quarta-feira, 18 de março de 2009

Olhando sapatos...


Geralmente as pessoas me acham muito antipática, pois, na rua, não cumprimento os conhecidos. O fato é que eu enxergo muito mal e tenho dificuldades em reconhecer as pessoas. Então, para não pisar na bola e deixar de dizer olá aos amigos adquiri o vício de andar olhando para o chão. É uma coisa estranha, mas ao mesmo tempo legal porque, com o tempo, fui inventando uma técnica de analisar os sapatos das gentes. Assim, quando ando na rua, vejo pedras, ladrilhos e sapatos. É tudo o que minha vista cansada pode alcançar.

Foi assim, com a cabeça virada para o chão que outro dia eu me surpreendi. Por conta de um curso que estou fazendo, comecei a passar pela rua em frente a dois colégios tradicionais de Floripa: o Catarinense e o Menino Jesus. Então, de repente, vi meu campo de visão ser invadido por tênis, dos mais lindos que já pude ver. Marcas estrangeiras, cores vibrantes, amortecedores, desenhos arrojados, coisa que não se vê nas lojas comuns. A profusão dos modelos me fez erguer o rosto. E o que vi.

O bando de moleques que sai dos dois colégios tradicionais, reduto da gente rica da cidade, usa o que há de melhor no mundo dos tênis. Olhei para os lados pensando que aquela legião de belezas deveria atrair muitos olhares cobiçosos, afinal, tem gente que mata por um tênis. Então, logo à frente, observei duas viaturas da Guarda Municipal. Sem exagero, deviam estar ali uns oito rapazes fardados, fazendo a proteção da gurizada. E eles corriam pela rua, tranquilos, seguros.

Estupefata, “garrei a maginá”, como diria o caipira. Chegará o dia em que os filhos dos pobres poderão sair às ruas, reivindicando direitos, sem levar pau da polícia? Haverá de chegar um dia em que a polícia seja também para proteger os filhos dos pobres? Chegará o tempo em que as escolas na periferia também contarão com a presença cuidadora da guarda municipal? Vingará o dia em que as viaturas da força policial não serão mais necessárias porque as riquezas serão repartidas e ninguém será melhor que ninguém? Vira um tempo novo? Virá?

Segui meu caminho, entristecida, até que entrei no ônibus que vai para a UFSC. Meus olhos no chão vislumbraram umas sandálias de couro, bem surradinhas. Levantei a vista e dei com um guri, cabelo rasta, camisa estampada com um “salve o planeta”. Sorri. Ele também, cúmplice. Gosto mesmo é destes pés. Eles me dizem que gente há que caminha segura para estes tempos novos que construiremos...