terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O pai é Highlander



Um dia antes do Natal o pai deu um susto daqueles. Simplesmente não acordou. Passou todo o dia 24 dormindo. Não havia nada que fizesse ele abrir os olhos. Não saiu da cama. No dia seguinte acordou, mas passou o dia inteiro dormindo no sofá. No final da tarde não aguentei, e lá fui com ele pra UPA, pra ver se algum médico dizia o que fazer. Chegando a UPA encontrei uma fila de umas 50 pessoas. “Vai demorar”, disse o atendente. Decidi não arriscar, pois havia muita gente com sintomas de Covid. Voltei pra casa. Nos dias que se seguiram consegui ajuda de uma amiga médica. Veio vê-lo. Mas, não sabia o que podia ser. Fizemos exame de urina para ver se era infecção urinária. Não era. Coração, bom. Pulmão, bom. Pressão, boa. 

O diagnóstico mais provável era do avanço da doença, o tal do Alzheimer. E, de fato. Depois daquele dia inteiro dormindo o pai perdeu a capacidade de caminhar sozinho, desequilibrando o tempo todo. Caiu da cama, quase quebrou o nariz. Também ficou mais difícil trocar a roupa, ajeitar pra dormir, passou a não conseguir mais comer sozinho, todo aquele “ficar pior”, sabido, mas nunca esperado. Um baque tão grande que me derrubou também. Fiquei doente. Não sei se foi Covid, se foi esgotamento, gripe, sei lá. Juntou a tristeza com a impotência. Desabei. 

Agora estamos aí nessa nova fase. Mais dependência e o pai mais distante, perdido em um mundo cada vez mais restrito, sem mais gracinhas. Ainda assim ele é valente. Insiste em sair andando, coisa que ama. E, ontem, para minha surpresa, conseguiu fazer todo o caminho do alpendre até o portão, sem desequilibrar. Eu deixo ele ir, embora fique do lado, para o caso de amparar. Olho pra ele e digo: tu é highlander mesmo, né quiridu? 

Eu finjo que acredito nisso. Mas, sei que não é. Vou me preparando sempre para o pior, me despedindo cada dia. É uma doença danada de ruim. Mas, enquanto der, vamos seguindo... e como dizem os hermanos “por si acaso”, protejo a cabeça.. enquanto ela não sair do pescoço, ele vive. Highlander.

O pai


Quando eu pensava que o seu Tavares não faria mais gracinhas ele mais uma vez me surpreendeu. Hoje, depois do banho da manhã ele veio pra cozinha para tomar café. Eu o trouxe até a mesa e mostrei o café já pronto. Junto, um pratinho com pãezinhos e ovo, preparados pelo Renato. Tirei o guardanapo e mostrei.

- Olha os pãezinhos, pai.

E ele erguendo os olhos para o céu e juntando as duas mãos em prece, largou um aliviado e suspirado: 

- Graaaaaaaaças a deus! 

Era como se estivesse mesmo faminto e não esperasse tamanha graça...

Esse seu Tavares... me sai com cada uma!