terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Os mistérios do banho



A água é um tabu para os velhinhos com demência. Falar a palavra “banho” desencadeia reações desesperadas. O pai vai logo tratando de escapar para longe de mim, brabo, falando sem parar. É sempre uma novela mexicana essa hora. Claro que quando a coisa fica muito estressante, eu deixo pra lá. Aprendi a dar o velho banho de gato, com meus paninhos mergulhados em alfazema. E tudo tem de ser feito por etapas. Primeiro a cara, depois os braços, bem mais tarde o peito e as costas, as pernas e só por último as partes íntimas. Isso nos ocupa um dia inteiro. 

Outro dia lendo um texto antigo do Ruben Alves, ele contava sobre a história do cara que foi na casa da namorada e pensou estar comendo couve-flor. Estava tudo indo muito bem até que ela disse que aquilo não era couve-flor, mas sim miolos. Foi o suficiente para o cara correr para o banheiro vomitar. Aí o querido poeta conclui: nós engravidamos pelo ouvido. O ouvido escuta e a gente sente. Hummm.. Fiquei matutando... Decidi então não mais usar a palavra “banho”.  

De manhã, quando ele acorda, ainda meio zonzo do sono, eu vou encaminhando para o box, falando um monte de coisa nada a ver. “Mas, que bonito estás” “dormiu bem, meu querido”, e assim por diante até chegar no chuveiro. E lá, jamais abro o chuveiro, evitando que a água o surpreenda. Uso o chuveirinho para ir familiarizando com a água aos pouquinhos.  

- Olha, vamos lavar o pé. Tá sentindo o quentinho? ...  e ele vai aceitando... 

Aí vou subindo a duchinha e quando molho a cueca, já vou tratando de tirar... Depois é só sacar a camisa e pronto... Lá está o banho... Demora, mas demora bem menos do que o banho de gato... Ao final ele já está gostando da água quentinha e preciso insistir para que ele saia do box.  

Também não torturo ele com banho todo dia, não. Ele está sempre bem limpinho... Cada vez que faz xixi ou cocô e dou uma geral com os lencinhos umedecidos, o óleo de bebê e a lavanda. E se ele fica meio fedorento às vezes, tudo bem também, faz parte. O importante é não causar sofrimento desnecessário. Quando pá, lá vem outro banho, e assim vamos.  

Agora só quero ver qual será a estratégia para o inverno... aff