quinta-feira, 8 de março de 2012

A música das gentes


Tudo que fala do humano e da vida que vive me toca a alma. E não precisa ser nada rebuscado. Às vezes, as pessoas simples dizem coisas simples que são tão preciosas e intensas, muito mais do que poemas herméticos de intelectuais consagrados. Ao povo, lhe interessa entender. Por isso não gosto de quem fica jogando pedra nas canções populares. Claro, sei muito bem que existe uma indústria da música, que coisas idiotas são criadas para entorpecer e alienar. Mas existem canções, de poesia simples, que caem no coração das gentes como um beijo molhado, e perduram. Isso tem de ser respeitado. Afinal, quem pode se arvorar em juiz do gosto do outro?
Outro dia morreu o Wando – um ícone popular - e muita gente falou de seus sucessos. Outros criticaram e apontaram a mediocridade de suas letras, chamando de lixo o que produzia. Bem assim se fez quando o sucesso de verão de Michel Teló invadiu até a Europa. E é o que sempre dizem quando uma música “brega” estoura e torna-se uma epidemia popular. Parece que o gosto da maioria não carece de respeito algum. A mídia inventa sim, mas nada perdura se não tiver sido plantado no mais profundo das gentes.
Ocorre que as pessoas carregam uma sabedoria dentro delas, que está para além das academias, das salas de arte e dos cafés intelectuais. Então, assim como um poema do Chico, uma letra do Michel Sulivam pode dizer a mesma coisa, só que de um jeito diferente, entendível por qualquer um. O Chico fala do amor com a sua bagagem de conhecimento e cultura formal, adquirida nos melhores colégios, no convívio com os intelectuais e tudo mais. Os compositores populares, sem a poética do Chico, falam desde uma poética própria, da vida mesma, do que lhes brota da alma, de um jeito muito intuitivo, e que penetra nas gentes que igualmente experimentam os mesmos sentimentos. O amor, a separação, a traição, a dor, a alegria, essas coisas abstratas, que hora ou outra se concretizam no cotidiano.
Eu cresci ouvindo música sertaneja, canções de Ângela Maria, Agnaldo Timóteo, Miguel Aceves Mejia e nunca pude perceber ali nada além da vida se expressando. Cresci, estudei, consigo entender o hermetismo da poesia “cabeça”, mas, vez em quando assoma em mim essa vontade de Jane e Herondi, José Augusto, Marcio Greyck, Liu e Leo, Tonico e Tinoco, Nilton César, Fernando Mendes, Os Fevers, Sérgio Reis, esses poetas populares cantados à exaustão nas serenatas mineiras que embalaram minha juventude. Eu sou essa simplicidade brega, concreta, imanente.
Com todo o respeito, que se fodam os guardiões da poesia e da música rebuscada. Há lugar para todas. Posso me deliciar com uma canção do Milton Nascimento, uma sonata de Bach, e me emocionar com a dor do que foi abandonado no breguíssimo clássico do Reginaldo Rossi, chorando junto ao garçom. Assim também são as gentes. Gostar do Ovelha não quer dizer que não se pode curtir Maria Rita. Basta lembrar que até o Caetano cantar uma música dele, o Peninha era brega. Então, não há uma hipocrisia e um esnobismo aí?

terça-feira, 6 de março de 2012