quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Floripa, ilha da magia da concentração de renda e da exclusão social


Comunidade precisa fazer ela mesma as obras que seriam obrigação da prefeitura


Texto de Elisa Jorge e Ci Ribeiro

Floripa é uma das cinco primeiras cidades com maior concentração de renda do Brasil.

A concentração de riqueza, e a consequente desigualdade e exclusão social dela decorrente, tem inicialmente, como em todo o Brasil, o lastro histórico através da posse de terras, traços do processo de colonização e apropriação irregular de áreas publicas, devolutas e comunais. Apropriações que ocorrem através de grilagens cartoriais e ou por cessão seletiva de áreas para familiares e apadrinhados políticos, via Superintendência do Patrimônio da União ou por titulações dos Institutos de Reforma Agraria Estadual, como aponta a Ação Civil Publica do MPF de Florianópolis sobre as irregularidades da Reforma Agraria do IRASC, realizados em favor das elites econômicas, das famílias ligadas ao setor da indústria, comercio e serviços da Florianópolis.      
                                                                                    
Este lastro de capital fundiário, de origem privilegiada e elitista, tem sido fundamental no processo de concentração de renda, como comprovam as duas ultimas décadas, onde as principais famílias de tradicionais ramos do comércio e de serviços, como da pesca, náuticos, alimentos, vestuário, eletrodomésticos, veículos e transportes, donas de capital fundiário ampliam suas rendas ao estarem associadas ao processo de especulação imobiliária e turística, do setor da indústria da construção civil, cujos interesses econômicos fundiários passaram a ser resguardados conjuntamente pelo CDL-Clube de Diretores Lojistas, ACIF-Associação do Comercio e Indústria de Florianópolis e pelo SINDUSCON, principais entidades representativas desta elite.

Ao contrario da narrativa meritocrática, a concentração de riqueza não é fruto da "capacidade empresarial de sua elite", mas decore principalmente da apropriação privada elitista da coisa e patrimônio publico, como do orçamento publico, dos investimentos e infraestruturas publicas municipal. 

A concentração de renda através do uso oligárquico e patrimonialista das coisas, investimentos e recursos públicos pelas elites não tem limite em Florianópolis. Este ano inovou com a escandalosa e inconstitucional "Cessão de 5% da Arrecadação do IPTU" - Lei 10461/2018* (quase R$14 milhões) na LOA/2020 - Lei do Orçamento Anual, destinado aos CDRs-Conselhos de Desenvolvimentos Regionais. Apesar de nomeado "Conselho" estes NÃO SÃO conselhos de direitos de participação e controle social, de politicas publicas municipal, e nem órgão da gestão direta municipal. Porém, o uso da palavra "Conselho", foi parte da manobra enganosa aprovada pelos vereadores** e Prefeito, para burlar a legislação municipal e competências do poder executivo e legislativo, em favor das oligarquias locais que tomam para si 5% dos recursos do IPTU para usarem em obras de seus interesses, escolhidas e aprovadas por estrutura e equipe de pessoal, financiadas pela ACIF, CDL e SINDUSCON e associados do CDRs (que congregam os maiores devedores municipal de IPTU). 

Essa concentração de riqueza também é fruto da valorização imobiliária através do direcionamento dos recursos e investimentos, ate mesmo do setor de Saneamento Básico, para as áreas ocupadas pelas elites e classes médias remediadas, na implantação de rede de coleta e tratamento de esgoto ou ate mesmo através do "uso indevido do retorno financeiro" do Contrato de Concessão do Saneamento Básico de Água e Esgoto, para execução de obras de renovação e recuperação asfálticas, nas áreas centrais e centros distritais de seus interesses. Porem não para saneamento básico das periferias ou em áreas centrais empobrecidas ou projetos de inclusão social e combate as desigualdades sociais como esta previsto.

Enquanto isso, continuamos só, ou em mutirões solidários, abrindo Fossas Sépticas rudimentares como única saída à prevenção da vida e da saúde publica na capital "Ilha da Magia", magia da especulação imobiliária e da exclusão social, patrocinada pelos donos do governo e poder municipal, a saber SINDUSCON, ACIF, CDL e suas Oligarquias Partidárias, sob os olhos e condutas parciais da maioria do legislativo, judiciário/MPSC e imprensa, hipócritas, oligárquicos e xenofóbicos catarinense. 

Agora em 2020 virão as promessas de campanha e as falsas comprovações pela imprensa servil e venal, de que a Magia e Qualidade de Vida, aqui, são para todos e todas, ao ponto tal que novamente poderá acovardar os Partidos Eleitorais de Esquerda, que com seus técnicos e especialistas de programas e campanhas eleitorais podem NÃO FAZER A DENÚNCIA DA EXCLUSÃO SOCIAL. Será preciso denunciar as narrativas e manipulação dos desempenhos das politicas sociais, em especial, com mais gravidade nas Áreas de Habitação Popular e Saneamento Básico, pois as narrativas escondem que Florianópolis tem menos 50% de Rede Publica de Tratamento de Esgoto, e que, nos últimos três anos, gastou mais com Ações de Despejos de Ocupações Urbanas, sem o devido processo legal e com uso violento da força policial, contra população vulnerável, e quase zero de investimentos em Habitação Social. Com recursos próprios desde 2017, a prefeitura construiu APENAS TRÊS MORADIAS POPULARES, sendo que a principal obra, do prefeito GEAN, foi o FIM DA SECRETARIA DE HABITAÇÃO E SANEAMENTO BÁSICO.

Merece destaque o fato de que tudo isso é hipocritamente acompanhado por ações do MPSC de REURB Regularização Fundiária Urbana em áreas de populações remediadas e ou de interesse do capital imobiliário, não ocupadas por população vulnerável, restando para essa ultima apenas  a "Forca Tarefa" do MPSC/Prefeitura/SINDUSCON/CDL/ACIF/PMSC e as entidades do terceiro setor, dos "homens de bens".  Restam também varias Ações Civis Publicas do MPSC e MPF de criminalização e desrespeito aos Direitos Humanos e Sociais de Habitação de Interesse Social das Populações Vulneráveis, que por falta de Politica Fundiária e Habitacional ocupam áreas de proteção ambiental, muitas delas com a conivência histórica das Prefeituras Municipais, do Estado e da União. 

A "Forca Tarefa" serve apenas para proteção dos vazios urbanos especulativos, contra a Função Social da Propriedade publica e privada, e para criminalização dos Conflitos Fundiários de Interesse Social, culpabilizando os 13% dos assentamentos de população vulnerável pela situação de quase 80% de áreas de uso e ocupações irregulares no município, falseando a realidade e sem qualquer compromisso com os Direitos Constitucionais Humanos e Sociais de Habitação Popular para promoção do combate as desigualdades sociais, pelo direito a cidade, vida digna e justiça econômica e socioambiental para todos e todas.

Nas esferas do legislativo executivo e judiciário está quase tudo dominado , com exceções de algumas ações promovidas por alguns procuradores federais e decisões judiciais em resposta aos direitos humanos e sociais legitimamente reclamados por comunidades de Sem Tetos e pela rede solidaria de apoio técnico e politico da sociedade, contra as tentativas de despejos coletivos, que servem apenas pra comprovar exceções à regra .  Estas exceções tem sido possível graças a Resistencia Ativa e Auto-organização Coletiva das famílias das Ocupações Urbanas e da Rede Solidaria de Apoio, que denunciam a negação de Direitos Humanos Sociais dos Sem Tetos, Quilombolas e Indígenas, denunciam a criminalização da luta por direitos, e o uso da violência policial acompanhadas pela a manipulação da opinião publica pela imprensa comercial.

A Resistência Ativa, das famílias e a Rede de Apoios, foi quem garantiu em 2019 importantes vitorias dos Movimentos Sociais nas Ocupações Urbanas das comunidades: Nova Esperança, Beira Rio e Mestre Moa na Palhoça; Vila Esperança, Fabiano de Cristo e Marielle Franco em Florianópolis, resistindo aos despejos. Destacamos também como importante, na luta pelo direito a cidade e condição de vida da população, a resistência por direitos trabalhistas e sociais, protagonizadas na esfera municipal pelos Sindicatos da Rede Publica de Saúde, Educação e Assistência Social, todos principalmente contra os governos municipais e estadual. 

Exatamente pelo processo da luta de garantia de direitos, sociais constitucionais, ter maior descaso e ataques nas gestões dos governos municipais, e sendo 2020 ano de eleitoral, é urgente que as forças sociais, políticas e partidárias, democráticas e populares, nesta conjuntura se unam e coloquem em primeiro plano a luta EM DEFESA DE DIREITOS SOCIAIS DE VIDA DIGNA por um GOVERNO DEMOCRÁTICO POPULAR Justo, Fraterno e Solidário, para todas e todos, e para que as forças democráticas não sejam também responsáveis por mais quatro anos de exclusão social, que em Florianópolis já duram 24 anos, desde 1997, governados por prefeitos populistas de centro direita.

A construção de um Governo Democrático e Popular, sem qualquer impedimento de legítimos anseios das lideranças politicas, deve de imediato, neste inicio de ano, conclamar pré-candidaturas a prefeito como LINO PERES-PT e ELSON-PSOL, para juntos encantar mentes e corações pela construção de alternativa eleitoral de FRENTE DEMOCRÁTICA E POPULAR, com ampla participação da base social dos movimentos das lutas por direitos, para definição do Programa e Plataforma Politica Eleitoral e de Governo, que promova Participação Popular e Gestão Democrática.          
                                                                                                              
Esta alternativa eleitoral deve também organizar a disputa da Câmara de Vereadores. Isso exige construção de ampla rede de candidaturas representativas para vereadores/as na legenda de cada partido, que este ano deverão ter chapas próprias de cada partido, de ate 34 candidaturas, sem possibilidade de alianças, o que dificultará o alcance do coeficiente eleitoral para se eleger vereador/a, exigindo densidade de voto de cada candidato/a. 

Qualquer omissão e indiferença nas frentes de lutas, institucional e de massas, com as disputas e ataques políticos econômicos e sociais, comandados por neofascistas e neoliberais, nos torna cumplices do processo de destruição das conquistas de direitos democráticos, trabalhistas e sociais, das gerações passadas. Omissão e indiferença nos tornará cumplices da perda de direitos das gerações atuais e futuras. Por isso todas nossas entidades, organizações, movimentos, ativistas e militantes populares das lutas por direitos das categorias das classes trabalhadoras devem assumir responsabilidade e protagonismo junto aos setores da RESISTENCIA DEMOCRÁTICA, pela construção de uma nova sociedade justa, fraterna e solidaria, como tem dado exemplos as/os ativistas da luta da Reforma Urbana pelo Direito à Cidade e Moradia Popular na região da Grande Florianópolis.

Elisa Jorge e Loureci Ci Ribeiro - Arquiteta/o e Urbanistas - ativistas da Reforma Urbana, Coletivo Ocupações Urbanas e do MNLM - Movimento Nacional de Luta por Moradia. 
                                                                                                                                                                                       
(*) Entramos com denuncia crime de inconstitucionalidade junto ao Ministério Público do Tribunal de Conta do Estado e na Promotoria da Cidadania e Defesa do Consumidor do Ministério Publico Estadual.    
                                                                                            .
(**) Com voto contrario apenas dos vereadores Lino Peres-PT e Pedro Cabral-PSOL

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Das lealdades


Tenho essa prática: onde sou bem tratada, me demoro e me mantenho leal. Assim tem sido com esse homem incrível que corta meus cabelos. Logo que cheguei à Florianópolis, em 1997, trazia o cabelo bem curtinho, usei por muito tempo assim. Era um cabelo difícil, pois exigia cortá-lo a cada mês. Mas, como amarguei mais de um ano de desemprego por aqui, a saída foi deixar crescer as melenas. Finalmente quando pude ir a um cabeleireiro minha amiga Roseméri Laurindo indicou um salão bem famoso que tinha na ilha: o Studio 7, na Felipe Schmidt, afinal, depois de mais de ano sem cortar era preciso um profissional de qualidade.

Naquele dia fomos as duas. Rose cortou com o mais famoso, de nome Dico, se não me engano. A mim coube outro profissional, bem jovenzinho, o Edson. Gostei dele na hora. Alegre, simpático e cheio de novas ideias para o cabelo. Desde aí, sempre que precisava tosar o pelo lá ia eu para o Studio 7, marcando hora com o Edson. Um belo dia ele não estava mais. Opa, onde foi? E lá fui eu atrás dele no novo salão. Até que finalmente ele montou o seu próprio negócio.

Pois assim tem sido desde o final dos anos 1980. São 33 anos de parceria, sem eu nunca ter mudado. No geral vou cortar o cabelo sempre quando estou muito triste, ou estressada demais, ou com algum problema grande. É bom quando a gente está assim receber um carinho, porque é exatamente isso que significa visitar o Edson. Carinho, cuidado, ternura. Conversamos, rimos, ele lava meu cabelo, conta histórias, faz perguntas, corta, orienta, oferece cremes. E toda vez insiste para a gente pintar, colocar uma cor, uma hena. E eu sempre digo não. É quase um ritual. Assim, posso estar vivendo a dor mais profunda, mas invariavelmente saio de lá com a alma leve, sorrindo. Ele é um bálsamo, um respiro.

Hoje, olhando para trás, vendo passar esses mais de 30 anos de encontros capilares, me emociona pensar o quanto conseguimos estabelecer laços tão profundos com pessoas com as quais não convivemos diariamente. O Edson é assim, como alguém da família, essa família extendida que a gente vai formando na existência real. A família que não se forja no sangue nem na obrigação, mas na genuína empatia.

Obrigada, meu amigo, por essas três décadas de encontros, de alegria, de carinho e de cuidado. Melhor cabeleireiro do mundo, o mais querido. Te amo grande, grande...


Não há férias com o Alzheimer


Quem decide cuidar de um idoso com Alzheimer ou demência precisa inventar novas formas de viver. Pois, uma coisa é certa: o cuidado é 24 horas. Não há meio termo. No geral, mesmo que seja uma família grande, o idoso escolhe uma pessoa que vai ser a que tem a voz de comando. A partir dela é que se orienta, e essa pessoa passa a ser a bússola do idoso, está amarrada a ele. Então, sinto muito. Não há descanso, não há férias. Mas, como fazer para não sucumbir ao cansaço físico e emocional? Bueno, não há receitas. Cada um tem de encontrar seu ponto de equilíbrio.

Descobri isso da maneira mais dura. Depois de três anos cuidando do pai, decidi levá-lo para passar umas semanas com minha irmã. Assim eu poderia viajar, descansar, ficar sem fazer nada, o que fosse. Uns dias só para mim. Porque é certo, a gente precisa. Viajamos até lá e tudo ia bem, chegamos, comemos, conversamos, e preparamos tudo para as férias dele e nossa. Ele estava normal e à vontade na casa que foi dele durante anos. Quando a noite chegou fomos embora e ele ficou.

No dia seguinte minha irmã já me ligava aturdida, pois o pai tinha literalmente surtado. Gritava desesperado, não a reconhecia, queria sair portão afora, e não havia nada que o acalmasse. Foi um terror. Esperei mais um dia para ver se ele se acostumava, e não teve jeito. No terceiro dia lá estava eu pegando o pai de volta, dando adeus ao descanso. Ele voltou para casa tranquilo e seguiu a velha rotina. Seu sul era o espaço no qual ele se sentia seguro.

Percebi então que tirar o idoso com Alzheimer ou demência de sua rotina é um risco grande. Não voltei a fazê-lo. E, isso determinou o que disse lá em cima: nada de férias para quem é cuidador.

Diante disso há que buscar estratégias. Uma viagem de um ou dois dias pode-se arranjar. No mais é estabelecer períodos do dia nos quais o foco seja a gente mesma. Uma tarde para passear no centro ou outro lugar que a gente goste, um cinema, um café com as amigas. Uma manhã para pegar uma praia, um meio-dia para ir no bar. Enfim, no curso das 24 horas buscar janelas de tempo para cuidar de si. Isso é fundamental porque o cuidado exige demasiado de nós. E, para garantir essas janelas precisamos de aliados. Eu tenho um companheiro e um sobrinho que assumem o cuidado quando eu saio voando pela janela da fruição. E quem não tem ninguém? Aí é difícil, bem difícil mesmo. Mas, há que buscar um amigo, um vizinho, ou mesmo alguém pago, para fazer companhia ao idoso, garantindo um tempo para si.

O fato é que o idoso precisa de sua rotina e mesmo os passeios com ele não devem se estender. Há que voltar logo à segurança do sempre sabido. Mas, ainda assim se podem inventar bons momentos com eles. Já com os que estão acamados isso é impossível.

O importante mesmo é que a gente se cuide e se mantenha firme, física e mentalmente, fazendo exercícios diários e ouvindo muita música, mesmo quando o desespero é grande. Ninguém pode cuidar de alguém se não estiver bem. Nossos velhos não são um peso, são uma responsabilidade. Eles cuidaram de nós por anos a fio quando éramos crianças. Agora é nossa vez. Sem drama, sem tristeza, buscando força onde for preciso. 


Memórias políticas


Arrumando os papéis na eterna tentativa de limpar as prateleiras a cada início de ano, achei essa preciosidade. Uma revista em quadrinhos sobre a vida de Luci Choinacki, quando da campanha dela para deputada federal, pela primeira vez em 1990. O material foi produzido com arte de Antônio Carlos Silva, roteiro meu e coordenado pelo querido Fernando Faccio. 

Era como a gente fazia campanha naqueles dias, no amor, na garra, no trabalho manual. 

O livrinho foi reproduzido em fotocópia e assim o povo da roça andava pelo caminhos buscando eleger pela primeira vez uma mulher camponesa para o Congresso Nacional. Luci tinha sido a primeira camponesa a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa de Santa Catarina e tinha feito um grande trabalho. Naquele ano, com uma campanha simples mas cheia de garra e amor, ela foi eleita. Foi um tempo bonito demais!