terça-feira, 7 de julho de 2009

No ônibus, feito bruxa...



Ali estou eu no ônibus das 17h15, que passa pela escola Brigadeiro Eduardo Gomes. Num átimo tudo se transforma e as crianças entram aos borbotões. Preparo o espírito porque estou de baixo astral, sem disposição para a balbúrdia do ônibus-babel. A gurizada entra e, como sempre, muitos deles ficam me olhando. Porque desde há anos uso um bindi, o terceiro olho da crença oriental. Mas, agora, com a novela da Globo, isso virou um inferno.

As meninas espiam e cochicham, rindo. Uma delas não se agüenta e lança um “are baba” pra mim. Finjo que não escuto, sem disposição para explicar que aquele bindi nada tem a ver com as coisas da alienante e boba novela global. Já tinha pensado em não mais usar, mas, também, porque eu teria de renunciar a um costume que tenho por conta de uma passageira novela? Sigo usando, mas me estresso quando alguém liga o enfeite à trama da Globo.

Então, do meu lado, sentou um anjo. Guri franzino, magricela, de olhos muito vivos. Olhou pra mim curioso e disparou.
- Tu é cigana?
- Não!
- E o que é isso na tua testa?
- Um olho que vê o coração das pessoas.
- Tu vê o meu?
- Sim. Ele está vendo que tu és um guri bem bagunceiro na escola, mas me diz também que isso logo vai passar e que tu vais ser bem estudioso porque, no futuro, vais cuidar das pessoas.

Ele me olhou estupefato, como se eu tivesse lido mesmo sua alma.
- Ééééé´... eu quero ser médico. Será que vou ser?
- Vai sim. É só estudar bastante e enfrentar com valentia todas as barreiras.

Ele se virou e disse bem alto aos colegas. “Vou ser médico. Ela é bruxa e viu”. Então abriu os cadernos e me mostrou os desenhos que fazia. “Esse vou dar pro meu pai”. Eram dois bonecos numa espécie de consultório. “Esse sou eu”, apontou o médico. E foi conversando, feliz, até saltar, carregando a mochila grande demais para seu corpo miúdo. Lá de fora, abanou, com um riso largo. E eu que tinha entrado bem triste naquele ônibus, me fui com a alma cheia de alegria. Porque existem meninos que sonham ser médico nestes caminhos secretos do meu Campeche, e eu posso ver...