terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Governo de Luiz Henrique caça a voz dos praças



Os policiais catarinenses que estavam mobilizados em frente aos quartéis desde o dia 22 de dezembro decidiram em assembléia geral, no final da tarde sábado, levantar acampamento. Com eles, também decidiram as mulheres, que foram as protagonistas deste momento importante na luta dos praças. Diante da situação de insegurança que já se instalava em algumas cidades e, principalmente por conta do senso de responsabilidade com a coisa pública, os praças entenderam que era preciso suspender as ocupações dos quartéis e fortalecer o movimento no interior.

Aliado a isso, o governo do estado de Santa Catarina decidiu endurecer e conseguiu garantir na justiça cinco liminares que golpearam de forma violenta a luta que estava em andamento pelo cumprimento da lei 245, que torna proporcional os salários e incorpora algumas gratificações. Uma delas foi a que impedia a participação das crianças no movimento. Como o comando das ocupações era das mulheres, que vestiram os quartéis de lilás, os filhos acabaram sendo companhias cotidianas. Mulheres vindas de todo o estado, traziam as crianças por não ter onde deixá-las. Como a organização dos atos foi sempre impecável, todas elas eram cuidadas, permitindo que as mães fizessem o que tinham de fazer. Mas, ainda assim, o governo apelou para o conselho tutelar, alegando que as crianças estavam sob risco. Foi um golpe de mestre atacar esse flanco.

A justiça de Santa Catarina também determinou que os manifestantes desocupassem os quartéis sob pena de multa diária, para a Associação dos Praças, de 90 mil reais, outro golpe duro. E, ainda não contente em desarticular o movimento por dentro, o governador do estado, Luiz Henrique da Silveira, chamado pelos praças de Luiz XV, jogou a carta mais vil. Pediu na justiça a dissolução da associação, indo contra a própria Constituição que garante a qualquer pessoa o direito de se associar. “O mais triste foi ver o advogado Sadi Lima, na condição de procurador do estado, que no passado foi quem defendeu os presos da novembrada, fazer este deprimente papel de encaminhar o pedido”, lembrou Amauri Soares, deputado e presidente da Aprasc. A medida foi considerada tão forte que o juiz que julgou a liminar não teve coragem de aceitar. Mas, por outro lado, tirou do ar a página da internet da associação sob a alegação de que ela estava incitando ao “motim”. Liberdade de expressão é coisa punida por aqui por estes lados do sul.

Mas, segundo a direção do movimento, o que pesou mais na decisão da trégua foi o acirramento dos ânimos entre os praças. Ao saberem que o comando do BOPE (Batalhão de Operações Especiais) havia armado os policias com munição química e balas de verdade, a coisa esquentou. “Tinha gente ali que estava a fim de morrer pela sua dignidade. Já nem queriam mais saber da lei 245, era a honra que já estava em questão. A possibilidade de um confronto entre colegas ficou por um fio”, diz Jota Costa, também da diretoria da Aprasc.

Segundo Amauri, durante os seis dias que durou a ocupação dos quartéis, o movimento precisou de muita cabeça fria para segurar os mais exaltados. “Fomos nós que seguramos o pessoal da penitenciária, porque a turma queria sair. Este governo não tem a menor responsabilidade com a segurança neste estado. Prefere armar todo esse o banzé a sentar e negociar uma coisa que é nosso direito”, diz Amauri. Entre os praças, o que não conseguem entender é como a justiça consegue ser rápida para puni-los e não se manifesta sobre o cumprimento da lei 245. “O governo não cumpre a lei e fica por isso mesmo. A gente luta e é punido. Até tiram a nossa voz. Isso não é democracia, é ditadura”.

A luta por melhores condições de trabalho continua

Agora, os praças decidiram dar uma trégua. Vão esfriar a cabeça, mas não o movimento. As reuniões no interior já começaram, a mobilização segue firme. Também as mulheres já estão armando suas estratégias. Querem ver o governo cumprindo a lei a todo custo. E fazem um alerta: a população precisa saber o que acontece dentro dos quartéis. Os trabalhadores querem seus direitos garantidos, mas querem também condições de trabalho. Eles contam que se fosse feita uma blitz nos carros da polícia iriam encontrar as mais absurdas irregularidades, desde a falta de extintor até pneus carecas. O trabalho que fazem para garantir a segurança das pessoas neste estado é muito feito no osso do peito. “Se a gente fosse seguir a regra, muitas viaturas nem poderiam rodar, mas quem é que sabe disso? Nós corremos risco e a população também”.

No popular 190, que tanto o governo se indignou por estar parado, a situação não é muito diferente. “O equipamento de registro de ocorrência que leva o sugestivo nome de `trank` é exatamente isso: uma tranqueira. O sistema vive travando e atrapalha demais o serviço. Nós já pedimos a modernização do programa, mas a resposta é sempre a mesma, não há dinheiro”, denunciam. Segundo os praças, um atendente de 190, trabalhando durante seis horas, atende até 150 ligações, e com um sistema tão ultrapassado o que resta ao trabalhador é o estresse e a doença. “A gente fica nervoso demais, a coisa é lenta, e a população é quem perde com isso”.

Pois em todas as discussões sobre o movimento dos praças muito pouco se falou das condições de trabalho. O governo fez a sua demagogia em cima das vítimas da enchente, que devem ser prioridade, e também sobre a população que, segundo ele, estava “desprotegida”. Pois os praças provam que muito da segurança que a população desfruta só acontece pelo heróico trabalho que fazem, sem ter as mínimas condições. “É hora de o povo saber como funciona a polícia, quais as condições de trabalho e qual a verdadeira proteção que recebe. O governador que fale a verdade.”

Os movimentos sociais

Enquanto os praças se reorganizam e reagrupam as fileiras para novos passos na luta, inclusive o de recuperar o direito de se expressar através da rede mundial de computadores, várias entidades do movimento popular, estudantes e sindicatos estão também reunidos para apoiar a luta dos policiais de Santa Catarina. É um momento interessante de se acompanhar porque muitos dos militantes que cerram fileira no apoio aos policias são os que historicamente têm feito as lutas na cidade, frequentemente enfrentando a truculência da polícia. “Acaba sendo pedagógico para nós estes momento de união na luta, porque os policias são fruto de quase 200 anos de um tipo de formação militar, na qual passam por uma espécie de lavagem cerebral. Por isso, é bom esse contato com os lutadores da cidade na hora da nossa luta. Os companheiros percebem que são trabalhadores como eles, e também, como eles, têm o direito de lutar. É um trabalho lento, mas vamos conseguindo despertar consciências”, diz Jota Costa, da Aprasc. O soldado Benin confirma: o trabalho que vem sendo feito pela Aprasc ajuda, e muito, na compreensão das lutas dos trabalhadores. “Nós somos todos iguais”.

Os praças deram um tempo até o dia sete de janeiro para que o governo apresente um cronograma de pagamento dos direitos a que fazem jus. O governo diz que não vai negociar e aplicou um duro golpe ao tirar do ar a página da Aprasc. A arena de batalha ainda ferve. Novos passos estão sendo dados. O início do ano de 2009 não vai ser calmo pelas terras catarinas.

domingo, 28 de dezembro de 2008

O quartel se fez lilás


Quem guarda a entrada do quartel que abriga o comando da Polícia Militar em Santa Catarina é uma mulher. Seu nome é Lucita e ela é esposa de um praça. Decidida a mudar o rumo de sua vida, ela deixou para trás a casa, o filho, as obrigações de mulher do lar e veio lutar junto com mais outras centenas de mulheres de militares pelo cumprimento de uma lei aprovada em 2003 e que até agora não foi cumprida na íntegra. A mulher de 42 anos é quem decide sobre quem entra e quem sai do lugar, porque neste movimento, deflagrado em 22 de dezembro, a três dias do natal, quem manda são as mulheres, colocando por terra todo o machismo típico do mundo militar.

Na capital, por todo o quarteirão que abriga a corporação há barracas armadas nas portas centrais. Nelas, as mulheres dos praças estabelecem a ordem do dia e é delas que sai a voz de comando, a organização é militar. Afinal, foram elas que, decididas a tornarem-se sujeitos da história, venceram os maridos na proposta de ocupar os quartéis. Como argumento traziam o dia-a-dia que é administrado por elas. “Nossos maridos chegam estressados, não têm as condições de trabalho e muito menos um salário digno. Enquanto isso, os oficiais já tiveram seus ganhos. Porque não os praças? Nós também queremos viver dignamente.”

Acampados nas entradas dos quartéis, os militares, as esposas e filhos esperam sensibilidade por parte do governador, até porque esta decisão extrema não surgiu do nada. Ela é fruto de meses e meses de frustradas negociações com um governo que se nega a ouvir a dor das famílias. “A prioridade agora é com os atingidos pelas enchentes”, teria dito o secretário de Segurança na última reunião que acabou em nada. As mulheres sabem disso, mas entendem que tão trágico quando perder uma casa é perder a vida em serviço e sequer ser amparado pelo estado, como aconteceu com a mulher de um soldado morto em Antônio Carlos há pouco mais de um mês.

A promessa de 2003

A Lei 254 é uma antiga reivindicação dos militares catarinenses. Ela reorganiza a estrutura administrativa e a remuneração dos profissionais do Sistema de Segurança Pública da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Na prática inicia uma espécie de plano de carreira uma vez que estabelece a proporcionalidade remuneratória. Com ela, um coronel não pode ganhar mais do que quatro vezes o que ganha um soldado, o que eliminaria graves distorções que havia nos salários. A lei ainda elimina certos abonos e gratificações, incorporando-os ao salário e cria adicionais de atividade que deveriam ser pagos de forma parcelada. Os dirigentes da Aprasc, Associação dos Praças de Santa Catarina, admitem que parte da lei já foi cumprida e que eles já tiveram ganhos, mas isso ficou pela metade. No caso dos oficiais, as vantagens que eles tinham – um abono de dois soldos e meio – já foram incorporadas aos salários, mas os praças ainda não garantiram essa parte do acordo. Isso significa que tudo segue como antes.

Quando em 2004 o cronograma de pagamento começou a não se cumprir, os praças iniciaram uma movimentação reivindicando o seguimento do que estava estabelecido na lei. Naqueles dias, eles ouviram os argumentos do governo e acreditaram na boa vontade do governador Luis Henrique. Saíram com um abono de 250 reais e 20% de reajuste parcelado. Mas não era o ideal. Em casa, as mulheres começaram a perceber que a lei só sairia do papel se houvesse uma luta mais acirrada. Mas, ainda assim, aceitaram o abono e seguiram com suas vidas, confiando que quando se faz uma lei ela deve ser cumprida. Mas não foi assim.

Novas movimentações nos quartéis

Quando o ano de 2005 chegou a Associação dos Praças voltou à carga pedindo o cumprimento da lei, mas a desculpa do governo era a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não havia dinheiro para gastar com pessoal. “Por outro lado, havia dinheiro para o Funsocial que nada mais é do que um recurso que vai para os amigos do rei”, insistem os praças. Segundo eles, aos empresários nunca foi negado dinheiro, mas aos trabalhadores sim. Foi por conta desta choradeira de que não havia dinheiro para dar seguimento ao cronograma da lei que a Aprasc decidiu encomendar um estudo ao DIEESE para saber exatamente quanto o estado tinha de receita. Os dados foram surpreendentes. No ano da assinatura da lei, quando parte do dinheiro foi pago, a receita era de 300 milhões, e em 2008, com todos os argumentos de falta de verba, a receita estava em um bilhão e 100 milhões. Como é possível não ter dinheiro para aqueles que cuidam da segurança do estado? Esta era a pergunta que não calava.

No mês de maio de 2007, cansados de anos de mesas intermináveis de negociação, a Aprasc decidiu que estava mais do que na hora de dar um basta na confiança que os soldados, cabos, sargentos e subtenentes depositavam no governador. Depois de semanas de mobilização, mais de três mil praças vieram para a capital em uma grande manifestação em frente ao Centro Administrativo. Naqueles dias, o governo já havia até concedido novos benefícios aos oficiais e os ânimos estavam acirrados demais. E, de novo, o governador pediu confiança, encaminhando as negociações para o Conselho Gestor que envolve a Fazenda, a Administração e a Receita. Mas, ali, nada aconteceu e os praças voltaram para suas cidades de mãos abanando. Eles nem sabiam, mas as mulheres que os recebiam em casa, desolados, principiaram a se rebelar. “Só a gente sabe o que passa em casa, com o marido desesperado, cansado, se sentindo impotente diante de tudo isso, sem ter como botar comida na mesa e ainda correndo risco nas ruas. Foi aí que começamos a nos comunicar”, diz Denise Laurentino.

E as mulheres dominarão a terra

Por conta das atividades da associação muitas mulheres dos praças se conhecem. E deste conhecer social começou a surgir uma certa cumplicidade, afinal, só quem é mulher de policial sabe o que é viver a tortura de esperar a porta se abrir e o marido chegar, inteiro, vivo. Quando a lei 254 saiu em 2003 elas acreditaram que as coisas ficariam melhores, confiaram. Mas, com o passar do tempo, acompanhando a angústia e as lutas dos praças, perceberam que seria necessário colocar ali a colher. E não só a colher, mas o coração, a vida.

Por isso, quando a última rodada de negociação, em maio deste ano, acabou em nada, elas começaram a criar uma rede de comunicação em todo o interior. Então, enquanto os maridos estavam no trabalho, elas se penduravam no telefone para mobilizar. “Chamamos uma reunião na Aprasc e decidimos fazer um recorrido pelo estado todo. Fomos em 20 municípios, reunindo, conversando, chamando pra luta. Considerando que vinham mulheres de outros lugares chegamos a atingir até 100 municípios. Foi quando veio a chuva e a tragédia na região do Vale. Fizemos um levantamento e apuramos que havia 227 famílias de praças desabrigadas. Mobilizamos no atendimento destas famílias e isso ajudou ainda mais a nos aproximarmos umas das outras”, conta Edileuza.

Agora, quando dezembro chegou, elas decidiram botar o bloco na rua. Assim, no dia 11, realizaram uma Assembléia Geral das esposas que deliberou por uma ida à casa do governador, na Agronômica. A idéia era falar com a primeira-dama e pedir o seu apoio, como mulher e mãe. Mas, naquela tarde de sol, elas saíram mais do que queimadas. A primeira dama não as recebeu. Havia chegado de uma viagem ao Marrocos e estava muito cansada. Além disso, avisara pelo porteiro, questões políticas não eram com ela. As mulheres contam esse episódio com lágrimas nos olhos, lembrando a profunda decepção. “Viemos em caminhada pela Beira Mar, cantando: o povo unido é um povo forte... Foi um momento de muita emoção. Havia gente do interior e as mulheres queriam fazer a diferença. Aquela negativa da primeira dama não foi suficiente para nos derrotar. Enfrentaríamos o que fosse para fazer valer a lei”.

Ocupações dos quartéis

A caminhada das mulheres terminou numa nova assembléia, desta vez com a presença dos praças. Havia mais de 300 e a proposta era ocupar o Comando Geral. Os policiais argumentavam contra e eram vaiados, ninguém as iria parar. “Decidimos que não íamos esperar pela direção da Aprasc, nós seríamos sujeitos desta história. Fomos para a Assembléia Legislativa e depois para o Comando Geral. Fechamos todas as saídas. Até o comandante ficou preso”, lembra Edileuza.

Naquele dia também o coronel Eliésio decidiu apelar para as vítimas da enchente, pedindo calma e compreensão às mulheres. Foi quando uma delas o surpreendeu: “Eu fui uma das que perdeu a casa na enchente e estou aqui. Preocupe-se comigo então!” Com lágrimas nos olhos ele decidiu abrir negociação e marcou reunião com o Secretário de Segurança. Confiantes, as mulheres suspenderam a mobilização e voltaram à mesa. Mas, tanto as lágrimas do comandante quanto a conversa com o secretário foram vãs. “Ele veio com a mesma conversa de que não tinha dinheiro, que estava ofendido com o Amauri (deputado Amauri Soares, que é dirigente da Aprasc), enfim, ficou na enrolação. Saímos dali e fomos mobilizar. Entendemos que só a luta faz a lei”. Na volta para casa, cabisbaixas, as mulheres de Chapecó tiveram uma surpresa que levantou a moral. Ao descer do ônibus, os maridos as esperavam com rosas nas mãos. Naquele dia elas souberam que haviam iniciado um novo tempo em suas vidas.

No dia 12 de dezembro outras delas estavam em Laguna e depois de uma reunião que mobilizou mais de 150 mulheres decidiram ocupar o quartel de Criciúma. Elas entraram e esvaziaram todos os pneus dos carros. Na seqüência, outras 300 mulheres fecharam o quartel de Chapecó e o de Lages. Havia um rastro de pólvora lilás percorrendo o estado. Elas estavam de malas prontas para embarcar na viagem da defesa dos direitos. Nunca mais seriam as mesmas. Muitas nunca sequer levantaram a voz para o marido, agora estavam ali, donas de seus destinos, ocupando quartéis e decidindo as estratégias de luta. “A gente se rebelou, alguns maridos nem nos reconhecem mais”, diz Lucita.

O dia de Florianópolis

Na seqüência das ocupações, que de fato duravam só um dia, elas decidiram rumar para a capital. Chamaram uma grande reunião para o 22 de dezembro. Ninguém se importou com árvore, presentes, natal. Ou seria um natal digno ou não seria. “O secretário humilhou as mulheres, muitas vieram porque acreditavam numa negociação, acreditavam neste governo, elas ficaram tristes, mas decididas para vôos mais altos”. Assim, quando o dia 22 amanheceu, estavam de novo no quartel e são elas as que organizam tudo. “Temos um comando e tudo é feito com disciplina militar. Nós conhecemos isso. Também estamos no comando geral do movimento, junto com os dirigentes da Aprasc. Nós somos um movimento autônomo”, diz Edileuza.

O que era para ser só um dia se estendeu porque o governo decidiu endurecer. As mulheres têm claro de que não dá mais para confiar em promessas. Ou o governo apresenta um cronograma para o pagamento do que diz a lei, ou elas não saem dali. A noite de natal foi a prova viva de que nada esmorece essa luta. Algumas estão longe de casa a dias, longe dos filhos pequenos. Tal como Lucimar Lindmar, que veio da cidade Maravilha. Ela falou com os filhos pelo telefone e não agüentou a emoção. Entre lágrimas explicou que estava ali para ajudar a luta do pai e que se estava longe da família de sangue, estava com a família militar, que é importante também. “Hoje eu sei que sozinho a gente não faz a diferença, mas, juntos, lutando pelos nossos direitos, a gente consegue”.

A política do medo

O governo do estado não apenas faz ouvidos moucos como também uma guerra psicológica. Todas as noites correm os boatos de que o pessoal do BOPE (espécie de tropa de elite) vai aparecer e levar todo mundo. “Eles ligam dizendo que a tropa está em formação, que virão com os cavalos, os cães. Usam estas táticas para amedrontar, afinal, grande parte das mulheres que ali estão nunca fizeram movimento” conta Edileuza. Mas, o medo ainda não venceu ninguém. Nem mesmo a ameaça de usar o Conselho Tutelar para tirar as crianças das mães que estão acampadas ou a notícia da chegada da Força Nacional de Segurança. “Em todas as nossas manifestações nós fizemos a Ciranda, que é um jeito de cuidar das nossas crianças. Sempre tem alguém tomando conta enquanto as demais estão no combate. É muito bonito ver as esposas que não foram criadas para a política fazendo esse movimento. A gente se tornou útil e ninguém vai tirar isso de nós. A gente era um botão e desabrochou”, diz Lucita.

A decisão do governo de trazer a Força Nacional só deu mais respaldo ao movimento porque mostra que o governo tem sim dinheiro para resolver a questão. Os trabalhadores do estado só querem o que é seu direito e os guardas da Força Nacional vão levar 130 reais por dia cada um. Como é que para eles tem dinheiro? Por que o governo não resolve a questão estabelecendo um cronograma de pagamento? Por que insistir em chamar de motim um movimento que só quer o cumprimento da lei? Estes são questionamentos que ficam pulando por entre as tendas armadas nas entradas dos quartéis.

As perspectivas

Entre as mulheres, dê o que der esta manifestação que iniciou no dia 22, há o consenso de que ela já foi vitoriosa. Mostrou a capacidade de organização, a força, a coragem de todas elas. E mais, decidiram que vão criar uma Associação das Esposas dos Praças, para tornar ainda mais forte a mobilização. “Hoje é a lei 254, mas ainda há muita coisa para conquistar. Nossos maridos trabalham sem condições, estão expostos a riscos, nós vamos continuar lutando. Esse movimento revelou que muitas de nós estávamos adormecidas. Mas nós despertamos.” Elas também estão dispostas a passar a virada do ano em frente aos quartéis, acampadas, batalhando pelo cumprimento da lei. Só uma coisa pode tirá-las da luta agora: um cronograma de pagamento daquilo que é direito.

Quem as vê, vestidas de lilás, com a camiseta que grita em maiúscula: “Mulheres na Luta”, a dar ordens, organizar guarda, comandar a tropa, não têm dúvida de que o que não lhes falta é coragem para enfrentar o que vier. Mas, apesar do aço do qual estão revestidas, elas também sabem se enternecer, como Edileuza a lembrar da caminhada sob o sol, com as mulheres cantando canções de luta. Ela pára, embarga a voz e deixa que escorram duas grossas lágrimas. Chora de alegria, de orgulho, de amor. E assim, no dia quente de verão, essas mulheres loucas vão se fortalecendo, seja com a chegada de novos companheiros da região oeste, seja no abraço apertado de uma criança. Ao lado delas estão os maridos (nem à frente, nem atrás), submetidos às suas ordens. Mulheres-comandantes, insurgentes e rebeldes, no caminho do ainda-não. Enquanto isso, lá no palácio os governantes tramam contra os trabalhadores. História antiga, história velha, mas sempre com a possibilidade do imponderável. Como as mulheres dizem: “se a gente está junto a gente pode vencer”. Quem duvida?
(a greve acabou no sábado mas a luta continua)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Pegue seu bus cheio e ganhe um bônus de recheio!

"dentro do bus , meu sonho me dá luz"

Por Thiago “Plaz” Mendes


O Estado é como um péssimo* motorista de ônibus. Ele vai pegando os passageiros sem nunca ter a idéia de olhar para trás e saber se ainda há lugares disponíveis para assento. Com isso nem chega perto de um motorista de van que, ao menos, pelas regras sociais sabe quando não existem mais vagas e, feliz por ter enchido seu carro, retira as placas chamativas e segue o mais rápido possível seu caminho e dos usuários.

Pior do que isso, pois aquele mau caráter parece nem ao menos sentir o menor repúdio quando seu veículo não possui espaços nem para aqueles em pé. Porque a cada ponto, ele pára com sua boca faminta esperando novos corpos. E apenas quando o ar parece ser fruto raro é que o povo reclama em demasia.Assim, ele se dá conta dos transtornos e, mesmo contrariado, fecha suas portas.

Pois afirmo a vós que o Estado, do mesmo jeito, nitidamente nem liga para o bem estar do povo e, repito, apenas quando o povo grita, esperneia e reclama, ele, mesmo contrariado lhe dá ouvidos.

* Péssimo motorista: Embora esse exemplo possa parecer forçado e tendencioso para o transporte alternativo, aqui retiro alguns equívocos.

Primeiro: Realmente para uma analogia, o motorista parece ter sido crucificado, afirmo aqui que é raro encontrar um motorista do exemplo acima, apenas é claro que raro seja seu adjetivo unido ao transporte público.
Segundo:Para completar a analogia poderíamos dizer que o estado, governo ou qualquer autoridade segue bem o papel dela proposto. Pois se acaso o transporte alternativo é ilegal, e se os poucos motoristas pareçam loucos, o Estado parece muito bem vivo reduzindo o pouco ar, tragando nosso mínimo salário. Tudo em nome do lucro.
Terceiro: No texto, a palavra, Estado, é apenas um símbolo conotativo para indicar opressão, por isso fica aqui meu presente a todos os leitores, completem e reescrevam-no usando a palavra mais apropriada para sua vida. Pode deixar que não faltarão boas escolhas.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O natal do meu deusinho!


No meio da chuva, olhando os escombros, eu o vi. Chorava. Não tinha a leveza do menino do Pessoa. Estava triste. Seu olhar palestino, feito amêndoa doce, fitava um ponto fixo. Apertava os dentes e socava uma mão na outra, numa raiva digna, tal qual a dos zapatistas. Vestia um calção roto e um tênis rasgado, estava sem camisa. O peitinho arfava no ritmo do coração descompassado.

Eu cheguei de manso, como ele sempre chega aos meus natais. Geralmente sou eu quem precisa dele. Mas, naquele dia, era ele quem suplicava um afago. Estava ali, frágil como cabe a um deus minúsculo, tal qual ele é. Não falei nada. Sabia que ele estava naqueles dias em que as palavras sobram. Olhava os estragos dos homens e pensava, “como podem não compreender? Por que não entendem a mensagem?”

Veio da região do Vale do Itajaí e se aboletou na minha casa. Está lá, na parte de cima, andando em círculos, como um leão enjaulado. “Não quero festa de aniversário”, disse. “Tenho raiva das multinacionais, do papai Noel”, resmungou, emburrado. É por causa destas armadilhas do capital, de consumo, lucro, de busca pelo supérfluo que os homens vão destruindo a vida aqui na terra. “Quero ficar quieto”, insistiu.

Já preparei tudo. Lá em casa não haverá peru, nem champanhe, nem bolo, nem música alta. Ficaremos no alpendre, olhando a lua, se não chover, sentindo a chuva, se ela vier. Eu deitarei na rede e ele sobre meu peito. Ficaremos ali, contando estrelas e vaga-lumes, sem falar. Ele dormirá e eu o levarei para dentro. Depois de tantos anos buscando seu colo, eu o confortarei. Será um silencioso natal. Um silente dia de aniversário.

Mas, no dia seguinte, continuaremos, meu frágil deusinho e eu, carabina de sonhos em punho, atirando, lutando, remando contra o vento, na direção do grande meio-dia!

" [...] e aqueles que foram vistos dançando, foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." Nietzsche

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Des-conhecendo



Ontem encontrei uma mulher que jamais vira. Não sei se por conta destas correrias da vida, quando a gente não pára mais para olhar. Então, na tarde de sol quente, naquela hora morta em que parece que o mundo inteiro dorme, ela veio, mansinho. Seu rosto, estranho, em princípio me assustou. Depois, fui absorvendo cada detalhe. A cara, vincada de pequenas rugas não tinha ansiedade. Era como se cada um daqueles riscos fosse uma dessas cicatrizes que gostamos de lembrar, por uma traquinagem de infância ou por conta de evocar boas memórias.

A mulher que me olhava, serena, já não tinha mais pressa, mas seguia encarando o mundo com olhos de fogo. Os braços estavam flácidos, as pernas já não tinham a firmeza de antes, mas os pés continuavam a seguir na mesma velha direção traçada anos-luz antes. Os olhos míopes não viam distâncias, mas não precisava, contou. As realidades que sonhara ainda não tinham se feito fatos, e ela continuava abrindo caminhos. A amargura da juventude tinha se dissipado e toda aquela tristeza que acumulara por esperanças mal havidas se esvaíra por entre os anos. A mulher estava mais madura.

Não era bonita, não tinha glamour, subsumia entre as gentes. Pessoa comum, ínfima, vazia de segredos. Ainda assim me tomava a atenção. Alguma coisa no jeito de rir, de manear a cabeça, de apertar os olhos, era quase familiar. O cabelo, comprido e mal cuidado, branqueava, mas ela não se importava. Bom demais se sentir madurar, como fruta, sem cair do pé. “É hora da doçura”.

Na modorra da tarde, ali estávamos, ela e eu, frente-a-frente. “Já não há medo de findar”, disse, espreguiçando, lânguida como gata. “Nenhuma conta a prestar, só o viver, lento, devagar”. Corpo gasto, coração fraco, cabeça cheia de vontades. Ânima! Espírito livre, navio sem âncora. Ah, deliciosa sensação de não ser premente. “Somos nada” – disse –“o sonho de uma vaca”. E gargalhou, fáunica!

Eu fui embora, mas ela ficou no espelho...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

“Antes eco-chato que eco-burro”


“Tudo o que acontece à Terra – acontece aos filhos da Terra. O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente um fio dela. O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo”.
Chefe Seatlle

Por todo o estado o clima é de desolação. No vale do Itajaí as famílias contabilizam mortos e estragos. Nunca se viu tanta destruição. Mas, ao contrário do que a televisão tem dito, toda a tragédia não se deve exclusivamente às chuvas que caíram muito mais do que o normal nesta época do ano. Há que buscar as causas humanas, as omissões e ações indevidas. Nos espaços do saber as vozes se levantam indignadas: tudo isso já havia sido anunciado no início da década de 80, quando Blumenau ficou sob as águas. Muitos estudos foram feitos, precauções forma anunciadas e nada se cumpriu. Além disso, a destruição sistemática da floresta amazônica acaba tendo implicações viscerais com o que aconteceu em Santa Catarina e o que ainda pode ocorrer em outros lugares do país.

Segundo estudos divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, a floresta que toma conta do norte do Brasil é a responsável pela precipitação de chuvas no país e em toda América Latina, assim, o que acontece com ela afeta a todos, indiscriminadamente. Por isso é que os gritos de movimentos ambientalistas contra a destruição - que segue a passos largos via madeireiros, plantadores de soja, criadores de gado, etc... - não devem ser considerados como “histerias” de eco-chatos. As chuvas em Santa Catarina e a seca no Rio Grande e Argentina são exemplos do que a devastação da floresta pode causar. Documento divulgado por professores de várias universidades do Estado de Santa Catarina alerta para esta questão e insiste: não foi apenas o fenômeno atmosférico de precipitações que acontece nos meses do final do ano. É certo que este foi atípico. Em todo o mês de novembro caiu 1.001,7 milímetros, o equivalente a seis meses de precipitação e no final de semana fatídico teve-se a metade disso. Mas há mais coisas a se dizer.

Uma fala de Blumenau

Passado o pior momento, começam agora as tentativas de explicação. Em Blumenau, entre os estudiosos do meio ambiente, ferve uma grande indignação. É que já se fala na contratação de técnicos de São Paulo e até da Alemanha para realizar levantamentos sobre as áreas atingidas. É como isso já não existisse há 30 anos e como se ali, na boa e velha FURB, não houvesse gente capacitada para dar respostas. Tanto tem que os professores ligados ao Centro de Operações do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí Açu, o CEOPS, já haviam alertado as autoridades sobre a enchente. “Receberam como resposta que não estava chovendo em Rio do Sul, daí não haver perigo. Talvez porque ninguém esperasse que fosse chover tanto”, diz Rudi Ricardo Laps, professor da FURB na área da ecologia e também integrante da Acaprena – Associação Catarinense de Preservação da Natureza, uma das mais antigas do país.

É Rudi quem lembra o trabalho realizado por um professor da FURB e outro do Paraná há 30 anos, bem antes da última grande enchente. No levantamento feito estão muito bem demarcadas as áreas que deviam ser reservadas para a preservação e que jamais poderiam ser parceladas. Dentre estas áreas, muitas são as que ficaram sob as águas e tiveram deslizamentos, como a rua José Reuter, por exemplo, na qual morreram sete pessoas. O trabalho também mapeia o sul da cidade como uma região de córregos, importante manancial de água, que deveria ter sido protegido. Também orienta a prefeitura sobre a instabilidade geológica da região, apontando como inadequado o crescimento da cidade para aquela direção. O estudo feito acabou gerando um decreto municipal, o 1567, de 05 de julho de 1980, que normatizava a ocupação.

Mas, apesar de ser lei, este decreto acabou sendo reiteradas vezes maculado. Rudi conta de um loteamento feito numa região de morro, com declividade acima de 30 graus, portanto fora das normas de segurança, de propriedade de Adelino Batista. Na época, a Acaprena se manifestou contra o parcelamento da terra, entrou com ação, mas não conseguiu vencer. Adelino vendeu o morro a um vereador da cidade, Arlindo de Franceschi (PSDB) e ele deu seguimento ao loteamento. “Essa região foi agora devastada, assim como também o jardim Marabá, que igualmente deveria continuar sendo uma Área de Preservação Permanente. Na época todos foram coniventes, juízes, vereadores, autoridades e todos tinham ciência de que a região sul tinha que ter sido preservada. E não se trata de só salvar os bichos e plantas, como dizem os que nos criticam, mas de salvar as pessoas, como ficou provado agora.”

Os ricos subiram o morro

Outro problema candente no espaço de Blumenau foi a ocupação desenfreada dos morros pela classe média. Ocorre que a enchente de 1983 deixou uma marca profunda nos moradores do centro da cidade. Naqueles dias a água subiu 16 metros e a cidade ficou praticamente submersa. O medo de que isso fosse se repetir levou as pessoas que tinham condição a comprar terra nos morros. A lógica era simples. Se a água tinha invadido a baixada, nos morros não subiria. Então, esta região da cidade passou a ser ocupada. O solo que já era geologicamente frágil ficou mexido e não resistiu às condições anômalas de chuva do mês de novembro e do fatídico fim de semana de 8/9. “Foi incrível, mas a gente podia ver as piscinas caindo dos morros junto com as casas. Uma cena terrível”, diz Rudi.

O morro do Baú, tremendamente atingido pelos deslizamentos também é um exemplo concreto do que pode fazer uma ação anti-preservacionista. Apesar de ser uma Área de Preservação Permanente, o morro do Baú foi, nos últimos anos, seguidamente violentado sem que nada fosse feito para impedir. Durante esse processo de invasão, de retirada ilegal de madeira, de surrupio do palmito (importante cobertura natural da região), as entidades de luta ambiental fizeram denúncias, gritaram, espernearam. Mas, eram ridicularizados como os “eco-chatos”, os que queriam travar o progresso. Não foram ouvidos. Agora, os mesmos políticos que fizeram vistas grossas a estas denúncias aparecem como “os comovidos”, oferecendo cestas básicas aos desabrigados. No mínimo, fariseus.

O código

Não bastasse todo o descaso com os estudos e denúncias feitas por ambientalistas e pesquisadores agora o governo de Luis Henrique da Silveira pretende aprovar, em caráter emergencial, um novo Código Ambiental, que foi totalmente alterado sem levar em conta as sugestões dadas pelas entidades durante o processo participativo de construção do documento. “Não é à toa que Luis Henrique recebeu o Prêmio Porco da Federação das Entidades Ambientalistas Catarinenses e é chamado de o exterminador do futuro, porque ele está destruindo a educação, a cultura e o ambiente”, dispara Rudi Laps. Segundo ele, o documento que tramita na Assembléia tem problemas seríssimos como a diminuição das Áreas de Preservação Permanentes nas margens de rios e nos topos dos morros. “Existe uma lei federal que estabelece os 30 graus de declive, a metragem das margens dos rios que não podem ser tocadas. O Itajaí Açu, por exemplo, teria que ter intocados até 100 metros das margens. Mas quem fiscaliza? Quem aceita isso? Só que esta é uma lei federal e o Código em debate pretende burlar essa lei”.

Outro problema apontado no código é o fato de ele condicionar a implementação de novas unidades de conservação estaduais à Assembléia Legislativa. Conforme Rudi, sendo assim, novas áreas não deverão criadas, pois todos sabem muito bem os interesses que são defendidos pelos deputados e como tudo isso pode virar uma batalha de barganhas e corrupção. “Eles também poderão revisar a lei de proteção à Serra do Tabuleiro o que pode trazer a tragédia para Florianópolis. Afinal, se aquela área for degradas, a capital pode ficar sem água”.

O professor da FURB conta que um dia antes da chuva torrencial que detonou a tragédia ele estava na estrada em uma viagem de estudos com os alunos e puderam notar, no caminho entre a cidade de Torres e Blumenau qual era a situação dos rios diante da chuva que caia. “Nós fomos observando os rios e todos eles estavam açoriados, lodosos, barrentos. Já o rio Massiambu, que descia do alto da Serra do Tabuleiro estava limpo. Foi impressionante porque a aula prática acabou perfeita. Os alunos puderam ver o que pode significar um lugar preservado”. A mesma relação Rudi faz com o Parque Nacional da Serra do Itajaí, outro espaço de preservação que, diante de toda a tragédia que se abateu sobre a região, permaneceu intacto. A lição está aí, estourando na cara. Só não vê quem não quer ou é mal intencionado.

O futuro
Para os ambientalistas e pesquisadores de Blumenau o amanhã segue sendo muito conhecido. Não há necessidade de o prefeito trazer gente de fora da cidade para fazer estudos. O poder público sabe muito bem quais são as áreas de solo instável e, conforme o professor, nenhum solo instável torna-se estável em 30 anos. Aqueles espaços onde aconteceram os deslizamentos seguem sendo de risco. “O que se pode fazer é, isto sim, um estudo para ver se surgiram novas áreas de instabilidade geológica”.

O fato é que ninguém pode dizer que não foi avisado da tragédia. Na semana anterior às grandes chuvas, o conhecido ambientalista blumenauense Lauro Eduardo Bacca, um dos fundadores da Acaprena, escreveu um artigo no jornal comentando o primeiro deslizamento de terra que havia ocorrido no morro Coripós. “A desgraça está anunciada”, disse ele, profético. E foi o que aconteceu. Na semana seguinte, as regiões já apontadas no plano diretor da cidade como não parceláveis, vieram abaixo. Portanto, avisos não faltaram.

Mas, o fato é que toda esta discussão acaba não chegando ao povo, às gentes simples que compram terras em loteamentos ilegais ou em espaços degradados, passíveis da desgraça. Até porque a mídia, cortesão do poder, raramente dá espaço para as denúncias dos ambientalistas. E, as pessoas, na verdade, não têm muita escolha. Diante da transformação da terra em mercadoria, só podem fincar suas casas onde o bolso alcança. Então, tampouco se pode reputar a culpa aos pobres que se metem em lugares de risco. Para eles não há alternativas. Os que devem ser cobrados e punidos são os que se apropriam das terras e as loteiam, sabendo de todos os riscos. No geral, estes, não são pobres. São os mesmos especuladores de sempre, basta seguir o rastro nos cartórios da cidade. Muitos deles têm sobrenomes chiques, são políticos, autoridades, enfim...

Agora, as cidades iniciam seu processo de reconstrução. Doações chegam de todos os lugares deste Brasil solidário e, no mais das vezes, escapam do controle. Muito do dinheiro doado pode não chegar e o que chegar sabe-se lá para o quê será usado. Além disso, no caso de Blumenau, o poder público terá de tomar medidas drásticas como a retirada gradual de todas as famílias que vivem nestas áreas impróprias - o que significa praticamente todo o sul da cidade - cerca de quatro mil pessoas. Isso requer uma mudança radical e cara. Mas, segundo os estudiosos é absolutamente necessária. “Os solos da parte sul precisam ser preservados, são frágeis. A cidade só pode crescer para o norte onde os solos são um pouco melhores”, insiste Rudi Laps.

Além disso, a cidade precisa investir em fiscalização. Não basta ter leis que regulamentem a ocupação do solo. Há que estar atento, ter controle. A Fatma, que é um órgão ambiental do Estado, está sucateada, faltam trabalhadores. Na cidade de Blumenau o efetivo da Polícia Ambiental é de apenas oito homens. Isso tem de mudar. Ou as pessoas entendem de uma vez por todas que suas vidas têm ligações viscerais com a vida do planeta, ou momentos trágicos como estes que viveu o Estado se repetirão. E esta não é uma receita apenas dos chamados eco-chatos - que de chatos não têm nada – é também preocupação de profissionais como os engenheiros, arquitetos, biólogos, enfim, todos os que, de uma maneira ou de outra, estudam estas questões. “Antes ser um eco-chato do que um eco-burro”, diz o ambientalista Lauro Bacca. Mais do que nunca, ele tem razão.

E, no brutal mundo capitalista, enquanto as famílias que perderam gentes e bens - por conta da vileza dos especuladores de plantão que burlaram todas as leis - tentam encontrar um caminho para seguir vivendo, as municipalidades iniciam a chamada “reconstrução”, muitas vezes se valendo de empresas já especialmente preparadas para os “desastres”. Em casos assim, de tragédias anunciadas e guerras sem razão, também já se tem muito claro que são os que sairão ganhando. Neste sistema do capital tem um tipo de gente que nunca perde.

Enquanto os homens se matam...


... em guerras sem sentido nenhum a não ser para a selvageria do capital,

os bichos convivem em harmonia...

Aí está Steve Biko dando seu corpo para o descanso dos dois Tupacs, Amaru e Katari.

Salve os bichos!!!!

sábado, 29 de novembro de 2008

Palestina, Livre!

E eis que aí está o 29 de novembro. Dia triste, hora da catástrofe. Quem é mais velho, lembra. Na mesma hora em que Fátima colhia azeitonas no seu quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre, bem longe de sua terra - num lugar onde só entram os vencedores - decidiam os seus destinos e o de todo povo palestino.
Havia acabado a guerra, guerra feia, dura, grotesca e cruel. Nela, o governo alemão tinha promovido o massacre do povo judeu, dos ciganos e de outras gentes que apreciam como “diferentes”. Os judeus foram os mais atingidos, em função do grande número. Foi um holocausto. Por conta disso, no fim da guerra, os Estados Unidos decidiram que havia de dar uma terra para os judeus.
Foi assim, que numa reunião da Organização das Nações Unidas, que àquela época contava com 57 países, decidiu-se entregar 56% do território palestino para a formação do estado de Israel. O argumento era de que lá não havia povo, portanto, estava livre para ser ocupado. Não era verdade. Ali viviam milhares de seres, tal qual Fátima e Rachid. Numa sessão dirigida pelo brasileiro Osvaldo Aranha – qualificado por Alfredo Braga como um desonesto - 25 países votaram pelo sim, 13 foram contra e 17 se abstiveram.
Contam os historiadores de que, naqueles dias que antecederam a votação – que foi bastante tumultuada – diplomatas receberam cheques em branco, outros foram ameaçados e as mulheres dos políticos receberam casacos de vison. Portanto, assim nasceu Israel. Mas, tão logo se instalou, o governo israelense abocanhou, na força, 78% do território. E o estado da Palestina nunca foi criado. Em 1967, Israel, também com a força dos canhões, expandiu ainda mais o território, massacrando milhares de famílias palestinas.
Nenhum país se levantou contra isso. A solidariedade foi sempre das gentes, dos grupos de lutadores sociais, dos oprimidos, dos desvalidos. Na televisão os palestinos aparecem como os terroristas, os assassinos, os ferozes homens-bomba. Poucos falam da promessa não cumprida, da invasão do território, dos massacres sistemáticos e recorrentes. Hoje, o povo palestino vive confinado em espécie de campos de concentração, cercados por muros gigantes, impedidos às vezes até de ver seus parentes que moram em outros pontos do território. São prisioneiros em sua própria casa.
É por isso que o dia 29 virou um dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Porque isso precisa parar. A gente palestina quer o direito de ter seu país, quer o direito de voltar para casa, assim como, um dia, os judeus também voltaram. O povo palestino quer paz, quer colher suas azeitonas, tomar o seu chá de maravia, casar os seus filhos, descansar no alpendre. É hora! É chegado o momento! Que as vozes se levantem e que a solidariedade se faça concreta.
Viva o Povo Palestino. Viva a Palestina Livre!

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O diploma e o trabalho comunitário


Tenho lido vários artigos de jornalistas colocando como um paradoxo fazer, ao mesmo tempo, a defesa do diploma e do trabalho de comunicação comunitário. Que fazer com os jornais de bairro, que são a expressão da fala da comunidade? Como exigir ali, a figura do jornalista profissional? E as rádios comunitárias? Que fazer, se os políticos e empresários calhordas de sempre já estão se apropriando das rádios comunitárias? Bom, eu tenho algumas provocações para estas questões.

A questão do diploma é um elemento da luta de classe na sociedade capitalista. Defesa da profissão, defesa do corpo. Nada mais do que isso. Já escrevi sobre esse tema num longo artigo que pode ser encontrado no endereço: http://www.iela.ufsc.br/?page=noticias_visualizacao&id=562. E, por ser tão simples, acaba soando como insuficiente, mas não é. O diploma não se reveste, certamente, na fórmula mágica que garantirá um jornalismo de qualidade. Longe disso, a considerar o que se ensina na maioria das universidades: jornalismo gosmento, adesista, cortesão. Mas, na relação entre patrão e empregado, longe dos consensos habermasianos, o diploma é nossa garantia de proteção. Assim, no velho confronto capital x trabalho temos de apresentar nossas armas, e uma delas é a formação superior representada pelo diploma.

Já o trabalho de comunicação comunitária, onde aparecem os informativos de bairro e rádios comunitárias que não visam lucro, está inserido na lógica da soberania comunicacional. Ou seja, é direito de cada ser humano encontrar espaços para exprimir a sua palavra e, num país como o nosso, dominado pelo monopólio da mídia, estes veículos são essenciais para garantir a democratização da informação. As empresas que formam a grande mídia, para as quais vendemos nossa força de trabalho como jornalistas diplomados, estão absolutamente comprometidas com a defesa do sistema capitalista. Já a mídia independente pode – o que significa que às vezes não o faz – estar a serviço da transformação. Daí ser obrigação de quem pensa o mundo e o quer diferente, apoiar estas iniciativas.

É certo que tanto nos jornais de bairro como nas rádios comunitárias é possível encontrar oportunistas que apenas querem ganhar dinheiro e se dar bem, mas isso sempre haveremos de encontrar e faz parte da luta maior por uma sociedade diferente. Nosso compromisso como jornalistas é estar afinado com as iniciativas populares, transformadoras, rebeldes, inclusive servindo como agentes de formação. Se os comunicadores populares receberem uma boa formação de jornalistas, terão muito mais condição de fazer um bom trabalho comunitário.Mas, toda esta problemática precisa estar contextualizada na órbita da luta de classe. Tanto na grande mídia quanto na mídia independente e popular os interesses vão aparecer, e eles serão ora egoístas, ora altruístas. Cabe a nós, jornalistas envolvidos na luta por um mundo novo, estabelecer o embate, ficar firme nas trincheiras, formar gente nova capaz de inocular o sonho da transformação.

Agora, se a categoria dos jornalistas prefere o imobilismo de suas redações assépticas, se entende a comunicação popular como uma concorrente, se não consegue perceber a diferença de um trabalho feito para garantir a reprodução da vida dentro do sistema opressor e outro voltado para a transformação da sociedade, então aí a coisa fica difícil. Antes de condenar os comunicadores populares, talvez fosse bom cada jornalista parar um pouco e pensar porque raios essa gente é necessária. Se as comunidades empobrecidas estão inventando sua comunicação a despeito de todas as leis é porque alguma coisa anda cheirando mal no reino do Brasil. O jornalismo que se pratica nos grandes e médios meios de comunicação não dá conta da vida das gentes, não expressa a batalha que acontece nas ruas do mundo todos os dias. O jornalismo que se vê é cortesão, é redutor, é descontextualizado, desligado da vida real, está a serviço da opressão e da ideologia.

Então, a nós, cabem algumas mudanças como, por exemplo, fazer jornalismo de verdade, tal qual ensina Adelmo Genro Filho, recuperando a totalidade do fato, enfrentar os patrões, aproveitar as brechas, produzir teoria nova, estabelecer parceria com a vida mesma. Ou isso, ou as gentes passarão, e com muita razão, por cima de nós. Com isso repito o que venho insistindo desde sempre: o diploma é importante na relação com o patrão, mas ele não dá conta do jornalismo que precisamos praticar. Defender o diploma? Sim. Mas, fundamentalmente pensar em fazer, enfim, jornalismo, é mais do que fundamental.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A luta continua!

Porque o povo unido, jamais será vencido...

Valeu Zumbi!

Quando o governador de Pernambuco, Caetano de Melo Castro, decidiu colocar a cabeça de Zumbi dos Palmares num mastro para satisfazer os que se achavam ofendidos pela idéia de liberdade que ele representava e para dar uma lição nos negros que sonhavam em fugir para os quilombos, jamais poderia imaginar que estava dando asas ao herói negro. Tentando apagá-lo da memória e mostrar que estava mesmo morto e humilhado, o medíocre governador só conseguiu fazer com que os negros que olhavam a cabeça salgada, alongassem seu olhar para além da morte, para além da prisão, e vissem o horizonte de beleza que ele representava.

Zumbi foi vencido em 20 de novembro de 1695, depois de longas e acirradas batalhas. Mas qual, essa é uma informação errada. Seu corpo foi violado, seu quilombo dizimado, mas a idéia que morava em sua cabeça jamais se rendeu. Seu nome criou asas, seu corpo foi se transformando em outros tantos corpos negros, que fugiam das garras da dor e criavam espaços de liberdade. Seu desejo de vida digna, de riquezas repartidas, de trabalho coletivo, seguiu cavalgando pelos campos, colinas e montanhas. O guerreiro é, tal qual dizia o seu povo, imortal.

É por isso que em todo novembro sua imponente figura volta a intimar as gentes. Ele reaparece, lança em punho, olhar ardente, a dizer que ainda há muito que libertar. Há o preconceito, a discriminação, a violência, o ódio. Há a pobreza, o desemprego, o tratamento desigual. E nós, ao vê-lo passar, sentimos que não fazemos ainda o suficiente, que é preciso mais. Zumbi nos inflama, nos desconforta, nos abre os olhos. Zumbi nos acena, majestoso, e nos convida a segui-lo. Ah, esse homem que foi traído, que perdeu a cabeça e a vida, ali está, no asfalto, na cidade, buscando os seguidores para um novo quilombo. Não mais Zumbi, o neto da princesa Aqualtune, mas o que passou a ser quando sua cabeça circulou pelos fundões do Brasil. O espírito. Então, quando nas noites deste novembro escutamos o rumor delicado do vento, sabemos: eis o espírito... E o acompanhamos, para o mundo que virá, construído por todos nós!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

DCE da UFSC

Eis que chegam as boas novas...

Faz tempo que essa gente sai dos trilhos, herege, rebelde. Questionam métodos, estudam, comparam, exigem, inventam, propõem. São encontradas a discutir pelos corredores, nas conferências, nas salas de estudo, no CA, e muito pouco no bar. Tá, vão no bar, mas o espaço privilegiado é o do debate. Tem as caras sérias, mas muito bom humor. Acreditam nos sonhos, enfrentam com valentia as derrotas e são generosos na vitória.

São garotos e garotas que planejaram com rigor e disciplina uma nova hora histórica. No meio da mesmice ufscquiana, no marasmo viciado dos discursos vazios, eles e elas decidiram anunciar uma boa nova, coisa simples, boa nova... Não são apolíticos muito menos neutros ou “de direita”. Tampouco são os “do Nildo”, como alguns maldosos insistem em chamar. Essa gurizada jamais teve a cabeça tutelada. Ao contrário, essa gente pratica o pensamento próprio, crítico, e está preparada para a invenção do um outro modo de caminhar na vida universitária, de um outro jeito de fazer política. De nenhuma maneira rejeitam a política, mas a querem grande.

Agora aí está o desafio de um novo DCE. Um espaço de luta baseado no estudo, no rigor, na disciplina, na alegria, na responsabilidade, no compromisso, na batalha cotidiana. Difícil tarefa a de re-inventar. É, porque não há que se inventar a roda. O que se precisa é de direção, gente capaz de semear o desejo de mudança. Gente que possa dar conta do prosaico das necessidades estudantis, mas que seja também hábil para ultrapassar a barreira dos muros internos. Gente que tenha condição de abalar as estruturas do já dado, de destruir, mas também de criar...

Exige-se um novo movimento estudantil. Aguarda-se, espera-se, sonha-se... Tudo está por se refazer. Essa gurizada de preto e laranja me enche de ternura, porque vejo nas suas carinhas repletas de desejos, a vontade de fazer aquilo que já dizia o velho Simón Rodrígues: inventar ou se perder. Eu vejo boas novas no horizonte.. boas novas... Um ar perfumado, meio aragem, meio tormenta. Mudança!!!! Enfim...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

“Há uma bomba não desarmada”


Entrevista com o presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), economista Nildo Ouriques, que faz uma breve análise da crise e sua repercussão no Brasil.

P. A crise tão propalada nas últimas semanas já se esgotou?
N. Tem um problema central nesta crise que não foi resolvido. É um fato de que envolve aproximadamente 400 empresas. Elas podem se beneficiar, utilizando uma liberalidade do Banco Central, constituída na época de Gustavo Franco e perpetuada com Henrique Meirelles, que permitiu ao capital produtivo exportador vantagens indevidas e absurdas com a especulação do cambio. Ou seja, estas empresas podem vender lá fora e ficar com estes recursos sem internalizá-los durante um ano. Isso permite às empresas exportadoras, junto com o sistema bancário especular com a moeda nacional. Foram justamente mecanismos desta natureza e os chamados derivativos brasileiros que produziram esse rombo considerável, hoje seguramente superior a 60 bilhões de dólares, envolvendo a saúde financeira de mais de 400 empresas brasileiras que não encontram apoio no BNDS, escasso recurso no sistema bancário e que observam os 170 bilhões de reservas brasileiras como a única saída possível. Isso significa que há um acordo entre banqueiros e empresários com despesas financeiras extraordinárias não previstas, ultra-interessados num ataque especulativo contra a moeda nacional. É essa bomba que não foi desarmada no Brasil.

E é a sorte deste setor que vai determinar os rumos da política econômica e a capacidade do governo em manejar a crise. Este é o aspecto fundamental. Portanto, os 170 bilhões de reservas que o governo brasileiro afirma que são suficientes para estabilizar a moeda, a história financeira da América Latina e do Brasil mostra que eles podem desaparecer em questão de uma semana, se um ataque especulativo se configurar. Esse é um problema seríssimo que vai exigir um cuidado muito grande do Banco Central, um monitoramento muito grande do setor produtivo que até hoje não foi feito, ao contrário. Esse é problema número um. Os 170 bilhões, mais 30 bilhões do Fundo Monetário Internacional, mais 30 bilhões da Reserva Federal são, a meu juízo, incapazes de parar a voracidade do capital quando o patrimônio está em risco. E, sobretudo, a incapacidade do governo de fazer com que o empresário e o banqueiro tenha confiança na moeda na medida em que ele não possa se resguardar em dólares, esse é o segredo de uma moeda nacional forte.

O segundo problema é que o endividamento interno brasileiro que já era muito preocupante no passado e alcançou a cifra de um trilhão e 400 bilhões de reais segue cobrando seu preço, razão pela qual há já um consenso na grande mídia, no setor empresarial, no setor bancários de que as garantias para honrar os leilões da dívida interna devem necessariamente ser originados a partir de superávits fiscais ainda mais expressivos do que aquele que nós temos desde 1994. Isso significa que o governo está sendo forçado e, talvez, de bom grado atue nessa direção, a cortar investimentos na saúde, na educação, na segurança, na cultura, na ciência e tecnologia, impedindo o reajuste dos funcionários públicos, fazendo o corte de gasto corrente tradicional. E, naturalmente, limitando a capacidade de investimento do governo, o que seria fundamental numa estratégia de tipo keynesiano, o que se pode prever um futuro muito ameaçado no Brasil.

O terceiro elemento é que parece que essa crise muito profunda não ensinou o governo, que continua com amnésia criada em 1994 com o Plano Real, que de herança maldita passou a ser a jóia da coroa, razão pela qual o governo aplica a mesma política preconizada pelo FMI, com uma disciplina jamais vista. E não obstante o grande abalo das idéias produzidas por esta catástrofe mundial, os principais órgãos de comunicação e os interesses consolidados no Brasil parece que não aprenderam a lição e não estão dispostos a recuar um milímetro nas convicções que os tornaram mais poderosos, mais ricos, e tornaram o governo cativo destes interesses.

Então eu diria que há um desarme intelectual muito grande, que ainda não foi devidamente desarticulado. Há um rombo do setor produtivo que agora observas as reservas como, talvez, a única saída para afundar o país e salvar seu patrimônio e há ainda o drama adicional da dívida interna em particular, um dívida considerável que faz com que uma parte muito pequena da sociedade brasileira tenha ganhos extraordinárias sem produzir um prego sequer, razão pela qual a taxa de juros não baixa e não vai baixar. Porque grande parte dos títulos da dívida pública são remunerados a partir dela. Talvez o capítulo mais trágico e menos visível é que três milhões de trabalhadores que apostaram seu futuro nos chamados fundos de pensão viram que com as perdas bilionárias de empresas que pareciam sólidas, afetou a saúde financeira destes fundos como foi o caso da Sadia e da Previ. Isso mostra que aquela aliança feita em 1994 e 1998 de trocar as privatizações pelo ganho fácil da dívida pública também chegou ao seu limite, portanto, nenhum dos problemas estruturais foram desarmados com as medidas tomadas pelo governo brasileiro e o futuro é incerto e pode se tornar trágico se medidas adicionais não forem tomadas.

P. Na crise dos Estados Unidos o estado aplicou dinheiro para salvar os banqueiros, aqui no Brasil o Lula já deu dinheiro aos bancos e montadoras. Essa gente nunca perde. Quem é que realmente perde na crise?
N. Antes da eclosão da crise o governo brasileiro soltou um pacote para o setor industrial de 75 bilhões de dólares, e ainda na primeira metade do ano um pacote adicional de 2 bilhões para o agronegócio, com isenção de impostos, linhas de crédito favorecidas, recursos consideráveis que somaram 100 bilhões de reais e que se mostrou uma estratégia insuficiente. São recursos do orçamento público e capacidade produtiva do país que é colocada num modelo de acumulação de capital e de desenvolvimento da economia capitalista, extremamente nocivo, regressivo do ponto de vista da renda que limita o mercado interno, que não transforma as empresas brasileiras em multinacionais, não obstante uma ligeira expansão do mercado mundial e que mostra que a estratégia, no essencial está equivocada.

Esta é uma estratégia que consolida uma economia exportadora e, portanto, sacrifica o mercado interno, adia para as calendas gregas qualquer política de distribuição de renda e faz com que a maior parte da população conviva com uma taxa de desemprego altíssima, salários ultra precarizados. É, porque 76% dos assalariados brasileiros ganham até dois salários mínimos, o que gera um mercado interno muito reduzido, razão pela qual os capitais fecham seu ciclo de valorização fora, no estrangeiro. Isso torna o Brasil um país profundamente débil e desigual. Os recursos que o governo está repassando para o setor privado, tanto no campo como na cidade estão longe de tirar o Brasil da crise e apenas se constituem na velha e conhecida socialização dos prejuízos e privatização dos lucros para os mesmos que historicamente governam o país.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Luis Pequeno na luta!

Mucap entrega documento ao presidente da CUT/SC





Esse aí é Luis Pequeno. Artista, poeta, militante, amigo. Está desde há meses vivendo um tenebroso caso de violência no trabalho. E pasmem! Trabalha na Escola Sul da CUT. saiu para exercer um mandato sindical e quando voltou estava na rua. Motivo: ousou ser um lutador contra o assédio moral e a violência no trabalho, denunciou situações vividas ali mesmo na CUT. Agora recebe a paga! Vingança! Que coisa mais feia... Os militantes sociais, sindicalistas de luta e gentes de várias entidades estão na batalha pela reintegração do Luis. Dignidade para quem só se dá para a luta!


Em conversa com o presidente da CUT/SC, quando fomos entregar um documento pedindo a reintegração do trabalhador, recebemos a informação de que a CUT tem a solução para o caso. Não reintegra e recontrata para outro trabalho, com salário pela metade. VERGONHA TOTAL! Se este é o exemplo que a Central dá, a coisa tá muito feia...







quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Barak Obama: mais do mesmo?

Tenho acompanhado as declarações de várias lideranças latino-americanas sobre o novo presidente dos Estados Unidos e só posso concluir que estejam sendo extremamente diplomáticas e educadas. Penso que numa situação como esta, quando um novo presidente assume o cargo, deve ser de bom tom dar as boas vindas e fazer prognósticos de mudanças, de bom governo e de bons auspícios. Mas, cá com meus botões, creio que esta gente que hoje dirige países importantes como a Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai - que estão virando o leme e dando passos na direção de uma outra forma de organizar a vida - deveria colocar as barbas de molho.

É fato que a eleição de um homem negro para a presidência dos Estados Unidos é um acontecimento histórico. Quem conhece as práticas da Ku Klux Kan e a faceta racista do país do norte – que inclusive o levou a uma sangrenta guerra civil entre 1861 e 1865, causadora de quase um milhão de mortes - sabe da importância disso. Mas, de que vale ser negro e quebrar um paradigma se não se quebrar a política deste que é um dos partidos mais antigos do mundo, nascido de uma dissidência do que era o Partido Democrata-Republicano, fundado por Thomas Jefferson em 1793? É o que pretendemos questionar!

História de conservadorismo

As eleições nos Estados Unidos foram mostradas de forma exaustiva na televisão. No geral, os editores dos jornais mais importantes da noite esbanjaram a visão de suas mentes colonizadas. Sequer falaram dos demais candidatos, como se só os partidos Republicano e Democrata estivessem participando do pleito. Pois havia mais gente no páreo. Disputaram ainda dois candidatos independentes (lá é possível ser candidato sem partido), um do Partido da Constituição, um do Partido da Liberdade, um do Partido Socialista e uma candidata do Partido Verde. E o mais grave é que na reportagem da Rede Globo, William Bonner divide o Congresso estadunidense entre a bancada democrata, a bancada republicana e uma pequena parte “sem posição”. Ora, os 4% não são sem posição, eles tem posições muito claras, diferentes dos partidos dominantes. Já no dia da eleição alguns jornalistas chegaram a momentos apoteóticos, vibrando de prazer com o que chamavam do “regime mais democrático do mundo”. Até aí tudo bem, são propagandistas a soldo. Cumprem seu papel. Por isso cabe a imprensa alternativa estabelecer um olhar crítico.

A história do povo dos Estados Unidos contempla um passado glorioso. O país foi a primeira colônia neste continente a se libertar e criar uma nação, e tudo isso fruto de movimentos e revoltas populares, como bem conta o historiador Howard Zinn, no seu livro “A Outra História dos Estados Unidos”. Mas, o que ficou nos registros e na memória das gentes foi o conto da bravura e do heroísmo dos “Pais da Pátria”, como George Washington, Benjamin Franklin, Abraham Lincoln e Thomas Jefferson. O resultado deste momento fundador da democracia foi a destruição bárbara dos povos originários e o enriquecimento destas lideranças lideranças. A Constituição do país, datada de 1787, que ainda hoje faz aflorar lágrimas aos olhos dos “defensores da liberdade”, foi, no entender do historiador Charles Beard, citado por Zinn, um documento que serviu para atender aos interesses bem demarcados de determinados grupos dominantes e que deixou de fora os anseios de praticamente metade da população.

Pois foram estes interesses que levaram à fundação do Partido Democrata-Republicano em 1793, aglutinando a classe dominante até 1836, quando houve um racha a partir das posições de Andrew Jackson que, então presidente, decidiu acabar com o Colégio Eleitoral e não acatar as decisões do Congresso, além de permitir a invasão, por brancos, de milhares de hectares de terras indígenas, expulsando-os para longe de seus lugares originários. Foi no seu governo que houve a diáspora da brava nação Cherokee. Com a criação do Partido Democrata, Jackson passou à história como primeiro presidente deste partido. A gênese da divisão não teve nada a ver, portanto, com divergências ideológicas de fundo, embora alguns analistas avaliem que o partido saiu da órbita conservadora, passando a liberal no início do século XX. Mas, os fatos mostram que não é bem assim.

As políticas dos democratas

O segundo presidente democrata que tem especial participação na vida dos povos da América Latina. Foi Thomas Woodrow Wilson , que governou os Estados Unidos de 1912 a 1921, atravessando a primeira guerra mundial. Ele jurou manter o país fora do conflito mas acabou justificando a entrada na guerra com o mesmo velho mantra defendido por quase todos os presidentes intervencionistas: “é para garantir a democracia no mundo”. Sempre foi chamado de idealista lá no seu país e até ganhou o Nobel da Paz por sua atuação no fim da primeira guerra. Foi durante seus mandatos (cumpriu dois), que disseminou a doutrina da “livre determinação dos povos”, um belo discurso que ele mesmo não cumpriu na prática. Wilson comandou várias intervenções militares na América Latina, invadindo o México durante o processo da gesta histórica de sua revolução popular em 1914, e depois a Nicarágua, o Panamá, a República Dominicana e o Haiti. Os motivos: garantir a democracia. Pois sim!

Depois dele, outro presidente democrata assumiu importante papel na vida das gentes. Foi Franklin Delano Roosevelt, que acabou enfrentando a grande crise de 29 empregando o que ficou conhecido como “new deal”, uma espécie de novo pacto com reformas que, de alguma maneira, estabilizaram o sistema para a proteção do mesmo. Seu programa protegia os grandes donos de terra e o empresariado, mas também oferecia sufuciente ajuda aos empobrecidos, evitando com isso uma explosão social. Foi no seu mandato também que os Estados Unidos viveram a segunda grande guerra, considerada uma das mais populares naquele país, uma vez que mais de 18 milhões de soldados foram mobilizados e grande parte da população contribuiu com a compra de bonus. A economia reaqueceu e a crise foi superada. Foi Roosevelt que, junto com Churchil e Stalin, assinou o tratado de Ialta, que na prática dividiu o mundo entre socialista e capitalista, estabelecendo zonas intocáveis de influência, a famosa Guerra Fria. Foi durante seu governo que assinou uma espécie de decreto (Ordem Executiva) que outorgava ao exército estadunidnese prender sem ordem judicial ou acusação formal todo e qualquer japonês que vivesse na costa oeste do país. No total foram confinados em campos de concentração, dentro dos Estados Unidos, mais de cem mil homens, mulheres e crianças, sendo que três quartos desta gente era nascida no país.

Roosevelt morre em 1945 e assume no seu lugar o também democrata Harry Truman, este responsável pelo maior crime de guerra já perpetrado: a bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, que matou mais de 200 mil civis, num momento em que o Japão já estava praticamente rendido. Foi ainda no seu governo que foi criada CIA, agência de inteligência responsável por praticamente todos os golpes contra a democracia nos países da América Latina. É deste democrata a também famosa “doutrina Truman”, que na prática significava a auto-outorgação do direito de intervir em qualquer país que ousasse enveredar pela via socialista. Por conta disso Os EUA invadiram a Coréia, o Irã, Vietnã e Guatemala e meteram sua colher em outros tantos países de nuestra América, finaciando grupos anti-comunistas. Criou ainda o Plano Marshall, que visava enviar dinheiro para os países, comprando a consciência dos governantes para que não aderissem ao socialismo. Foi o início do processo de atuação dos malfadados “assassinos econômicos”, denunciados por John Perkins, que assim agiu durante parte de sua vida. Naquele período os Estados Unidos invadiram a Iugoslávia e a Grécia, em nome da democracia.

Outro momento crucial da vida estadunidense foi vivido neste governo democrata. A Instituição do Comitê de Investigações das Atividades Anti-Americanas, comandado pelo Senador Joseph MacCarthy, uma espécie de caça às bruxas que prendia e destruía qualquer um que fosse acusado de ter idéias comunistas. Foram os anos dourados do império, mas à custa de muita dor, tanto de sua gente como de populações de vários países do mundo.

Outro presidente democrata com uma ficha nada limpa é John Fitzgerald Kennedy, que apesar de até hoje ser considerado o “queridinho da América”, foi quem teve de arcar com as consequências da frustrada tentativa de invasão à Cuba organizada pela CIA bem no comecinho de seu governo. É ele também quem aquece o conflito no Vietnã, o que mais tarde vai explodir numa guerra de 10 anos, e invade o Laos. Na América Latina cria a Aliança para o Progresso, que nada mais é do que a sequência do Plano Marshall. Dinheiro à rodo para comprar a fidelidade das elites governantes dos países que os Estados Unidos considera seu quintal.

Ainda nos anos 60 vamos encontrar mais um democrata no poder, Lyndon Baines Johnson, que assume depois da morte de Kennedy. Com ele os Estados Unidos assumem de vez o confronto no Vietnã, com o mesmo velho papo de garantir a democracia. Também invadem o Panamá, a República Dominicana e o Camboja em nome da liberdade.

Jimmy Carter é mais um democrata no poder e foi um dos poucos que tentou a paz . Por conta disso é considerado por alguns analistas como “o mais fraco presidente da América”. Tentou mediar acordos com Israel e Palestina e conseguiu a paz entre Egito e Israel. Foi ele também que assinou, com Omar Torrijos, um tratado que devolvia o canal do Panamá ao povo daquele país, e buscou uma política de distensão com os países comunistas. Assinou tratados com a China, buscou reduzir as armas nucleares e tentou aproximações com Fidel Castro. Ainda assim, enfrentou grande tensão com o sequestro de estadunidenses no Irã e foi no seu governo que conseguiu grandes volumes de recursos para o orçamento militar. Foi com Carter que iniciou na América Latina o processo de abertura, uma vez que quase todos os países viviam ditaduras duramente impostas pelos Estados Unidos. De qualquer forma Carter não é visto como um bom exemplo lá dentro e, segundo seus adversários, foi “muito mole” durante a revolução iraniana além de “permitir”, sem criar uma guerra, a ocupação do Afeganistão pela União Soviética.

O mais recente democrata no poder foi William "Bill" Jefferson Clinton, que governou por dois mandatos, entre 1993 e 2001. Visto como simpático galã, charmoso e carismático ele governou agressivamente no que diz respeito a política externa. Invadiu o Iraque, o Haiti, o Zaire, a Libéria, a Albânia, a Colômbia e o Afeganistão. Um currívulo e tanto para um cara “bonzinho”.

E então, que será de Obama?

Este é um brevíssimo resumo da história dos democratas - que praticamente em nada se diferem dos republicanos - que governam o país na mesma lógica do “destino manifesto”, ou seja, de que há uma missão divina dada aos Estados Unidos de ser o guardião da “democracia” mundial e que, por conta disso, o país pode intervir quando bem entender. É claro que se precisa perceber a palavra democracia aí significando “toda e qualquer ameaça aos interesses das grandes corporações”, já que o que está em jogo raramente é o interesse das gentes, mas sim das empresas.

Assim, as esperanças que se colocam sobre o histórico presidente negro do país que é polícia do mundo devem ser relativizadas. A experiência do democrata Jimmy Carter, ridicularizado até hoje por não ter empreendido nenhuma guerra, não é um exemplo que os estadunidense gostariam de ver seguido. Também é bom pensar que lá está estabelecida uma crise financeira sem precedentes e que é comum ao império safar-se das crises com uma boa guerra. Como bem dizia Roosevelt, o Theodore, em 1897, numa carta a um amigo: “em estrita confidência, eu quase que agradeceria qualquer guerra, pois creio que esse país necessita de uma”. É preciso estar muito cegado pela ideologia disseminada pelos meios de comunicação para crer que Obama, apenas por ser negro e vir das classes mais empobrecidas, possa deixar de seguir a natureza do seu partido. Basta esperar e já vamos ver suas posições sobre o Iraque, Palestina, Venezuela, Cuba, só para citar alguns. O tempo dirá.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Os jovens, o mp3 e a desumanidade.

Foi assim. Eu estava ali, naquele bendito terminal do Rio Tavares, esperando já há mais de 20 minutos pelo ônibus do Castanheira. Fervia de ódio, pois ninguém gosta de fazer aquele absurdo transbordo tão perto de casa. E, assim, enfadada, observava o movimento das gentes. Então eu a vi. Lá longe, numa das plataformas, no ônibus que vai para o Campeche, uma velhinha tentava subir no coletivo. Ela fazia um tremendo esforço para alcançar o degrau e não conseguia.

Pois bem em frente a ela estava encostado um jovenzinho de uns 17 anos. Estava com um desses equipamentos de som pequeninos, o mp3, e os fones encravados nos ouvidos. Ele balançava a cabeça e cantarolava bem alto, alheio a tudo. Apesar de estar com os olhos abertos ele parecia não ver a velhinha e seu esforço quase sobre humano para subir no degrau do ônibus. Meus olhos se centraram no guri por átimo de segundo e fique a pensar: que desgrama de mundo é esse em que as pessoas não conseguem mais enxergar um ao outro. Que porcaria de planeta é esse em que os seres humanos se encaixotam dentro de seus mundos, e fecham seus ouvidos para a vida que geme ao seu redor.

O garoto seguia cantando e a fila de gente que estava por ali esperando tampouco enxergava o esforço da velhinha, o povo perdido em si mesmo, muitos também refugiados nos mp3. Estranho mundo em que a música, em vez de trazer alegria, aliena e separa. Fiquei meio bronqueada com esse lance de mp3. Bateu a vontade de sair gritando: “escuta aqui, ninguém vê essa velha tentando entrar no ônibus?”. Mas, desisti do intento.

Resignada com a falta de olhos pra ver do povo urbano, saí do meu cantinho lá atrás e vim ajudar a velhinha. Toquei o seu braço, sorri pra ela, e ajudei a entrar. Ela estava com uma trombose, falou, e a perna doía muito. Ajeitei aquele corpinho frágil no banco, ela agradeceu: “obrigada filha”. E havia um lampejo de alegria no seu olhar. Eu desci. As pessoas seguiam ali na fila, com cara de paisagem. O guri fechara os olhos e cantava alto.

Naquele triste terminal, as pessoas mofavam, perdidas de sua humanidade. Só os mp3 pareciam ter vida.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Lutas indígenas na Colômbia

Os povos originários da Colômbia estão em lutas há semanas, realizando marchas e cortes de estradas para exigir do governo o fim dos ataques contra as comunidades indígenas. Veja aqui como esta luta começou, contra o TLC e pelo direito de autonomia em suas terras.



sábado, 25 de outubro de 2008

Quem se importa?

Por Thiago Mendes

Democráticas, as decisões são tomadas em nível global, embora por apenas alguns paises envoltos de suas siglas tão repetidas.
FMI.
Banco Mundial.
Conselho de Segurança.
OMC.
...
Somos fantasticamente tão democráticos que os mesmo países que vendem as armas de guerra, velam por nossa paz mundial.

Fome; são tantas as crianças que morreram e morrerão por ela. Mas não perca o horizonte e não cometa o erro de crer que a mesma é uma doença do capitalismo...Muito pelo contrário, pois é seu sinal de saúde e prosperidade.
Salute!

Um brinde elegante aos novos escravos da Hellmedia.
Tv
Internet.
Jornais.
Terra para poucos.
Televisões para muitos.
Ontem senhores de terra
Hoje, senhores das tvs.
Tão desiguais como pode ser um sistema que não conhece o igual e inventa uma perniciosidade disfarçada de liberdade.
Liberdade não se compra, se conquista.
Ao menos os escravos do passado sabiam disso!

Money; eis a diferença entre ele e aquele.
Isso poderia ser um slogan para comercial.
O triste é perceber que faz parte da nossa realidade virtual.
Por sorte em muitos lugares a cor da nossa pele é menos reluzente do que a das verdinhas da carteira. Claro, em alguns lugares, pois em outros...

Quem se importa?

Virtual; condicionados a um mundo cada vez menos físico. A vida não começa aos trinta, mas se tu não tiver um computador talvez ela nunca comece mesmo.
Interligados, povos e línguas diferentes, uma verdadeira Aldeia Global. Como tribos antigas olham para o grande mar e não crêem nas caravelas que aos poucos se aproximam.
Ilusões!
Conforme a trágica vida dos explorados em todo mundo para que a máquina da pseudofelicidade continue.
O circo não para!
As Caravelas se aproximam.
Exploradores e explorados.
O resto... Quem se importa?

Modernos; a tal ponto que água potável não pode ser algo essencial, mas uma rede de celulares sim.
Cobertura total!
Onde falta banheiro!
Descontos incríveis!
Água potável?
Afinal problemas de esgoto, água limpa e afins.
Você falou em cólera?
Inventemos uma vacina!
Laboratórios prontos para patentear suas novas drogas.
Vendê-la. Mil vezes mais caro que o custo do saneamento.
Somos modernos.
Somos esbanjadores.

“O nosso século que tanto fala de economia é um esbanjador: esbanja o mais precioso, o espírito.”
Nietzsche.

Curemos populações enfermas, mas antes testemos em outras populações inteiras...Quem liga? Vai ser bem longe...Num lugar chamado África.

Quem se importa?

Entretenimento. Paguemos para sermos vigiados e cada caso seja um espetáculo. Banalizemos a violência, usaremos muitos números.
O pobre não sabe matemática.
Gosta de mandioca.
Ignore a sentença...Você é capaz!

Cultuemos os ídolos. Acendendo velas para assistir suas novelas de sangue nobre.
Exigiremos noticias diárias de suas vidas!
Escutaremos santos capazes de nos salvar desse inferno.
Mas tudo tem um preço, veiculado no produto.
Não se preocupe, você quase nunca percebe!
Você é capaz!

Abriremos os livros da salvação. Esses jornais onde a noticia é fresca mesmo que a carne esteja podre. A verdade repetida todos os dias.
A verdade deles!
A verdade daqueles!
A nossa ... Realidade não existe, ou carece de coisas divertidas.
Iremos ao shopping!

Crianças!
Peçam tamanho duplo e ganhem um brinde confeccionado por mãos de outras pequenas crianças, tudo bem, tudo bem é bem longe...Honduras ou China.

Quem se importa?

Dançando e pulando em datas festivas.
Feriados!
Dia do índio.
Índios.
Como aqueles que algum jornal horário caro vai afirmar que invadiram as nossas terras.
Terras brasileiras.
Empresas estrangeiras.
Índio burro!

Que não sabe ler nas cercas ... Propriedade privada!

“O primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: -Isto é meu-, e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdido se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém”
Rousseau

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Os gatos, esses anjos


Os gatos que vivem na minha casa são incríveis demais. Todos os dias eles ensinam coisas belas sobre ser família, por exemplo. A Juanita deu à luz dois gatinhos, o Tupac e a Anita, e a Bartolina, que é mãe da Juanita e, portanto, avó dos dois pequenos, não os deixa sozinhos nunca. Elas (mãe e filha) dormem abraçadas enquanto amamentam (ambas) os fedelhinhos. Já o pai, bueno.. este fica pelo pátio, como um rei.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Crise? E eu com isso?


“A crise, a crise, a crise”. É o que mais se ouve no rádio e na TV - essa fábrica que vive da mais valia ideológica, como bem analisou o grande pensador venezuelano Ludovico Silva. Começou lá nos Estados Unidos e quase ninguém sabe muito bem por que. Os locutores falam de uma quebra nos bancos causada pelo não pagamento das hipotecas e as pessoas, jantando, não conseguem entender o que isso significa. Bueno, ao que parece, as pessoas pegaram empréstimos para comprar moradia e agora não têm dinheiro para pagar. Fico pensando na política do governo Lula que, por conta do “crescimento da economia” fez convênios com Bancos para garantir que os trabalhadores pudessem se endividar de forma tranqüila e sem qualquer entrave, com desconto em folha. A CUT aprovou a idéia e o povo começou a corrida aos bancos para tirar dinheiro e consumir, consumir, consumir. Penso que é um pouco por aí o que aconteceu por lá, na nave mãe.

Também, na televisão, já se começa a ver reportagens sobre o aumento do preço disso e daquilo, e os jornalistas avisam em tom de ameaça: “é a crise, ela vai pegar todo mundo”. É quase como a trilha sonora do Tropa de Elite. Ninguém vai escapar. Assim, pelas ruas, as pessoas vão internalizando a idéia de que há uma crise, portanto, é normal que os preços comecem a subir. Vem a pedagogia do medo e os pequenos burgueses principiam a comprar bastante carne para congelar nos abarrotados freezers, esta peça escrota da acumulação sem necessidade. Já os que não têm freezer... que se danem! “Estamos todos no mesmo barco”, dizem os economistas e analistas de TV. Só que esta é mais uma mentira do sistema. Podemos até estar no mesmo barco, mas a divisão de classe garante que haja os que tomam champanhe na cobertura e os que remam nas galés. No final, quem é que salva o barco mesmo? São os remadores, sempre os remadores. O povo das galés!

Nos noticiários internacionais chegam as notícias de gente que perdeu tudo o que tinha. Choro e ranger de dentes. Mas ninguém pergunta por que motivo afinal esta gente entrou na onda das aplicações voláteis da bolsa. A promessa capitalista do lucro fácil, sem esforço. Bota a grana ali e ela vai render, pronto. Poucos são os que falam dos riscos do sistema. É que o capitalismo é bom de propaganda e tem o controle da fábrica de ideologia. E lá se vão as velhinhas e os trabalhadores comprar ações. Aqui no Brasil também há um incentivo para que os trabalhadores usem seu décimo terceiro salário ou suas economias e apostem no cassino financeiro. E pasmem, existem sindicatos e centrais que fazem campanha para que isso aconteça. A idéia de que o trabalhador comum pode ser um empreendedor é hegemônica.

E as emissoras de TV, com seus oráculos bonitinhos, se apressam a falar que, se é preciso que as gentes apertem os cintos por conta da crise, não é necessário temer. O estado já interveio. Já colocou bilhões de dólares para salvar os banqueiros, afinal, como poderíamos viver sem bancos? Já os que apostaram suas economias nos cassinos financeiros, bom eles tinham de saber que havia riscos. Perderam e pronto. Paradoxalmente serão eles os que salvarão os banqueiros, pois afinal, o dinheiro público de quem é?

O capitalismo é bicho esperto, tem seus pedagogos da beleza, do engano, da ideologia embotadora. Vai minando a consciência de classe. Pois, o que fazer, se os sindicatos brasileiros, em sua quase esmagadora maioria, estão domados? O que fazer se as centrais sindicais gerem fundos de pensão e fazem campanha para que os trabalhadores se endividem? Como falar de socialismo e de distribuição da riqueza num tempo em que as pessoas estão em retirada, tentando salvar o que lhes resta da enganação do capital? Poucos são os que se dão conta de que a questão não é a crise em si, o salvar-se agora, o apertar o cinto esperando a tormenta passar. Esta é a tormenta mesma. E ela só está mais forte no momento, mas é a mesma ventania capitalista que tudo arrasa, até as consciências, todo o santo dia e todo dia santo.

Para os trabalhadores está dado o desafio. Vivemos até agora um tempo de arar a terra, de estudar, de desvelar os horrores econômicos impostos pelo sistema. E também estão aí os exemplos do que pode fazer a luta coletiva que tem como pilar mestre a idéia de povo – gente em luta. Está aí a Venezuela, o Equador, a Bolívia, onde a falência de instituições como sindicatos, governos e partidos levou ao crescimento dos movimentos sociais a às transformações cada dia mais radicais. Não dá para sentar diante da TV e acreditar que o capitalismo acabou. Ele é matreiro, manhoso e se recompõe muito rapidinho, a história nos mostra.

As crises cíclicas do capital mostram o quanto este sistema é predador e a cada uma delas fica claríssimo que quem perde sempre são “los de abajo”. Então é preciso sair às ruas, pedagogicamente retirando o véu do engano,” explicando, provocando a consciência de classe. É hora de movimento, de semear. Mas, fundamentalmente, é hora de anunciar a boa nova: sim, é possível viver de outro jeito, organizar a vida de outra forma. Exemplos há e é tempo de espalhar a notícia.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Reforma Agrária dá certo

Celebração no Assentamento Conquista na Fronteira, em Santa catarina, pelos 20 anos da conquista da terra. O MST mostra que povo organizado constrói a nova sociedade aqui, agora! Viva o MST!