quinta-feira, 18 de abril de 2019

Curso de Jornalismo e Adelmo



O Curso de Jornalismo da UFSC está completando 40 anos e tem realizado uma série de atividades para celebrar essas quatro décadas de formação. Nessa quarta-feira, uma em particular encheu meu coração de alegria. A inauguração de uma placa que dá o nome de Adelmo Genro Filho a uma das salas de estudo do Curso. Nada poderia ser mais especial. É fato que ao longo desses 40 anos muitos educadores de alta qualidade passaram por ali. Mas, Adelmo, pelo menos para mim, é singular. Ele me ensinou a escrever os textos jornalísticos de tal modo que eles extrapolassem a particularidade redutora. Porque ele foi o criador da “teoria marxista do jornalismo”. Uma teoria que nos ensina ser o fazer jornalístico não apenas o ato de escrever uma notícia, mas uma práxis complexa e poderosa. Escrever não é só responder as seis perguntas básicas do lead. Escrever é pensar o fato desde a sua singularidade, mas sendo capaz de narrar ali, no espaço curto da notícia, a universalidade do acontecimento. Isso é uma revolução, porque nos tira do espaço da ideologia, da manipulação e nos coloca no caminho do conhecimento. O jornalismo é produção de conhecimento.

Não tive a sorte de conhecer Adelmo pessoalmente. Quando cheguei ao curso de jornalismo ele estava fora, em licença, e logo em seguida morreu. Mas, tive um mestre: Sérgio Weigert, que era seu amigo e parceiro de letras. Ele nos apresentou Adelmo. Ele nos fez ler e compreender aquele livro denso e cheio de complexidade, ele nos ajudou a desvendar o segredo da pirâmide, esse enigma que Adelmo torna tão simples. Sérgio nos fez percorrer os caminhos intricados da filosofia, abertos a facão por Adelmo ali, naquele curso. E, na paixão do Sérgio por aquele homem e suas ideias, fomos nos apaixonando também.

Desde 1988 que o livro do Adelmo é meu livro de cabeceira. A ele volto em cada dúvida, em cada momento de perplexidade diante do jornalismo. E ali estão as palavras que me movem na certeza de que o jornalismo é a melhor das estradas.

Ontem, no lançamento da placa, o colega Samuel Lima fez uma breve apresentação do homem Adelmo, e de suas obras. Samuel foi seu aluno e conheceu, além do gênio, o ser. Assim como ele, outros colegas jornalistas, que acorreram à homenagem também fizeram falas emocionadas sobre a figura do Adelmo e sua importância no jornalismo. Gente como a Néri Pedroso, que o conheceu ainda jovenzinho, em Santa Maria, e Gastão Cassel, também de lá, que trouxeram imagens de tempos distantes quando Adelmo era só um rapaz latino-americano iniciando sua caminhada na política e na teoria. Outros que o conheceram como colega de trabalho, como Eduardo Meditsch, e que tem sido um propagador de suas ideias, e um número expressivo de ex-alunos que ainda carregam nas retinas sua figura generosa, paciente e brilhante.

Eu, nunca o vi. Mas, desde que mergulhei, pelas mãos do Sérgio, em seu livro mais importante: O segredo da Pirâmide, compreendi que se nunca o vi, sempre o amei. Por ter nos trazido essa teoria, essa forma de pensar o jornalismo, essa práxis libertadora. Ao ouvir as palavras daqueles que o conheceram fui tomada pela emoção. Adelmo não é um rosto na foto. Não é uma placa de lata, não é o nome de um centro acadêmico. Adelmo é fonte de conhecimento e vive. Hoje e sempre. Porque sua teoria segue sendo ensinada nas salinhas do jornalismo, porque suas palavras seguem queimando pestanas, porque sua maneira de pensar o jornalismo é ainda absolutamente necessária.

Adelmo circula por aqueles corredores, mastigando seu cachimbo. E ontem, enquanto tantos que o amaram estavam ali o reverenciando, ele deve ter sorrido, feliz, por se saber ainda tão vivo.

Parabéns ao Curso de Jornalismo e a todos os professores e professoras que seguem levando essa labareda de conhecimento e de belezas que ajuda a formar bons narradores de vida. O jornalismo, assim como Adelmo, vive.

Agradeço imensamente a Maria José Baldessar, que generosamente me concedeu a honra de descerrar a placa junto com Samuel Lima. Foi uma surpresa e uma emoção inaudita. Porque foi ali, naquele espaço que um dia eu encontrei esse homem que até hoje me carrega às alturas da delícia que é fazer jornalismo como forma de conhecimento. Foi uma das maiores alegrias da minha vida.

Que Adelmo siga caminhando, soberano, por aqueles corredores.

Adelmo, presente.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Todos os dias, assassinando a verdade




Sempre foi difícil para as pessoas saber onde se esconde a verdade. Durante muito tempo ela aparecia como revelada por deus. Desde um livro, escrito por sacerdotes de uma igreja, deus falava e estava dito. Poucos eram os que questionavam. E assim, os homens do poder, usando deus como escudo, iam definindo a verdade em seu benefício. Depois, com o teatro mambembe, as companhias de atores que circulavam pelos caminhos apresentavam novas versões dos fatos e a verdade assomava, ainda que em pequenas golfadas, nem sempre assimiladas. Mais tarde veio o jornalismo, como um fazer específico de divulgação de notícias que, por origem, deveria estar comprometido com a verdade dos fatos.  Mas, não tem sido assim. O jornalismo é profissão exercida por pessoas que trabalham para grandes companhias e a estas empresas não interessa a verdade. O que vale é que seja veiculada a versão mais lucrativa para os empresários ou a mentira que sustenta o mundo capitalista, no qual para que um viva outro tenha de morrer. Por isso, tanto o jornal, quanto o rádio, a televisão e a internet não são veículos confiáveis. Porque são controlados por empresas comprometidas com o capital e não com as gentes. 

Pessoas há que praticam o jornalismo, ou seja, esse fazer que tem por princípio desvelar a verdade para que todos possam saber onde estão metidos e o quê, de fato, está acontecendo. Mas, são poucas. O jornalismo independente é difícil de ser praticado, faltam recursos para ir até onde estão os fatos, falta gente comprometida, falta estrutura. Ainda assim, ele resiste aqui e ali. São os respiros por onde a verdade consegue caminhar. 

Mas, nos dias que correm, com o advento das redes sociais, ficou bem mais difícil saber onde anda a verdade. Qualquer pessoa com um celular virou produtor de conteúdo e esse conteúdo não necessariamente expressa a verdade. Pode ser uma mentira deslavada, um engano programado, ou mesmo uma má interpretação sobre os fatos. As chamadas “fake news”, que é a expressão inglesa para notícias falsas, se espalham e provocam toda a sorte de horrores. 

Vivemos há pouco tempo uma eleição presidencial na qual as notícias falsas, as informações falsas, foram divulgadas à exaustão. Mentiras sobre pessoas, mentiras sobre situações, mentiras sobre fatos. Mentiras e mentiras. Sobre isso a justiça jamais se pronunciou. Pelo contrário, alegou que não poderia se meter na chamada “liberdade de expressão”. 

Essa semana, a mesma justiça que fez vistas grossas para os horrores das mentiras em tempo de eleição decide censurar uma reportagem que apresenta informações baseadas em documentação oficial. A alegação do ministro do STF é de que a reportagem é uma “fake news”. Como assim? Mentiras são coisas que não tem comprovação. A denúncia feita pela reportagem tem. Documento. Realidade. Logo, a censura é inconstitucional. Uma inconstitucionalidade promovida por quem deveria ser o guardião da Constituição. Mais uma vez, morre a verdade. 

Semana passada a polícia britânica prendeu Julian Assange, o criador do WikiLeaks, um sítio que se propôs a desvelar as informações que os governantes e os empresários querem ver escondidas. Um sítio de jornalismo, comprometido com a informação veraz. Então, o homem que decidiu destapar a verdade é preso sob a alegação de quê mesmo? De nada. Ele não cometeu crime algum. Ações criminosas como os assassinatos de civis no Iraque, documentos sobre a fabricação de golpes em variados países do mundo, falcatruas empresarias, espionagem industrial e estatal, toda a sorte de crimes e enganos contra a humanidade precisam ser conhecidas pelas gentes. A informação é um direito humano. Mas, não importa isso. Julian está preso e as notícias dizem que ele é um espião, um bandido. Assim como a reportagem da revista Crusoé, divulgada também no sítio O Antagonista foi tirada do ar, censurada por abrir a verdade. 

A verdade é crime no século XXI. A verdade sempre foi crime. Porque a verdade liberta, abre os olhos, faz pensar. A verdade precisa ser assassinada. 

Como jornalista tenho vivido momentos de estupor. Praticamente já não se pode confiar em ninguém. As próprias fontes, no campo da esquerda, por vezes mentem tentando ampliar uma suposta verdade que julgam conhecer. Foi o caso da prisão da professora Camila Marques, nesta segunda-feira (15), em Goiás. De repente, a rede social foi invadida por notícias, de gente confiável, dando conta de que a professora teria sido presa por acusação de doutrinação, dentro da histeria persecutória que tomou conta do Brasil nos últimos meses. Imediatamente a notícia espalhou, provocando medo e indignação. Pouco tempo depois, com a soltura da professora, os fatos vieram à tona. A prisão tinha se dado em outro contexto. Foi igualmente arbitrária, igualmente torpe, mas não foi por “doutrinação”.

Assim que nós mesmos, que vivemos de divulgar notícias, vamos ficando cada vez mais limitados na confiança das fontes. Se todos mentem, o que fazer? Se formos divulgar só aquilo que presenciamos, ficamos reduzidos há muito pouco. As fontes deveriam ser isso mesmo que significam: fontes. Generosas cascatas de informação veraz. Mas, se as fontes nas quais confiamos mentem, como escrever? 

Cada vez mais fortaleço em mim uma velha máxima que aprendi e que tenho ensinado. Na dúvida, não divulgue. Não há problema algum em dar a informação depois de todo mundo. Nossa obrigação é dar a melhor informação, a mais completa, a mais próxima da verdade. Eu mesma já fui pega pela lógica da pressa. Mas, a cada dia vou me controlando. A mentira é mato nos tempos que correm, erva daninha que cresce em qualquer terreno, inclusive nos dos nossos amigos. Há que ter calma, paciência histórica e esperar. Uma mentira uma vez dita não se apaga. Não há direito de resposta que dê jeito. E a verdade fica obscurecida. 

Julian Assange escolheu o caminho da verdade e hoje paga por isso. No mundo das mentiras, ele é o vilão. E é. Para o capital, para as grandes empresas, os governos, Julian é a ameaça mais perigosa. Porque, como já disse, a verdade liberta. É uma decisão difícil ser o Joãozinho ou a Mariazinha do passo errado quando toda a multidão marcha para a direção oposta. Mas, a história também mostra, que são esses joãos e marias os que mudam o mundo. É uma difícil decisão. 

Quanto a mim, prefiro esse duro caminho da verdade. Com todos os riscos. Porque o jornalismo só tem sentido se for para libertar, ainda que essa prática nos aprisione. Julian Assange é o herói do nosso tempo. Enquanto a massa se compraz em divulgar mentiras, ele insiste na verdade. Está pagando por isso. Mas, mesmo que morra, ele vencerá. Nós venceremos. Porque a verdade é como um Saci num redemoinho. Impossível de cercear. Mais dia, menos dia, ela assoma, a despeito de todas as tentativas para encobrir.