de capital do Brasil, seguiu sendo uma espécie de “tambor” do país, sem nunca ter renunciado o posto de vanguarda intelectual e política. Até hoje, o Rio mantém um grau de heresia e vitalidade com uma imensa capacidade de pensar o país.

Na visita à Rocinha ficou claro de que essa vocação de ser o tambor do Brasil segue viva e atuante. E está na vida mesma das comunidades, nas pessoas simples que vivem seus dramas cotidianos e que os driblam com valentia, sempre procurando as saídas que garantam o bem viver. “É impressionante a satanização que a mídia faz dessas comunidades. É fato que existe a ação forte do narcotráfico, que há uma militarização tremenda, um combate aberto, letal, uma tensão permanente, mas as pessoas têm uma imensa sabedoria e uma astúcia sobre as causas e as soluções”.

Nildo conversou com lideranças, pequenos comerciantes, agentes comunitários de justiça, trabalhadores e observou que se há alguém responsável por todo o drama que vivem as pessoas empobrecidas nas favelas do Rio ou de qualquer lugar, são os governantes. Eles são responsáveis e cúmplices porque se recusam a convocar a população para, junto com ela, encontrar as saídas para cada problema. “O que falta nas comunidades é nada mais nada menos do que o poder público. Falta acreditar no povo, falta fé nas gentes, falta chamar as pessoas para participar efetivamente”.

Caminhando pelas vielas labirínticas da Rocinha Nildo percebeu que se os burocratas partidários torcem o nariz para o tema da Revolução Brasileira, as gentes simples não. Elas abrem os olhos e os ouvidos e encontram nessa proposta a melhor alternativa. “Ali a violência é cotidiana, eles sofrem o racismo, a desigualdade de classe, a miséria, o caráter letal da polícia. Eles querem uma transformação radical. Sabem que nessa ordem nada vai mudar”.

Um exemplo disso é a expressão do programa “Minha casa, minha vida” que encravou na comunidade de mais de 100 mil habitantes um total de 400 casas. Isso é uma gota de água no oceano. Pensar a questão urbana no Rio ou em qualquer metrópole passa por um projeto que seja verdadeiramente transformador. “Ali deve se começar com 15 ou 20 mil casas. Menos que isso é ilusão. E a comunidade que olha como funcionam essas políticas, sabe disso, quer outra coisa”.

Nildo aponta que existe uma guerra de classe contra o povo e a saída é a revolução brasileira. No caso da questão urbana, como na agrária, na economia ou na cultura, o que precisa é uma articulação concreta entre as reformas necessárias e as políticas públicas. Programas paliativos que comovem as pessoas de boa fé são incapazes de resolver os dramas urbanos ou rurais. Há que se pensar programas massivos, que garantam moradia. “Para isso, no programa da Revolução Brasileira será necessário mexer no estrutural: tirar dos grandes proprietários do espaço urbano a capacidade que eles têm de tomar a renda da terra e ficar especulando com o aluguel”.


Já com relação ao tráfico, igualmente letal nas comunidades, a solução não deverá passar pelos marcos da política punitiva atual que usa uma polícia violenta, que mata o povo, que prende apenas os pobres e pretos. Bem como são também pobres e pretos os policiais que igualmente tombam nessa guerra sem fim, mostrando que é apenas a classe trabalhadora que coloca as vítimas. “Os resultados disso tanto nós como as comunidades já sabem: morrem os pobres, os trabalhadores, e os ricos passam as férias na Europa. Não vamos defender as ilusões do sistema. Temos um programa de grandes transformações, mudanças reais, construções produzidas pelas próprias pessoas que vivem os dramas cotidianos. Com elas vamos realizar a Revolução Brasileira”.


terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Nove anos de parceria


Eu e minha velha Pana... - Foto: Rubens Lopes

Tem uma história andina, dos povos antigos, que conta sobre a revolução dos artefatos. Um tempo em que os humanos só guerreavam entre si, os artefatos utilizados por eles decidiram que era tempo de parar. Então, numa noite, eles se transformaram em gente e foram ensinar sobre a paz. As guerras pararam e houve um longo tempo de harmonia. Gentes e coisas, unidas, construindo o bem viver. Essa história sempre encheu meu coração de ternura pelos artefatos. As coisas sem fetiche, as coisas como parceiras de vida.

E era um pouco esse sentimento o que me unia a minha querida câmera de filmar. Comprei-a de segunda mão, já bem usada, e ainda assim ela estava comigo há nove anos. Nove longos anos filmando boa parte da vida da cidade, das coisas do IELA, da América Latina. Nunca me falhou. Minha mão já se moldava a ela, e era quase impensável sair para rua sem carregá-la comigo, na indefectível bolsinha vermelha, comprada na Bolívia.

Pois há pouco mais de 15 dias, indo para a Rádio Campeche, sábado pela manhã, em meio à chuva, minha bicicleta travou e eu caí. A magrinha tem uma cestinha onde carrego as coisas. E, sem que eu percebesse, a cesta se abriu e a bolsinha com a câmera deve ter rolado para fora. Chovia, e eu, na pressa de resolver as coisas, saí carregando a bicicleta de volta pra casa, para ter tempo de chegar à rádio no horário previsto. Foi uma correria e minha parceira ficou esquecida no chão da rua.
   
Só dei por falta dela na quinta-feira quando fui sair para uma atividade. Procura e procura e, ao final, a certeza. Ela só poderia ter caído na hora do tombo. Voltei ao local, falei com as pessoas que moram em volta, mas nada de encontrar. A rua é caminho de muita gente que vem de fora, no rumo da praia. Sabe-se lá onde ela foi parar. Estava cheia de material, grávida de matérias e belezas, das lutas das gentes.

Hoje, certa de que a perdi para sempre, me acometeu essa tristeza. Esse sentimento de ter falhado com ela, deixando-a caída numa rua qualquer. Ela, que me acompanhou em tantas aventuras, sempre firme. Fiquei pensando que se, por ventura, ela virasse gente numa revolução dos artefatos, não seria eu quem ela veria ao seu lado. Chorei.


A minha velha câmera se fez um ente para mim. Não é a coisa em si, mas significa a parceria de quase uma década. Espero que as mãos que a carregaram possam produzir belezas com ela, assim como eu o fiz durante tanto tempo. Perdão companheira, por ter te perdido. E obrigada por tudo que me deu.