terça-feira, 6 de setembro de 2022

O pai e a alegria


É certo que a gente não é de ferro. Por isso, vez em quando me dá uma tristeza infinita por perceber que a doença de Alzheimer está levando o pai, lentamente. Não é bolinho a gente ver a pessoa que a gente ama ir se apagando. São as tais das fases. Lembro que quando ele chegou aqui saía sozinho, ia ao mercado comprar seu pito, troteava pelo bairro “indo para casa”, molhava as plantas, secava a louça, caçava carrapato, marcava os cocozinhos dos cachorros, sempre envolvido em alguma tarefa. Agora, ele já não quer saber de andar e passa os dias sentadinho na sua poltrona ou na cadeira de rodas, no quintal. É coisa que me angustia. Mas, vou aguentando. 

Por outro lado, mesmo nesse contexto de perdas, há momentos que são de uma alegria estelar. Um deles é o momento de tirá-lo da cama. Espio na janela para ver se ele já acordou. Ele acorda devagar. Fica um tempão brincando com as cobertas. Quando, por fim, ele meio que senta na cama vejo que é hora de eu entrar em ação. Então, eu abro a porta do quarto, cantando: “bom dia, seu Tavares, o sol já nasceu lá na fazendinha”... E ele me olha, dando uma baita risada. Ele me reconhece. Provavelmente não como filha, mas como alguém em quem ele pode confiar. Ele se alegra e se agita, pronto para levantar. 

Esse momento, esse único momento já vale pelo dia inteiro. Sei que muito pouco posso fazer por ele no que diz respeito à doença. Mas, tenho completa certeza de que ele sabe e sente que faço tudo o que é possível para que ele passe esse tempo na felicidade. Vejo isso também quando chego do trabalho. Eu ponho a cara na porta e digo: “cheguei, meu broto”. E ele abre o sorrisão, como a dizer “que bom!”. E nos sintonizamos na alegria.

Cuidado e carinho é tudo o que é preciso...