sexta-feira, 2 de junho de 2017

A padaria do Bonetti

A velha casa ainda está lá...

Das memórias de infância uma que me assalta de tempos em tempos, de infinita ternura, é a dos irmãos Bonetti. Eles tinham um grande armazém numa das esquinas próxima à minha casa, e também uma padaria. Todos os dias eu ia, com meu irmãozinho, buscar o pão. O pedido era sempre igual: um pão d´água grande e outro sovado, conhecido naquelas bandas de São Borja como pão cabrito, por conta de seu formato, com uma espécie de chifre.

Lembro como se fosse hoje do jeito e do clima da padaria. Tinha aqueles balcões antigos de madeira boa, com tampos e vitrines de vidro, onde ficavam os pães, à mostra. E tinha o Bonetti, um italiano grande, de grandes mãos. Acho que o “grande” aparece porque éramos nós, então, pequeninos. E todos os dias tínhamos o mesmo diálogo:

- Bom dia, quero dois pães, um d´água e um cabrito – Eu dizia, solene.

E o Bonetti devolvia, igualmente solene:

- Trouxe a corda?

Eu, primeiro, arregalava os olhos, surpreendida, e depois vinha a gargalhada: a corda era para amarrar o “cabrito”. Ele também ria, um riso bom, e ia pegando os pães pra gente, enrolando-os naquele papel pardo de padaria.

No dia seguinte lá vínhamos nós com mesmo pedido, e lá vinha o Bonetti com a mesma piada. E era sempre engraçado.

Hoje, quando vou comprar pão, no geral pão ruim, porque nunca mais se viu um pão como aqueles do Bonetti, eu sinto sempre uma nostalgia. Do formato do pão, grande e crocante, do riso do Bonetti, daquela cumplicidade, daquele jeito de ser comunidade. Já os pães cabrito, nunca mais vi, mas os tenho fixos na memória. E, por vezes, nos sonhos, me vejo buscando-os, com a corda na mão, subindo a João Palmeiro, que naqueles dias era de terra vermelha. Eu e meu mano, de mãos dadas, num tempo tão feliz.  


quinta-feira, 1 de junho de 2017

O pai e as poças


Depois de quase um mês de chuva, o sol apareceu nessa quinta-feira. Hora de pegar o pai e sair para dar uma volta, desenferrujar as pernas. Fomos ao mercado, que é o único passeio possível. E lá fomos nós, arrastando os sapatos, devagarito no más.

Uma boa parte da rua é calçada, mas há um trecho onde o chão é de areia e, quando chove, é comum a formação de centenas de buracos nos quais a água fica acumulada. Cuidando dos passinhos do pai, avisei:

- Pai, vai pelo cantinho, cuidado com as poças de água.

E ele, sem nem me olhar, se foi caminhando na direção das pocinhas. Splash! E lá tascou ele o pé dentro d´água.

- Cuidado, vai molhar o pé.

E ele, tal qual o Armandinho, do Alexandre Beck, seguiu saltitando, sempre fazendo questão de pular bem dentro da poça de água, esparramando o barro por todo o lado. Ria feito um menino. Foi assim por todo o caminho de areia.

Resultado: deixei que ele fosse enlameando os pés e a calça. Afinal, só se vive uma vez, e o quê pode haver de mais divertido do que ficar saltando dentro das poças de água numa manhã de sol?


Chegando a casa, foi hora de fazer um escalda pés, limpar os tênis e trocar as calças. E ele, faceirinho, curtindo a traquinagem.