terça-feira, 29 de outubro de 2013

As aventuras de um livro para chegar a Maceió



Um companheiro que mora em Maceió escreveu para o Iela, onde trabalho, pedindo três livros da coleção Pátria Grande.  Era o longínquo dia de 25 de setembro. Na mesma hora peguei os livros, coloquei num envelope e levei até o malote do CSE, centro de ensino da UFSC onde fica o Iela. Dali, supostamente, alguém deveria levar os livros até o malote central, onde, supostamente, outra pessoa encaminha para o correio. A gente segue os trâmites, com todas as guias e formulários exigidos e espera que tudo aconteça. Mas, por obra do Saci ou seja lá o quê, a coisa não funciona assim.

Hoje, dia 29 de outubro, mais de um mês do ocorrido me chega a mensagem do companheiro. Nada de livro. Putz, tá, teve a greve do Correio, mas não deveria estar demorando tanto. Fui à secretaria do centro para saber o que tinha acontecido com meu pacote. "Foi para o malote". Fui até o malote para saber se o mesmo tinha ido para o Correio. "Se chegou aqui, foi encaminhado". Como assim? Tem o rastreamento. "Não, mandamos por encomenda comum, para diminuir custos". Ââh??? É. "Então, como faço para saber o que aconteceu com o pacote?" Ninguém sabe dizer. Não há o que fazer. "Melhor mandar de novo por A.R". Ah tá!

Volta para o Iela fazer outro pacote. Os três livros estão perdidos por aí. Pacote feito, voltei ao malote. "Quero mandar esse pacote por A.R". "Se é livro é só o Chico quem encaminha". Ok. E cadê o Chico? "Ele não está, só amanhã. Tens que voltar amanhã". Enraivecida, passei a mão no pacote e me toquei para o Correio. Mandar com meu dinheiro mesmo. É muita mão. Parece que tudo é feito para não funcionar.

Chega no Correio e espera, espera, espera. Minha vez. 

- Quero mandar esse pacote pelo PAC.
- Pac? Tem que estar numa caixa. Não pode ser envelope.
-  Mas não dá pra dobrar e fazer como um pacote?
- Tá, pode ser.

Espera e espera. Pacote arranjado. 

- Quer com aviso de recebimento?
-  Custa mais caro?
- Claro, três reais a mais.

Ódio profundo dessa privatização do Correio. Se fosse por Sedex (a parte já privatizada, chegaria amanhã e custaria 52 reais). Pelo PAC custou 24, mais os três do recebimento. Talvez se mandarmos lembranças , custe mais alguns trocados. Se mandar como carta comum, periga nunca chegar. Foi-se o tempo em que o Correio, uma empresa estatal, era a empresa mais confiável do país. Tu mandava uma carta para o cafundó do Judas e ela chegava, a despeito de todas as catástrofes. Agora não. Privatizou. Cria-se a ilusão de que o tal do PAC veio para melhorar a vida, deixar tudo mais barato. Não é verdade. Pura ilusão. Tudo ficou pior. É mais barato comparado ao Sedex, mas não ao sistema de encomenda simples que antes havia. 

-  Demora pra chegar?
- Até 15 dias.
- E se for por Sedex?
- Chega no dia seguinte.

Ou seja, para que o livro chegue logo precisa custar mais que ele mesmo. Loucura total.

E lá se foram os livros, de novo, pelo PAC. Agora é rezar para todos os deuses e deusas do Tawhantinsuyo e confiar que cheguem. E a gente volta para o setor de trabalho, impotente. Essa máquina burocrática me tira a beleza! Af... 

Mas, o que a gente não faz por Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marini? Afinal, essa história só confirma aquilo que eles escrevem.

Dia do Saci-Pererê e Lançamento de Livro da jornalista Elaine Tavares



A celebração do Dia Nacional do Saci-Pererê será no dia 31 de outubro, quinta-feira, das 15 às 17 horas, na Esquina Democrática, em frente à igreja São Francisco, na capital, Florianópolis. A promoção é  da Revista Pobres & Nojentas, com apoio do Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal do Estado de Santa Catarina (Sintrajusc) e do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina (Sintufsc). No dia também será lançado o novo livro da jornalista Elaine Tavares, da equipe da Pobres & Nojentas, intitulado "Olímpia Gayo visita o diabo". O trabalho conta a história da freira franciscana Olímpia Gayo, que iniciou um fecundo trabalho de organização das mulheres prostituídas em Lages (veja no final do release). No dia haverá música, contação de histórias, brincadeiras e distribuição de “sacizinhos”.

A lenda é assim! Basta que exista um bambuzal e, de repente, de dentro dos caniços, nascem os sacis. É como eles vêm ao mundo, dispostos a fazer estripulias. Conta a história que esses seres já existiam bem antes do tempo que os portugueses invadiram nossas terras. Ele nasceu índio, moleque das matas, guardião da floresta, a voejar pelos espaços infinitos do mundo Tupi-Guarani. Depois, vieram os brancos, a ocupação, e a memória do ser encantado foi se apagando na medida em que os próprios povos originários foram sendo dizimados.

Quando milhares de negros, caçados na África e trazidos à força como escravos, chegaram no já colonizado Brasil, houve uma redescoberta. Da memória dos índios, os negros escravos recuperaram o moleque libertário, conhecedor dos caminhos, brincalhão e irreverente. Aquele mito originário era como um sopro de alegria na vida sofrida de quem se arrastava com o peso das correntes da escravidão.

Então, o moleque índio ficou preto, perdeu uma perna e ganhou um barrete vermelho, símbolo máximo da liberdade. Ele era tudo o que o escravo queria ser: livre! Desde então, essa figura adorável faz parte do imaginário das gentes nascidas no Brasil.

O Saci-Pererê é a própria rebeldia, a alegria, a liberdade. Com o processo de colonização cultural via Estados Unidos – uma nova escravidão - foi entrando devagar, na vida das crianças brasileiras, um outro mito, alienígena, forasteiro. O mito do Haloween, a hora da bruxa e da abóbora, lanterna de Jack, o homem que fez acordo com o diabo. A história é bonita, mas não é nossa. Tem raízes irlandesas e virou dia de frenéticas compras nos EUA e também no Brasil. Na verdade, a lógica é essa. Ficar cada vez mais escravo do consumo e da cultura alheia. Jeito antigo de colonizar as mentes e dominar. É por isso que a Pobres & Nojentas quer recuperar o Saci, o brasileiro moleque das matas, guardião da liberdade, amante da natureza que hoje está ameaçada de destruição.

Queremos vida digna, um país soberano na política, na economia, na arte e na cultura. Cada região deste Brasil tem seus próprios mitos. Caipora, Boitatá, Curupira, Bruxa, Negrinho do Pastoreio... São os amigos do Saci que estão presentes na atividade do Dia do Saci Pererê, saudando e buscando a liberdade.

Mais informações: Míriam Santini de Abreu - 96207333

SOBRE O LIVRO




Olimpia Gayo visita o diabo é o sexto livro da jornalista Elaine Tavares, que atua no Instituto de Estudos Latino-Americanos/UFSC. O trabalho conta a história da Pastoral da Mulher Marginalizada criada na cidade de Lages pela irmã Olímpia. A teóloga Ivone Gebara é quem apresenta essa preciosa história de uma mulher que nunca se recusou a olhar o diabo de frente. 

"Elaine Tavares tem o dom e a arte de contar histórias de mulheres apaixonadas pela vida. Mulheres que são parte da história oculta da bondade e da beleza e que atuaram intensamente para que esses valores continuassem a se manifestar nas vidas sofridas e silenciadas. "Olímpia Gayo visita o diabo" é mais uma preciosa narrativa que revela o percurso de uma mulher que cresceu vencendo o sofrimento que a vida punha em seu caminho. Desde criança vencia o sofrimento preparando-se e lutando pela dignidade da vida de outras sofredoras e sofredores.

O texto move o coração e convida a abrir os olhos para as vidas ocultas, aparentemente sem valor, para a escória humana que somos e criamos assim como para a salvação e libertação que também podem nascer de nós. Sim, somos salvadoras umas das outras, somos a mão estendida, o abraço apertado, o sentido da solidariedade, a misericórdia vivida. Somos a voz que denúncia, que grita até que os corações de pedra comecem a palpitar de novo e ver e ouvir o mundo ao seu redor.

Conheci Olímpia num encontro de estudos em Julho de 2013 em Lages. Sua congregação religiosa me convidara para uma semana de reflexão sobre espiritualidade ecofeminista. Desde as primeiras palavras que ouvi de Olímpia, a cumplicidade nas ideias, nas visões e, sobretudo, sua forma de "sentir a dor do mundo" ecoaram em mim. Cada uma do nós, de seu jeito, vivia a paixão pela vida manifestada através de muitas formas e expressa através de muitos nomes. Tínhamos muitas coisas em comum. Enfrentamos demônios parecidos, aqueles que atingem os corpos de mulheres e querem silenciar seus gritos de liberdade.

Nas visitas e encontros de Olímpia com os "diabos" da fome, da droga, da prostituição, seu nome, que faz lembrar o Olimpo, moradia dos deuses gregos, espantava os algozes e trazia algo apaziguador, algo ao mesmo tempo celeste e terrestre.  Os diabos fugiam e se descobria sua face oculta, sua beleza, sua momentânea integridade.  No encontro de coração a coração os diabos não ficam. Abrem o espaço para o amor e a justiça. Por isso tantas pessoas marginalizadas encontraram na presença de Olímpia a força para viver, levantar-se e seguir o caminho do resgate da vida.

Ao final da leitura do livro um sentimento de profunda gratidão e beleza tomou conta de mim. Gratidão à Elaine, à querida Olímpia e a tantas pessoas que no anonimato sustentam a vida e anunciam a grandeza do amor, único capaz de curar os corações partidos e renovar a face da terra".

Contato Elaine: 91516066

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Camilo, nunca te vi, sempre te amei!!!


Brasília soterrada no Sahara Brasiliae



Li o novo livro de Raimundo Caruso, Sahara Brasiliae, em pequenas doses. Devagar, como a própria narrativa, que avança e recua por uma cidade fantasma. A história fala da capital brasileira que, um belo dia, amanhece tomada pela areia, num calor escaldante. Nela, apenas alguns personagens vagueiam, ligados, mas sem nunca se encontrar. Tudo é silêncio e solidão. Calor, abafamento, angustia, sensação de abandono e caos. E, como a areia se move com o vento, a cidade vai se mostrando e desaparecendo, ao mesmo tempo, num movimento sem fim e vertiginoso. Os personagens, ficantes no inferno amarelo que se tornou Brasília, vão nos instigando. Uma tradutora, um ciclista, o narrador, o arcebispo, os políticos, um bibliófilo, um blogueiro, um arcebispo. São figuras estranhas e, ao mesmo tempo, tão reais e próximas que, por vezes, quase lhe reconhecemos as feições.

As andanças do narrador pela cidade deserta são descritas em narrativa vigorosa e dura. Hora lenta, ora ligeira. O texto nos envolve como se fora uma profusão de pequenas cenas, reais e visíveis. A gente consegue sentir a areia entrando pelos poros, os cheiros e, por vezes, quase desfalecer com o calor que emana da trama. O trecho em que o caminhante entra em um mercado, no qual as comidas todas estão apodrecendo com o calor sufocante, é de arrepiar. Produtos químicos, transgênicos, conservantes e toda a sorte de porcarias que se adicionam aos alimentos parecem adquirir vida e nos mostram todo o terror que, cotidianamente, essas coisas que comemos contêm, sem que nos demos conta. É talvez o momento mais impactante do livro. Uma podridão que nos arrasta, e que está dentro de nós.

Raimundo escreveu o livro antes das jornadas de luta do mês de junho, mas, a problemática política do país está completamente presente no romance, quase como se fosse um texto premonitório. A Brasilia ocupada pela areia ainda é a nossa confusa e desumana capital, com todas as suas belezas e contradições. O centro de uma política que tem uma opção de classe. E que não é a das gentes comuns.  Por isso, na trama, Caruso acrescenta, em relevo, dois escritores que deixaram sua marca na humanidade: Erasmo de Rotterdam e Thomas More. E, assim, entre a loucura do status quo e a utopia que nos move para a transformação, nós também vamos escalando as montanhas de areia, tentando respirar num ambiente que nos oprime para além do físico.

A narrativa de Raimundo Caruso ainda oferece outros subtextos. É também, por vezes, uma espécie de ode à palavra mesma, essa ferramenta de quem escreve. O autor e o narrador estão sempre a buscar uma, duas, três palavras que se dizem, ao mesmo tempo, sinônimas, reforçando sentidos e se mostrando quase autônomas, como de fato são. Outro subtexto é reverente amor de Caruso pelos livros. Um toque de Maupassant, Whitman, Somerset, Poe, Goethe e tantos outros que revelam  os dias e noites de infinitas leituras. Também não fica de fora a América Latina e as  novidadeiras realidades de lugares como a Bolívia, Venezuela, Equador que desvelam um autor ligado nos transformações do nosso continente.

Sahara Brasiliae é sufocante, estridente, instigante, intimista e revelador. De alguma forma condensa também a trajetória desse escritor que iniciou sua trilha de escriba no romance, passando depois pelo jornalismo. Como Caruso, o homem que caminha pela areia da cidade soterrada não está perdido no caos. Apesar do absurdo da realidade ele se move com confiança, seguro, sabendo onde buscar o que precisa ser visto. E, ainda que nenhum dos personagens se encontre ao longo da trama, o narrador consegue ligar essas vidas de tal forma que ao final a impressão que fica é de que ele encarna cada uma daquelas almas. O autor é a totalização de todos os personagens. Talvez seja por isso que quando a areia da cidade se esvai, tudo o que fica é a perplexidade daquele que, sendo muitos, nada mais tem a fazer do que seguir seu caminho, esgrimindo as palavras e construindo novos mundos. Diante do completamente inesperado, sobe no táxi, e recomeça. 

É como uma metáfora de nós mesmos. Dando combate à solidão, à realidade de um país em escombros, ao nosso próprio medo de estar soterrado e perdido no calor. A última página aparece como um vento fresco e, como o autor, não nos resta outra opção que fazer um sinal ao táxi, e seguir adiante, não sem estar com a alma em ebulição. Mas, ao que parece, esse é o destino da gente. Nunca paralisar diante do absurdo.

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Para encomendar o romance de Raimundo Caruso, faça o pedido pelo correio eletrônico: livro.sahara@gmail.com