quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Pelos natais e anos novos




Sempre gostei de filmes de Jesus, desde pequena. A mim encanta esse homem que partilha, que caminha pelas estradas poeirentas, que ama o próximo e o distante. O que ampara a mulher adúltera, o que come com as prostitutas e os tribunos, o que está no mundo, mas não é do mundo. Gosto da sua violência contra os vendilhões e sempre me emociono demais com a absurda fé que ele tinha nas gentes, a mesma fé que o levou a morte, negado até pelos mais íntimos. Pouco me importa se ele foi real ou apenas uma ladina invenção de Paulo. Gosto da mensagem que se diz que ele deixou. No filme de Zefirelli, sobre ele, a cena final sempre me faz chorar. É quando Jesus volta da morte, e está com os apóstolos. Alguém pergunta: e agora, para onde vais? Então ele olha para a câmera, como a fitar nossos próprios olhos diz: não tenham medo, eu sempre estarei com vocês! Acho isso de uma ternura abissal. Não é uma promessa de poder, é só a promessa de um partilhar, estar junto, de maneira incondicional. Creio que isso é o amor.

Nestes dias que rondam natal e o Ano Novo gosto de rever estes filmes. Até mesmo o de Mel Gibson, sangrento e duro, que escancara a tortura e a dor infligida a quem decidiu questionar a lei vigente. Ali, vejo cada um dos que ao longo dos tempos foram torturados e mortos de maneira vil por lutarem contra a opressão, contra leis injustas, por uma vida digna de ser vivida. Vejo no homem ensanguentado os estudantes normalistas mexicanos, tantos de meus companheiros e a mim mesma.

Penso que, de algum modo, em cada um dos diferentes "Jesus" que o cinema ou os livros nos apresentam, há um pouco da pessoa que gostaríamos de ser. Por isso essa mística que representa esse homem ainda me parece tão bonita. Sua proposta é a da  mais radical doçura, da cura do doente, do amparo das almas em escombros, do amor, mesmo àqueles que não são iguais. Quem que, vivendo assim, não representa uma luz na escuridão da vida? É por isso que o meu natal não tem Papai Noel, esse, vermelho, com sacos de presentes, criado pela Coca-Cola em 1931. Não. Ele é repleto da busca desse Jesus, amoroso e radical, que caminha conosco, chora nossa dor e nos ampara com um olhar de supremo acolhimento.  

Assim que nestas noites de dezembro, confrontada com toda a fragilidade da vida, com a dor, a impotência diante do poder, a solidão existencial, preparo com carinho o dia deste homem, que pode ser cada um de nós. Não espero a meia-noite para comer peru, como fazem todos, num ato ritual. Gosto de viver o dia, o 25, como se fosse mesmo um dia de aniversário. Faço pudim e compartilho. Busco em mim a força para domar o medo e enfrentar os vilões do amor, que estão por aí, todos os dias, nos que matam Amarildos, nos que roubam do povo, que oprimem, que negam a vida digna. Eu busco o deus menino, não no céu, mas entre os vivos, meus irmãos.

Nietzsche dizia que só os fracos precisam de deuses, como muletas. E eu digo que ele tem razão. Nós, humanos, somos fracos. Precisamos criar a cultura, explorar a natureza, esconder-nos de nossos semelhantes, sempre a temer algum ataque. Mas até Nietzsche se rendeu a ideia de que Jesus havia sido o único cristão. Nestes dias de desamparo, sim, quero assumir as muletas. Sou uma mulher que precisa de deuses. E espero Jesus, sem presentes, sem pompa, sem festa. Só com minha louca certeza de que os deuses são nossas redes. Nada podem. Apenas balançam, nos ninam e nos sussurram a frase necessária: Não tema, eu estou aqui!