sábado, 5 de janeiro de 2013

Documentário sobre o Henfil

Bom de ver...


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Viver é caminhar na beleza!



Ali estava eu, enfrentando meus medos. Sozinha, sentada bem no meio do avião. Havia pedido um lugar no corredor, por conta do temor. Uma coisa meio estúpida já que dento do avião, não faz diferença. Ainda assim, me sinto mais segura. Mas, ao entrar, uma mulher, mais nervosa do que eu, insistiu para trocar o lugar. Ela estava na janela, e suava. Cedendo à opressão da bondade deixei a mulher ocupar meu lugar e lá fui para o assento da janela. Foi a minha vez de começar a suar. O voo era de La Paz à Santa Cruz de la Sierra, e seria a primeira vez que eu cruzaria a cordilheira dos Andes num avião. Daí o medo. Sempre vêm à mente aquelas cenas de acidentes nas montanhas e coisas assim.

Sem saída, enterrei a cara num livro do Enrique Dussel que havia comprado em Sucre. As 20 teses sobre política. Julguei que me distrairia com o debate, sempre original, do filósofo argentino/mexicano e o tempo de voo passaria num átimo. E ali fiquei, entretida na ideia de que o poder, se for obedencial, não é ruim nem corruptor. Genial esse homem! Minha cabeça fervilhava em orgasmo intelectual. 

Foi então que senti, do lado de fora do avião, uma presença. Pelo canto do olho percebi que havia algo ali, naquelas alturas. Meu corpo se retesou, os cabelos arrepiaram, todos. Uma espécie de gelo me tomou inteira. Como poderia haver algo lá fora, naquela altura? Então, lentamente, despreguei os olhos do livro de Dussel e enfrentei o pavor. Virei a cabeça e me deparei com a visão mais incrível que já pude presenciar.

Bem ao lado, quase sendo possível tocá-la, se descortinava a espinha dorsal de Abya Yala: os Andes. Nunca pensei que pudesse ser tão belo. Eu, que já havia caminhado por suas entranhas, nas longas viagens de ônibus, não tinha noção do que seriam, vistos assim, do alto. O avião passava tão perto, meio em paralelo. Da janela, podiam-se ver as neves eternas e quase sentir sua textura. Aguçando a vista, dava para ver as trilhas feitas pelos animais andinos - ou pelos homens - nos pontos mais baixos. Foi um momento sagrado. Sem que eu pudesse conter, as lágrimas me foram caindo, numa volúpia de emoção. Eu, guria nascida na planura missioneira do Rio Grande do Sul, lugar de onde só se pode vislumbrar o infinito, agora provava daquela visão andina, concreta, numa hora mágica.

Observei que o lugar onde eu estava sentada era o centro do avião e percebi que aquela posição conformava também o centro da “chacana”, a sagrada cruz andina dos povos originários. E que, agora, dentro de mim, também se desenhava essa figura mítica das gentes do meu continente. Nascida na planura, criada no cerrado mineiro, vivendo em frente ao mar, agora provava da beleza dos Andes. O grande círculo dos quatro cantos estava fechado. Ninguém mais pode ser o mesmo depois desta experiência. Ali se conformava minha alma abyayálica. Ali se definia, agora com mais vigor, essa decisão de assumir uma identidade autóctone, charrua que sou.

Os Andes, o mar do Brasil, as planuras das “misiones”, o cerrado, tudo isso é a expressão da Pachamama, a grande mãe. A visão majestosa das montanhas andinas tornou mais forte a certeza de que nesta terra grande, nesta “nuestra” América, nesta Abya Yala, podemos ser algo mais do que imitadores baratos de uma cultura imposta. Por todo o continente se levantam as gentes originárias recuperando seus deuses, seus credos, suas formas organizativas. Ensinam eles que, antes da conquista, aqui viviam homens e mulheres que tinham outros modos de se relacionar com a terra, com a água, com as matas, com as pessoas e os animais. Um outro jeito, nunca respeitado. E que foi solapado, subsumido na dominação.

Mas, agora, aí estão, vivos, se expressando, crescendo. Porque nunca morreram. Porque estavam latentes, ou disfarçados, esperando a hora histórica, que chegou. E, assim como os Andes, gigantes, magníficos, belos, os povos originários irrompem na vida social dos países de toda Abya Yala dizendo, bem alto, a sua palavra, exigindo respeito às suas culturas, línguas e modos de vida. Quéchuas, aymaras, guaranis, mapuches, mocovís, charruas, kollas, kunas, caraíbas, pataxós, navajos, tantos...

O grande sol, Inti, se derramando sobre os Andes, bateu na brancura das neves eternas, Pachamama espreguiçou. O condor bateu, forte, as asas, as llamas correram, brincalhonas, os cuys saltitaram alegres. No céu, a pura paz. Nos caminhos, lá embaixo, os aymaras da Bolívia - mais antigos que os incas - seguiam suas vidas, mais fortes que nunca. E eu, hipnotizada, agora entendia o segredo já sussurrado pelos povo navajo: “Beleza em cima, beleza em baixo, beleza pelos lados. A vida é um caminhar na beleza”. E assim será, melhor, quando vencermos e superarmos o capitalismo predador. Esse dia vai chegar, pela força das gentes!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Os abusos de preços


A tal da Danusa Leão já  havia constatado: os pobres estão viajando de avião, frequentando lugares nunca dantes vislumbrados e gastando muito mais por aí. Isso é fato. Talvez seja por isso que as rodoviárias agora começaram a praticar preços de aeroporto, tentando seguir a tendência. Sim, porque a gente até pode comprar passagem de avião para qualquer lugar em 12 módicas prestações, mas se quiser fazer um lanche no aeroporto, aí "dá cosa", como diz a gente de Florianópolis. Uma água custa seis reais e um café com pão de queijo pode sair por mais de 15. Verdadeiro assalto.

Pois agora as rodoviárias estão nessa também, de assaltar as gentes. Outro dia, indo para Porto Alegre, cheguei super cedo na rodoviária e pensei em fazer um lanche, para evitar as comilanças nas paradas. Mas, na rodo de Floripa tem apenas duas grandes lanchonetes, praticando os mesmos preços. Um café com pão de queijo pode custar quase 10 reais. Não há escapatória. É isso, ou fome. Não comi, não gosto de ser explorada.

Em Porto Alegre, os preços também já deixaram de ser populares. Uma refeiçãozinha básica, tipo prato feito, custa mais de 23 reais. Os lanches andam pela casa do 18 e o velho café com pão de queijo inflacionou. É certo que lá tem mais opções de lanchonetes, mas os preços não se diferenciam. Pô, não dá para pagar isso por um lanche tão magro.

Lembrei da rodoviária de Brasília, que é espaço de chegada e saída das gentes mais pobres, que andam pelos interiores do Brasil. A bichinha tá virada num xopim, cheia de lojinhas chiques, com praça de alimentação e os preços tudo pela hora da morte. Por isso é comum ver as pessoas sentadas no chão lustroso, com as bolsas abertas, cheias de comidas gostosas feitas de antemão.

De maneira que para não cair no roubo institucionalizado temos de fazer como antigamente: levar o lanche de casa. Abusar dos biscoitos, bolos, pastéis e sanduíches  tudo feito em casa. Melhor também trazer uma ou duas garrafas de água, dependendo da lonjura. Não importo de pagar por uma boa comida, mas creio que esse povo está exagerando demais. 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Salve Aldeia Maracanã





Por Ricardo Casarini - jornalista

Durante toda a noite os “guardiões” ficam acordados para cuidar da segurança da Aldeia Maracanã. Eles se revezam, às vezes de duas em duas horas, outras de quatro em quatro. São indígenas os Pataxós, Puris, Ashaninkas, Guajajaras, Potiguaras, Apurinãs e de tantas outras etnias. São colabores os “brancos”, professores, jornalistas, educadores, estudantes, artistas, anarco-punks e uma diversidade de outros simpatizantes. 

O momento é tenso, delicado. O prédio onde hoje funciona a Aldeia Maracanã, considerado um centro de referência da cultura indígena na cidade do Rio de Janeiro, está prestes a ser demolido por conta do projeto do novo Estádio do Maracanã, que sediará jogos da Copa do Mundo de 2014. De acordo com matéria publicada no Correio do Brasil neste finalzinho de 2012, cujas informações foram apuradas através de fonte ligada aos empresários que participam do projeto de recuperação do Estádio Mário Filho, o Maracanã, e do próprio Governo do Estado do Rio de Janeiro, a demolição do prédio do antigo museu do índio é “apenas uma questão de tempo”.

A casa, de 150 anos, pertenceu a Duque de Saxe, que doou a mansão para que o governo federal a transformasse em Centro de Pesquisa sobre a cultura indígena. O lugar já foi sede da Escola Nacional de Agricultura e também sediou o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Depois, em 1953, finalmente retornou para o estudo da cultura indígena, quando Darcy Ribeiro, em 19 de abril, instituiu o Dia do Índio, e criou ali no casarão o Museu do Índio, primeiro museu dedicado à cultura indígena de toda a América Latina. Ali na aldeia também foi criado o Parque Nacional do Xingú, uma das maiores e mais importantes reservas indígenas do país.

Infelizmente o prédio não ficou muito tempo sendo utilizado para preservar e difundir a cultura indígena, em 1977 o museu foi transferido para o bairro de Botafogo e o prédio da Aldeia Maracanã passou para as mãos da Companhia Nacional de Abastecimento, que durante anos abandonou o casarão e o deixou praticamente em ruínas. 

O lugar, considerado histórico e sagrado pelos povos indígenas, passou a ser ocupado por moradores de rua e usuários de drogas e seguiu durante anos abandonado pelo poder público. No ano de 2006, um grupo de indígenas, de várias etnias, resolveu assumir o espaço que lhes eram de direito e ocuparam o prédio com o propósito de fazer dali um Centro de Referência da Cultura Indígena, além de abrigo para os “parentes” de diversas etnias que chegam a cidade e na maioria das vezes não tem onde serem acolhidos. 

A partir da ocupação em 2006 o prédio passou a ser “recuperado” de acordo com a capacidade financeira dos indígenas, que sempre foi muito pequena, e com a força de trabalho deles, que sonham em manter o lugar e poder fazer dali, além de sua morada, um lugar onde as pessoas possam conhecer e vivenciar um pouco da cultura indígena de nosso país. Um espaço que já funciona como centro de referência, mas que ainda tem muito a oferecer, seja como centro de estudo, escola ou até mesmo uma universidade indígena. Como o estado de conservação do prédio é péssimo e a ideia e de que ali funcione toda a estrutura para o centro de referência, várias casinhas para abrigar os índios foram construídas ao redor do casarão e hoje ainda seguem vivendo aproximadamente 30 indígenas de várias etnias diferentes, Guajajara, Pankararu, Xavante, Guarani, Apurinã, Fulni-ô, Pataxó, Potiguara, Ashaninka e tantas outras. 

A vida na Aldeia Maracanã é uma luta diária, nas primeiras horas do dia, junto com o nascer do sol, o despertar dos indígenas já começa com atividades e compromissos dentro e fora da aldeia. O trabalho é dividido de acordo com a afinidade de cada um e com as necessidades do coletivo.

Cacique Tukano é um dos primeiros a despertar, já sai de casa arrumado, sempre com uma papelada nas mãos. Depois de organizar alguns trabalhos e atividades da aldeia e tomar um humilde café com pão e manteiga segue para cidade, junto com colaboradores, a fim de organizar e articular a luta institucional em defesa da Aldeia Maracanã. Desde o principio da ocupação já foram organizadas inúmeras audiências públicas na assembleia estadual e na câmara municipal, além de caminhadas, protestos e ações judiciais. Cacique Tukano é dos mais antigos moradores da ocupação, muito respeitado pelo grupo é um dos ícones em defesa da Aldeia Maracanã.

Dauá Puri, o ancião da aldeia, também segue o mesmo caminho, de banho tomado e bem vestido, com o cocar na cabeça, tendo os braços e pescoço cheios de artesanatos indígenas, Dauá segue ao lado do companheiro Tukano com sua  pasta cheia de documentos. Sempre prestativo e carregando um sorriso sincero no rosto, Dauá além de toda correria institucional em defesa da aldeia, exerce um papel como um irmão mais velho, ou pai da família. Desperta batendo palmas, chamando o grupo para acordar. Gosta que todos se reúnam em volta da mesa, deem as mãos, cantem, agradeçam e se alimente juntos. 

A organização diária de trabalho na aldeia segue de acordo com a demanda. Alguns  voluntários ficam responsáveis em preparar o alimento do grupo, outros em buscar apoio financeiro para a ocupação, cuidar da segurança, equipe de comunicação, recepção de visitantes, venda de artesanato, limpeza e organização do espaço da aldeia, cuidado com a horta comunitária, onde foram plantados legumes e verduras para consumo próprio.  Enfim, uma grande variedade de atividades que a cada dia precisam ser realizadas para o bem estar de todos. Na aldeia as atividades são autogestionadas, as decisões coletivas, todos tem voz e vez e trabalham para o melhor do grupo. Mas, apesar de todo o trabalho, os índios e colaboradores ainda convivem com problemas estruturais, como a falta d’água e de energia elétrica.

Para tentar sobreviver dentro das condições mínimas de habitabilidade, os indígenas da Aldeia Maracanã mantêm um centro cultural, que realiza aos primeiros sábados de cada mês um festival de gastronomia, música, rituais e artes indígenas. Nestes dias a aldeia fica lotada de visitantes, crianças, jovens e adultos, interessados em conhecer e compartilhar a cultura indígena. 

Na programação, contação de histórias indígenas, música, teatro, artesanato e oficinas. Mas, o pouco que se arrecada durante os festivais não da conta da sobrevivência dos habitantes da aldeia e eles ainda dependem bastante de doações, inclusive de alimentos, de entidades e simpatizantes da causa.
Ao lado do muro e dos portões do casarão as atividades não param nem durante a noite, pois a aldeia faz fronteira com o canteiro de obras e alojamento dos trabalhadores que durante 24 horas do dia se revezam nas obras de construção do novo estádio do Maracanã para a Copa do Mundo de futebol.

Embora a própria história de nosso país comprove a importância e o valor histórico do lugar, em julho de 2012, o governo federal vendeu a área ao governo do Rio de Janeiro. A proposta do governador do Estado, Sérgio Cabral, desconsidera a história e não reconhece esse valor e insiste em derrubar o prédio para que sirva de espaço de mobilidade para as pessoas que virão assistir aos jogos da Copa do Mundo de 2014.
Ou seja, ao invés de preservar, revitalizar e fazer o tombamento deste patrimônio histórico, o Centro de Referência da Cultura Indígena Aldeia Maracanã, ele quer demolir o prédio para construir um estacionamento e um shopping Center.

Além da Aldeia Maracanã, também estão ameaçados de demolição no entorno do estádio a Escola Municipal Friedenreich, referencia no município, no Estado e no país;  o Complexo Esportivo Célio de Barros, onde centenas de jovens atletas, moradores de várias comunidades do Rio de Janeiro realizam diversas práticas esportivas e ainda, um centro de estudos de sementes originárias, que funciona ao lado da aldeia.

Juntos com os povos indígenas, diversas outras organizações lutam em defesa destes patrimônios públicos hoje ameaçados pelo poder do dinheiro. Comitê popular, jornalistas, estudantes, antropólogos, grupo de professores e pais de alunos da escola, atletas, artistas e ainda, o movimento “O Maraca é Nosso”, que luta contra a privatização do Maracanã. O projeto do governo do Estado, que prevê a concessão do Maracanã à iniciativa privada é uma operação praticamente definida em favor da proposta apresentada por representantes do grupo empresarial fluminense de Eike Batista. 

O poder e os números que os índios enfrentam são grandes. Uma placa da empreiteira em frente ao Maracanã anuncia que 750 milhões de reais serão gastos na reforma, o valor falado da transação com Eike Batista é de 450 milhões. São mais de 500 mil apenas para a empreiteira que vencer a concorrência para demolir o casarão.

Mesmo assim os indígenas e colaboradores seguem na resistência, cacique Tukano informa: “Não vamos desistir! Não queremos ser lembrados como índios coitados e sim como valentes e guerreiros. Vamos resistir!”
Por isso, ele e os companheiros Ashaninka, Afonso Apurinã, Dauá, Kauatã, Pará, Pacari, Quati, Mônica, Zahy, Iracema, Antonio, Flávio, Shama, Coelho Awá-Guajá, Lobo e tantos outros importantes personagens dessa história de luta, todos os dias acordam com o nascer do sol e como índios guerreiros, seguem o dia na batalha.

O Poder Público segue dando as costas para a luta indígena e dos movimentos populares e sociais, nas últimas duas sessões da câmara municipal, que previam a votação do tombamento do prédio da Aldeia Maracanã, os parlamentares, a vista de quem quis ver, simplesmente boicotaram a votação. Na penúltima votaram alguns assuntos da pauta e depois se retiraram do plenário. Depois da sessão alguns foram vistos rindo, tomando cerveja e se divertindo em um bar das proximidades, o que gerou revolta nos manifestantes que acompanharam a sessão e depois presenciaram a cena. Na última sessão, já nos últimos dias de 2012, grande parte dos parlamentares resolveu não aparecer, alguns estavam na câmara e simplesmente preferiram ficar em suas salas com ar condicionado, mais uma vez comprovando a falta de interesse por parte deles em relação a preservação do espaço indígena e de todo o complexo ao entorno do Maracanã.

Na esfera judicial, a situação dos habitantes da Aldeia Maracanã também piorou substancialmente nos últimos dias do ano. Na semana passada, duas liminares que os favoreciam foram derrubadas. Uma exigia a permanência dos povos indígenas dentro do prédio do antigo Museu do Índio, e a outra impedia a demolição do edifício. Ambas as liminares foram concedidas a pedido da Defensoria Pública da União. A derrubada  dessas medidas deixa o caminho livre para que os índios sejam desalojados e o prédio demolido. Inclusive os moradores da aldeia já receberam a visita de dois técnicos que se identificaram como membros da equipe de demolição. A entrada desses técnicos não foi permitida e agora o temor é que eles retornem a qualquer momento, inclusive com força policial. 

A ameaça é iminente, Sérgio Cabral insiste: “vamos derrubar”. Mas, na aldeia Maracanã, o povo segue em resistência. Indígenas e colaboradores continuam firmes na luta contra a demolição do prédio. Estão organizados, no último dia 29, promoveram um debate, que foi transmitido ao vivo pela internet. Ali, diversos indígenas e colaboradores puderam compartilhar um pouco da história da aldeia e desse movimento de resistência. 

Os povos originários de nossa terra resistem junto com os brancos que acreditam na luta. Eles fazem um apelo de conscientização. Pedem ajuda para todos que sintam esse chamado em defesa de nossa história. A qualquer momento o prédio da aldeia pode ser invadido, os índios desalojados e a grande parte da história do Brasil, representada por aquele patrimônio histórico pode ser demolida e virar cinzas.  

A próxima atividade em defesa da aldeia acontece no dia 1 de janeiro, a partir das 10h, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Informações sobre todo o processo de luta em defesa da Aldeia Maracanã: http://aldeiamaracanarj.wix.com/aldeia e www.facebook.com/aldeia.maracana.3?fref=ts 

domingo, 30 de dezembro de 2012

Condenados por lutar



Elke Debiazi é uma mulher jovem, bonita, ponderada, com certa doçura no jeito de se expressar. Mas, que ninguém se engane, quando precisa ela vira fera, seja para defender seus direitos ou proteger a filha de 11 anos. Foi guerreira durante toda a faculdade, feita na UFSC. Tão logo entrou no curso de História, percebeu que aquela universidade não podia ser como era. E começou a luta por uma Universidade Popular. Antenada, passou a militar num grupo organizado, percebendo que só no coletivo as coisas mudam de fato. Passou pelo Centro Acadêmico e logo estava no Diretório Central dos Estudantes, disposta a fazer uma universidade nova. Assim, esteve presente em todas as lutas que aconteceram nos anos de universidade. Um desses anos em particular, mudou sua vida. Foi o de 2005. Nele ela iria se encontrar com a difícil condição de ser considerada uma “criminosa social”, com todas as implicações que isso pode trazer a alguém.

O ano de 2005 foi intenso na UFSC. Primeiro foram os estudantes que começaram uma luta renhida pela melhoria das chamadas bolsas-treinamento. Naqueles dias, a UFSC pagava 250,00 e o aluno era obrigado a cumprir uma jornada de quatro horas diárias. Nela, em vez de estudar ou fazer pesquisa, os estudantes atuavam como trabalhadores técnico-administrativos. Esse tipo de bolsa já vinha sendo questionado inclusive pelo Ministério Público, que orientava um ajuste de conduta havia sete anos. Assim, naquele ano a indignação chegou ao auge, gerando inclusive, duas greves de bolsistas. Era o mês de junho, as negociações não avançavam, o Conselho Universitário não se decidia a aumentar o valor da bolsa e os estudantes decidiram então por um ato radical: ocupar a reitoria. E foi o que fizeram. A movimentação garantiu que o Conselho decidisse finalmente discutir o assunto. Os estudantes não queriam apenas aumento do valor, mas também mudanças no sistema. A bolsa de estudos tinha de ser para estudar e deveria durar o tempo todo do curso, garantindo assim a permanência do aluno, sem a necessidade de renovação a cada semestre. Nesse processo, eles conseguiram o apoio irrestrito dos trabalhadores que também já vinham denunciando o uso do aluno como um tapa-buraco para os problemas administrativos.

Foi decidido então que seria criada uma comissão envolvendo estudantes, professores, técnicos e representantes da reitoria para discutirem uma nova proposta para as bolsas. Elke Debiazi representava os estudantes no Conselho Universitário e fez parte da comissão assim como José de Assis pelos técnicos, Roselane Neckel pelos professores, Corina Espíndola, pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e a professora Olga pelo Curso de Direito.

No meio dessa batalha estudantil, os trabalhadores e professores também iniciaram as suas, aderindo a uma greve nacional das duas categorias no mês de agosto e, desde aí, a universidade mergulhou totalmente na luta, com as três categorias envolvidas, cada uma com suas especificidades.

Não foi sem razão que, quando finalmente o Conselho Universitário chamou para discutir a proposta que havia sido construída pela comissão, todos exigissem uma reunião aberta, afinal, cada uma das categorias tinha interesse de que a questão das bolsas fosse resolvida, assim como esperavam que o Conselho se manifestasse sobre as pautas locais de greve. Foram dias de negociação e quatro reuniões fechadas até que o Conselho decidiu aceitar uma reunião aberta para o dia 18 de agosto, na qual seriam discutidas as demandas dos professores, dos técnicos e dos estudantes. E foi com a esperança de um acordo que o auditório da reitoria se encheu naquele dia. Mas, entre os conselheiros o que se armava era uma vingança contra os estudantes, pois ninguém ainda havia engolido a ocupação do mês de junho.

A reunião começou tensa e o primeiro tema foi o das bolsas. A comissão apresentou seus estudos e a proposta de um valor de 330 reais, mais a garantia de que a bolsa seria para vincular o aluno a um projeto de pesquisa e não mais ao trabalho técnico. Tudo isso já tinha sido discutido com a reitoria e havia um acordo firmado para a aprovação. Mas, quando o tema se encaminhava para a votação, um dos conselheiros, Osni Jacó, do Centro de Desportes, alegou que não estava esclarecido e que por isso o Conselho não poderia votar. O mundo veio abaixo. No auditório havia quase 500 pessoas, estava lotado. O acordo já estava fechado e atitude do conselheiro inviabilizava tudo. Foi aí que alguém puxou uma palavra de ordem: "ai, ai, ai, ninguém entra, ninguém sai". As pessoas foram fechando as portas e exigindo que a votação acontecesse. Eram nove horas da manhã.

Com a confusão criada pelo professor Osni, os Conselheiros decidiram desfazer a mesa e encerrar a reunião, mas os estudantes, professores e técnicos tomaram o microfone e passaram a fazer o debate. Ninguém se atrevia a sair. Lá fora, os trabalhadores da segurança da UFSC trancavam as portas e não deixavam ninguém mais entrar. Havia um impasse. As horas passavam e nada se resolvia. Foi só às cinco horas da tarde que o então reitor Lúcio Botelho decidiu aprovar ad referendum o aumento do valor das bolsas. Mas, nessa hora, a Polícia Federal já tinha sido chamada para “evacuar” a reitoria. Acordo fechado, todo mundo saiu festejando vitória. Mas aquele seria um dia que não terminaria ali.

A criminalização da luta

Poucas semanas depois estudantes e técnicos tiveram o troco. A reitoria instituiu um processo administrativo para investigar o que eles configuraram como “sequestro do reitor”. Como os conselheiros tinham ficado no auditório das 9 às 17h, denunciaram o ato como “cárcere privado”. A partir daí começou o terrorismo. Das quase 500 pessoas que estavam na reunião do conselho, a administração decidiu apontar 22 estudantes e quatro técnicos como os que lideraram e fomentaram o tal “sequestro”. Uma dessas estudantes era Elke Debiazi. Durante os “interrogatórios” muitos deles eram ameaçados com a possibilidade de não terminarem o curso e, no caso dos trabalhadores, de demissão, a não ser que entregassem os “cabeças” do “crime. Para os envolvidos aquilo era surreal. Não houvera sequestro, não havia “cabeças”, mas um ato político de luta pela aprovação daquilo que já estava acordado. O professor que provocou o tumulto nunca foi indiciado por nada. Mas, aquele era um tempo em que os estudantes estavam sendo vistos como um “câncer social” em Florianópolis já que no ano anterior, 2004, também haviam protagonizado a Revolta da Catraca, contra os aumentos das tarifas de ônibus. Assim, era preciso uma punição exemplar.

O processo administrativo dentro da UFSC seguiu pelo ano de 2006, mas a história não acabaria aí. Naquele ano, 17 estudantes e dois técnicos foram chamados para depor num processo que havia sido instituído pela Polícia Federal, também com a acusação de sequestro e cárcere privado. A abertura do inquérito na Polícia Federal tinha sido uma iniciativa do então reitor da UFSC, Lúcio Botelho, e do vice-reitor Ariovaldo Bolzan.

Durante todo esse período, a direção do Sintufsc (Sindicato dos Trabalhadores da UFSC) atuou no sentido de proteger todos os envolvidos, chamou reunião com todo o movimento social para discutir a criminalização e garantiu que um advogado acompanhasse o caso. O tempo passou e, em 2008 assumiu um novo reitor. Novas lutas foram travadas no sentido de arquivar o processo administrativo para que os estudantes não tivessem sua vida acadêmica atrapalhada. Foram necessárias muitas lutas e manifestações para que isso acontecesse, até que se conseguiu. Não por ação do reitor, mas por inação. O processo se extinguiu.

Já o inquérito da Polícia Federal seguia sem trégua. Mais estudantes foram chamados a depor, somando 22. Em 2009 muda o grupo que dirigia o Sintufsc e o assunto dos estudantes fica esquecido. O tempo passara, muitas outras coisas foram acontecendo, greves, lutas, e o pequeno grupo que respondia o inquérito foi sendo esquecido, não só pelo Sintufsc como pelo próprio movimento social. “Foram anos difíceis, a vida da gente ficou em suspenso. Sabíamos que a qualquer momento poderíamos receber um duro golpe. Não tínhamos mais força política, não havíamos conseguido manter a campanha efetiva pelo arquivamento do processo", lembra Elke.

O fato é que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia e foi instaurado um processo penal. Nele, os então reitor e vice figuram como testemunhas contra os estudantes, assim como os delegados da Polícia Federal Ildo Raimundo da Rosa e Jessé Ferry, os técnicos Nader Ingrascio Gharib, Gilson Pires e Corina Martins Espíndola, e os professores Eunice Sueli Nodari e Osni Jacó da Silva. Os 22 estudantes estavam então indiciados como réus num processo criminal. “Também tivemos muitos problemas com a assessoria jurídica. A advogada conseguida pelo sindicato cuidou por um tempo, alguns, que podiam, buscaram assessoria individual. A maioria buscou discutir alternativas coletivas e no final acabamos contratando um advogado. Esse, várias vezes nos alertou que era muito provável a condenação de pelo menos alguns dos envolvidos. A punição serviria de exemplo aos demais estudantes, que ousassem lutar. De qualquer modo, desconhecíamos o conteúdo das fitas que constavam nos autos do processo o que tornava muito frágil qualquer possibilidade de defesa".

Cada um dos estudantes viveu então mais um período de terrorismo mental. E o que se articulava era um acordo: eles assumiam a culpa, pagavam cada um a quantia de mil reais para a Justiça, ficavam obrigados a – de três em três meses - informar ao delegado sobre o que estavam fazendo e onde estavam morando e não podiam ausentar-se do estado sem autorização do juiz. Era uma espécie de liberdade condicional que duraria por dois anos. A vantagem é que eles teriam a ficha limpa. “A gente estava muito confuso e fragilizado. O nosso advogado nem conhecia bem o processo e defendia a ideia do acordo. Nossas vidas estavam em suspenso, já haviam se passado cinco anos, estávamos sozinhos nessa luta”.

Por conta de todas essas fragilidades, quando chegou maio de 2010 a maioria dos estudantes decidiu assinar o acordo. Não via mais saída. Apenas três deles não aceitaram, mas mesmo assim estiveram presente no ato de assinatura para fortalecer os colegas. “Foi um dia muito triste, porque sabíamos, inclusive, que um dos colegas havia dado o nome dos que tinham militância em grupos organizados, como se esses fossem os `culpados´ pelo que havia acontecido. Ficamos muito revoltados, decepcionados. Saímos dali com um tremendo sentimento de impotência. Tudo aquilo fora um grande prejuízo na nossa vida e poderia ter sido diferente”.

Elke não cita o nome do colega, mas numa visita aos documentos do processo é possível encontrar nas folhas 236, 237 e 238, nas quis está registrado o depoimento de R. P. Ele diz: “que o bloqueio da entrada e saída de pessoas durante a reunião, já havia sido tramado anteriormente por dois grupos estudantis existentes na UFSC", e segue citando o nome de vários deles, inclusive o de Elke. Ou seja, não só ligou alguns dos colegas a grupos organizados como levantou a suspeita sobre a possível ideia de “sequestro” dos membros do conselho. A descoberta desse depoimento deixou o grupo em profunda tristeza.

Os resultados da luta

Depois de assinarem o acordo, os estudantes precisaram de mais um período de batalha. Havia uma dívida de 20 mil reais para ser quitada. Cada um deveria pagar mil reais, conforme o acordo. Então, eles organizaram festas, fizeram bingos, passaram o chapéu nos sindicatos. Mas ainda ficou um “carnê das casas Bahia” para saldar. Não foi um tempo fácil. Cada um deles estava reorganizando a vida, buscando trabalho. “Naqueles dias a gente se sentia um pouco abandonado. Tínhamos feito uma grande luta coletiva, mas na hora de enfrentar a justiça ficamos muito sozinhos. A gente não se lamentava, tocava a vida".

Mesmo com toda aflição de um processo por sequestro nas costas, Elke seguiu seu caminho. “Não tinha arrependimento sobre o que se passara, era o certo a fazer, e o que aconteceu foi até um motivo a mais para ir em frente, rever prioridades. Nesse período eu terminei o curso, fiz um mestrado e estava mergulhada no trabalho”.

A luta de Elke, assim como a dos demais 21 estudantes criminalizados naquele ano de 2005 não foi em vão. Por conta de todo o processo de luta, que envolveu as greves de bolsistas, ocupação da reitora e ocupação do Conselho, o sistema de bolsas mudou. A bolsa-treinamento foi extinta e instituiu-se a bolsa-permanência, com um valor maior e com a regra de que o estudante esteja ligado a uma pesquisa. Essa era a proposta da comissão que foi interrompida pelo professor Osni naquele triste dia em que os estudantes foram acusados de sequestro. “Por isso eu acredito que faria tudo de novo. O que fizemos foi o certo. Havia uma comissão, havia um acordo. Nós queríamos resposta da reitoria de um processo que já durava um ano, com reuniões nos Centros Acadêmicos. A gente só queria garantir que os estudantes carentes pudessem permanecer na universidade. E isso nós conseguimos”. O custo foi alto, mas essa é uma verdade incontestável. Hoje, na UFSC, a permanência digna daqueles que tem menos condições econômicas só é real por conta da luta desses estudantes.

Os outros estudantes que se recusaram a assinar o acordo seguem respondendo pelo que a justiça chama de “crime”. Na época eles alegavam que uma questão política não podia ser tratada como um crime. Para eles, aquilo era uma tentativa clara de intimidação e criminalização de movimentos sociais e havia a necessidade de uma resposta à altura para isso. Com as novas demandas do movimento popular o caso foi sendo esquecido e hoje, cada um deles segue, sozinho, fazendo a luta contra mais essa arbitrariedade.