sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Padre Julio

Foto: Vaticano News

Então nesse janeiro solar a Câmara de Vereadores de São Paulo decidiu abrir uma CPI contra o padre Julio Lancellotti, conhecido por sua atuação solidária junto aos moradores de rua. A proposta da CPI partiu do vereador Rubinho Nunes, do União Brasil, ele que é um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL). A alegação do vereador é de que se faz necessário investigar as ONGs que ajudam o padre a dar comida e conforto aos moradores de rua. Para ele, essas entidades e também o padre estão usando os empobrecidos para lucrar.

Este é o pensamento dessa corrente conhecida hoje como “bolsonarismo”, porque agrega em seu escopo toda a sorte de barbaridades contra a vida e contra o país, amalgamado na figura do ex-presidente. São da mesma turma que afirma ser o Papa Francisco um ser diabólico que sequestra crianças e as come, assadas. Os mesmos que ignoraram a Covid 19, foram contra as vacinas e acreditam nas coisas mais irracionais. São os que incitam à violência contra os comunistas e contra tudo o que não compreendem.

Por isso essa cruzada contra o Padre Julio. Não compreendem como um homem pode se dedicar ao outro, caído. Como pode andar com os maltrapilhos, os doentes, os desvalidos, os drogados. Não entendem. Ainda que sejam os mesmos que assistem na televisão aos filmes sobre Jesus, e choram. Os que maratonam a série Chosen, da Netflix, e choram. Os que se dizem cristãos e levantam os braços em oração nas igrejas/empresas.

Pessoas como o vereador Rubinho e toda a ratatuia que assinou a proposta de CPI são capazes de questionar a solidariedade, mas não a pobreza. Para essa gente é absolutamente normal existirem moradores rua, gente morrendo de fome, desabrigados. É normal e necessário, para que possam seguir tirando da miséria seus lucros, políticos ou financeiros.

A notícia grotesca dessa CPI, portanto, não surpreende. O Bolsonaro saiu do governo, mas a lógica que permitiu essa excrescência segue firme e encravada em todos os lugares de poder. É a mesma lógica (ou a não-lógica) que ilumina um exército de pequenos monstros que não mais temem sair à luz. Muito provavelmente a tal CPI vai ser como a MST no Congresso. Serviu para mostrar o lindo trabalho que os agricultores acampados e assentados fazem nesse país. Vai iluminar o padre, embora seja verdadeiramente ignóbil.

Mas, na verdade, para essa turma, nada importa. O que vale é manter acesa a luz do ódio e do irracionalismo. O que vale são os sinais de positivo no Instagram, no Tik Tok, e esse frisson que toma conta da massa insana, gritando loucamente por Barrabás, hoje como no passado.

O humano verdadeiramente não avançou um centímetro. Tão frágil, presa fácil das raposas do capital. Tão frágil e tão estúpido a ponto de ser o responsável por sua própria destruição.

Serenamente, o padre Julio seguirá fazendo o que sempre fez. Amparando o irmão caído. Ele sabe, de saída, que, no capitalismo, é um derrotado. Levanta um hoje e vê mais três caídos amanhã. Porque o sistema é bruto e impiedoso. E tem capitães do mato como o vereador Rubinho às pampas.

Com padre Julio vamos, de mãos dadas, nesse exército de Brancaleone, até que venha um partido revolucionário e a revolução.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Formatura


Esta sou eu no dia da minha formatura, no começo de 1991. Era um dia dúbio. Havia uma grande felicidade por estar concluindo o curso de Jornalismo com o qual eu sonhara uma vida inteira, mas ao mesmo tempo uma profunda tristeza porque minha mãe estava muito doente. Tinha saído do hospital meses antes para, como diziam os médicos, morrer em casa. Assim que eu estaria ali sozinha no dia da minha conquista mais esperada. Nem a mãe, nem o pai. Tinha sido um dia tenso. Eu for a ao cabelereiro, por insistência de uma amiga, e o resultado tinha sido horrível. Então, cheguei a casa e lavei o cabelo de novo, desfazendo a marmota, indo para a formatura com ele praticamente molhado. A saia era emprestada da Linete Braz Martins e a blusa da Clarinda. Eu estava um pitéu. Mas, triste. Qual não foi minha surpresa quanto, lá dentro do plenário da Assembleia, onde seria a formatura, vejo minha tia Dalva e o meu tio Holmes. Eles tinham vindo de Porto Alegre para que eu tivesse alguém da família naquele dia tão especial. Uma surpresa é tanto que me encheu de alegria. São esses pequenos retalhos de vida que nos enchem de mundos...