sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Uma conversa com Mauro Iasi

Entrevista com o candidato à presidência da República pelo PCB, Mauro Iasi.


 

Paradoxo na UFSC: trabalhador que trabalha pode ter ponto cortado
















Assembleia do dia 17 manteve a greve

A Universidade Federal de Santa Catarina vive um momento inédito. Pela primeira vez na história dos trabalhadores, eles estão sendo ameaçados de punição por trabalhar e ampliar o atendimento aos usuários. Para entender todo esse enredo, é preciso antes falar sobre como funciona uma universidade. Mais do que uma "escola" onde se ensina uma profissão em nível superior, a universidade é um espaço onde se articulam esse ensino, mais a pesquisa e a extensão. É como um órgão vivo, pulsando todas as horas do dia. Para comprovar isso, basta circular pelo campos a qualquer hora do dia e mesmo da noite. Sempre tem alguém trabalhando e até nas madrugadas pode-se vislumbrar uma ou outra luzinha em algum laboratório. Por todos os cantos está em ebulição a criação do saber.

Esse processo de trabalho - na sua maioria imaterial - é vivenciado pelos docentes, os técnico-administrativos em educação e os estudantes. Em maior ou menor medida cada uma dessas categorias atua nos três campos, de ensino, pesquisa e extensão. Isso mostra que a universidade não é um espaço que pode funcionar como uma fábrica, em horário comercial e muito menos um lugar no qual as tarefas estão claramente demarcadas. Aqui, a "produção" desse trabalho imaterial nunca para e é possível ver um estudante de pós dando aula, um técnico coordenando pesquisa e um professor administrando um centro. As atribuições são complexas e se misturam. A tal "divisão do trabalho" tem fronteiras muito largas.

Por conta disso desde há muito tempo os trabalhadores discutem a possibilidade de, segundo garante a lei, realizar turnos corridos de seis horas, garantindo atendimento ininterrupto nos setores de toda a instituição. Leva-se em conta toda a complexidade do trabalho realizado aqui e o fato de haver aulas nos três turnos - manhã, tarde e noite -  o que garantiria atendimento a uma parcela significativa de alunos/trabalhadores que não podem vir à universidade no período comercial. A lei é clara. Um contrato de trabalho de oito horas pode ser cumprido com turnos de quatro horas/um intervalo de duas/um turno de quatro, ou com seis horas ininterruptas. Por isso a batalha pela segunda opção. Para os trabalhadores, a organização do trabalho - melhorada com as novas tecnologias - exige um outro olhar sobre a questão da jornada de trabalho. É voz corrente que as novas tecnologias proporcionaram uma considerável diminuição de tempo na operacionalização de muitas tarefas. Hoje, os trabalhadores já tem as condições objetivas para reduzir a jornada, sem deixar de cumprir todas as tarefas  que tem sob sua responsabilidade.
Assim, unindo essas condições à necessidade de a universidade atender cada vez mais pessoas, por conta de seus cursos noturnos e à distância, a luta pelos turnos de seis horas com atendimento de 12 horas ininterruptas cresceu.

Com a eleição de uma nova administração há dois anos, garantida pelo seu perfil progressista, os trabalhadores iniciaram um debate sobre esse tema e conseguiram que a nova reitora, Roselane Neckel, aceitasse a ideia de criar um grupo para estudar a viabilidade da redução da jornada aos moldes propostos: com ampliação de atendimento, abrindo setores no horário do meio dia e à noite. O grupo trabalhou,  estudou o tema e apresentou um relatório, que, segundo um acordo realizado com a administração, deveria ser discutido em todos os Centros de Ensino da UFSC. No relatório, trabalhadores e representantes da gestão, concluíram que a UFSC estava preparada para iniciar o processo de turnos ininterruptos. Mas, a administração não cumpriu o acordo e não colocou o relatório em discussão.

Em 2014, os trabalhadores técnico-administrativos realizaram uma longa greve, com uma pauta nacional, em luta por reajuste salarial, data base e outros temas históricos dos TAEs. Essa greve iniciou no mês de março e terminou em julho, sem que houvesse avanços nas negociações nacionais. Na UFSC o movimento foi forte e envolveu os trabalhadores nas discussões. Muitos foram os atos e protestos realizados, nos quais se aproveitou para cobrar as promessas locais, como a da discussão do relatório das seis horas. A reitora fez-se surda aos apelos.

Surpreendentemente, poucos dias  depois do final da greve nacional, a administração central, sem qualquer debate com os trabalhadores sobre o tema, baixou uma portaria mudando o processo de controle de ponto. Até então, os setores organizavam-se conforme suas características específicas e o controle de frequência era o controle negativo: ou seja, caso o funcionário não comparecesse ou chegasse atrasado, a chefia anotava o fato e enviava ao setor de pessoal. Se nenhum registro fosse enviado, o setor de pessoal considerava frequência total.  Com a portaria, a reitora reinstalou a folha ponto, que deveria ser preenchida diariamente, com jornada de oito horas. A medida foi considerada uma espécie de "vingança" contra os trabalhadores por conta da movimentação da greve e também como um profundo retrocesso administrativo.

A greve de ocupação

Por conta disso, os trabalhadores resolveram discutir a portaria e depois de vários debates decidiram entrar em greve contra a forma antidemocrática com que a reitoria definiu o processo de controle de frequência. Entendiam que havia uma discussão sendo feita institucionalmente  - com o grupo que realizou o relatório - e que num espaço democrático como a universidade, o mínimo que a administração deveria fazer era ouvir a comunidade, incluídos aí os próprios trabalhadores.

Mas, a greve deflagrada - a primeira greve interna da história da UFSC - não foi como as outras, na qual os trabalhadores fechavam os setores e interrompiam o processo de trabalho. Ao contrário, eles decidiram mostrar, na prática, como seria a universidade atendendo nos três turnos, de forma ininterrupta, tal como vinham reivindicando. Foi assim que começou, no dia 5 de agosto, a greve "de ocupação", como foi chamada. Todos os trabalhadores seguiam cumprindo suas tarefas, mas fazendo os turnos de seis horas ininterruptas, conforme garante a lei. Com isso, vários setores passaram a abrir as portas ao meio dia, causando grande entusiasmo entre os estudantes que necessitam da universidade aberta .

Só que se os estudantes vibraram, a administração não. Chegou, inclusive, a não permitir a entrada de usuários no prédio onde funcionam as pró-reitorias no horário do meio-dia, mesmo com os trabalhadores lá dentro, querendo atender aos estudantes e professores.

A greve seguiu seu curso em queda de braço com a administração. A cada ação dos trabalhadores, logo vinha um novo memorando, apertando mais o cerco, mudando as regras ao sabor da disputa. A universidade virou um palco de guerra, apesar dos sucessivos pedidos de diálogo. Duas reuniões chegaram a ser realizadas, mas a comissão representante da reitoria se mantinha inflexível quando a qualquer avanço. A negação ao diálogo foi tanta que dois dias depois da última reunião conjunta, veio o memorando que orientava as chefias a descontar o salários dos trabalhadores que não assinassem o ponto. Ou seja, a administração seguiu desconhecendo a greve e o próprio trabalho dos TAEs. 

Na última assembleia, em 17 de setembro, mesmo com as ameaças de corte de ponto, os trabalhadores decidiram manter a greve. Eles entendem que a universidade não pode cortar o ponto de quem está comparecendo ao trabalho diariamente, e ainda proporcionando a ampliação do atendimento. A reitora, por outro lado, deu entrevista no jornal de maior circulação do estado, dizendo que vai cortar o salário. É a manutenção do impasse. Os TAEs encaminharam novo pedido de reunião à reitora, reivindicando o que foi prometido: debate. Eles querem que a jornada de trabalho seja discutida em toda a universidade, envolvendo professores, técnicos e estudantes. É a comunidade que deve decidir sobre o atendimento da instituição. Isso seria o exercício pleno da democracia, conforme reza a Constituição.

Mas, a administração insiste em continuar ignorando a greve - embora o chefe de gabinete tenha usado publicamente o argumento da greve para negar algumas demandas de estudantes - e segue se comunicando através de memorando e portarias, em clara resposta aos passos dos trabalhadores.

Na UFSC o clima é de muito descontentamento com a forma autoritária como as coisas estão se desenvolvendo. É a primeira vez na história da instituição que uma administração ameaça com corte de ponto, sendo que o mais inusitado é o fato de todo mundo estar trabalhando.