sexta-feira, 15 de maio de 2009

Farra do turismo em Santa Catarina

O presidente Lula esteve em Santa Catarina recepcionando um seleto grupo de mega-empresários que veio para um obscuro fórum de turismo chamado de Congresso do Conselho Mundial de Viagem e Turismo. A idéia de um encontro na ilha, em Florianópolis, partiu da monopólica Rede Brasil Sul, que sugeriu ao governador trazer gente do turismo para promover o estado. Foi feito. Com a ajuda do governo federal, representado pela senadora Ideli Salvatti, do governo estadual e também do municipal, foram amealhados cerca de sete milhões de reais para garantir aos empresários tudo de bom e do melhor. Hospedados no Costão do Santinho, do também mega empresário Marcondes de Mattos, eles comeram, beberam e tramaram “grandes empreendimentos” turísticos para Santa Catarina à custa do dinheiro público. Não bastasse isso, ainda passearam no jatinho do governador, também pago com dinheiro público, por sobre regiões do estado onde poderiam “investir”.

No mesmo dia em que o evento acontecia, agricultores de todo o Estado faziam mobilização na capital, pedindo recursos ao governo para minimizar os efeitos da seca na região oeste. Coincidentemente as entidades que traziam os agricultores para protestar eram as mesmas que, semanas antes, mobilizaram mais de mil produtores no oeste para aplaudir o Código Ambiental, aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado. Este código, construído pelo executivo, promove mais destruição ambiental que causa mais mudanças no clima, sendo portando causa da falta de chuva na região. Papo de louco? Não, é o bom e velho “realismo mágico” da nossa terra, que de mágico nada tem.

Para se ter uma idéia dos absurdos, no mesmo dia em quem rolava o evento milionário no mega hotel de Marcondes de Matos (empresário acusado de construir um campo de golfe com licenças ambientais falsificadas), o governador falava ao povo catarinense pelo seu órgão oficial, a RBS. O repórter, sem qualquer espírito crítico pergunta quais os benefícios desta reunião de turismo. Ao que o governador responde que vai geral muita coisa boa para o povo catarinense porque os empresários iriam trazer grandes empreendimentos para cá e que, com isso ajudariam a preservar a natureza, além de gerarem empregos. “Temos aqui no estado um grande volume de mata atlântica, e isso é muito bom para o turismo”. De novo o absurdo. Este governo foi o que, segundo pesquisas oficiais, mais desmatou a mata atlântica e que, com esse novo código aprovado, vai poder desmatar muito mais.

Pois, ainda se não bastasse a “farra dos dólares”, gasta com os gigantes do turismo mundial, ainda teve a desastrada presença do presidente Lula que, querendo ser engraçado para justificar o seu atraso aos “ocupadíssimos” homens do business, protagonizou a cena mais degradante. Ao mendigar os investimentos e fazendo propaganda da “primeiromundice” de Santa Catarina, disse que aqui tínhamos um estado rico, com estrutura, o que era bom, pois “os turistas não gostam de miséria. Caso contrário o Haiti seria o paraíso”.

Ora, além de ofender as gentes deste aguerrido país, o presidente Lula mostrou que não tem a menor vergonha de atuar como um capacho dos Estados Unidos na desastrada ocupação do Haiti, onde o exército brasileiro comanda as forças “de paz” da ONU.

E, assim, entre a fartura criminosa de dinheiro público - num estado que ainda não garantiu moradia para os desabrigados de Blumenau e volta as costas aos agricultores premidos pela seca – e a desavergonhada presença do presidente se prestando ao papel ridículo de animador de platéia, a vida em Santa Catarina vai seguindo. Para coroar com chave de ouro toda esta festança de dinheiro público, a população de Florianópolis vai receber, “de graça”, do braço midiático do poder no estado, a RBS, um show do Roberto Carlos. Para esse evento, que deve distrair a consciência das gentes enquanto o governo busca fazer de Florianópolis uma nova Dubai, a empresa siamesa da Globo devastou árvores no aterro sul, bem no espírito “preservação da natureza”. Mas, conforme diz em seu jornal “Diário Catarinense”, tudo vai ser devidamente replantado.

O que se espera, para que esta semana de horror e realismo nada mágico não fique pior, é que o “rei” não termine seu show cantando um de seus clássicos que clama pela proteção das baleias, que é uma espécie de hino à proteção ambiental. Aí sim, haverão apenas duas saídas para os lutadores deste estado. Ou saem pelo aterro afora gritando “Jesus Cristo, eu estou aqui”, em coro com Roberto, esperando ser esturricado com um raio. Ou começam a preparar a revolução. Alguém arrisca uma aposta?

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Então, nasceu!


Já era madrugada naquele longínquo 14 de maio. A noite fechada prenunciava chuva forte. À uma hora da manhã a mulher deu um leve gemido. Não gritou nem fez escândalo, afinal era dessas que suporta tudo no osso do peito. Apenas percebeu que era hora. “Tem que chamar a parteira”, disse a mãe que guardava à beira do fogo. O marido saiu contrafeito. O céu desabou. A pequena casa de madeira, que ficava no meio do nada, estremeceu ao som dos trovões. Os relâmpagos riscaram o céu de breu. Seria uma noite turbulenta. Iansã enlouquecida deslizava pelos campos de arroz do Japeju. Má hora para nascer.

Eram duas horas da manhã quando, no meio da tempestade, se ouviu o som das rodas de madeira da velha carroça da Dona Chica, mulher que trazia à vida os bebês daqueles cantões. Encharcada, ela desceu impávida e adentrou, com seu corpo grande cheirando a marcela. Toalhas, água quente e reza. Esse era o ritual. Iansã, lá fora, seguia com seu rugido. A velha negra, filha da África, nem se importou, acostumada a domar deuses. A mulher, na cama, apertou os lábios e cerrou as mãos. Estava segura com Chica. Nada a temer.

Então, em dez minutos, ali estava a pequenina, com pouco mais que dois quilos, vindo ao mundo no meio da tempestade de raios, relâmpagos e chuva grossa. Saiu mansinha, sem chorar. Chica levantou o corpinho, olhou a cara enrugada. Não bateu. Não era seu feitio. “Oxalufã protege”. A guria, igual a mãe, anunciou o choro, mas não o cometeu. Um esgar na boca e as mãos cerradas. Assim chegou, dura como a noite.

Desde então foi assim. Tão quieta que era esquecida nos cantos da casa. Mas, bicho alucinado, tal qual Iansã, cerrava as mãos a qualquer injúria ou injustiça. Cresceu e hoje completa 48 volta em torno do sol. Carrega no corpo a violência da noite tempestuosa que lhe acolheu. Falta-lhe a leveza. Esse talvez seja o presente precioso. Aquele pelo qual espera. Chegará?...

Esgoto na praia, não!


Agora que é outono caminhar pela praia do Campeche em Florianópolis é como caminhar na beleza. O azul do céu, intenso, se mistura ao do mar que, encapelado, vem bater violento na areia clarinha. Já não há turistas e as pessoas, que arriscam molhar os pés ou tomar o tímido sol, todas se conhecem. A vida assume aquele tom de comunidade que é coisa muito boa.

Pois no dia primeiro de maio esta gente toda se reuniu em frente ao grande oceano para a missa dos pescadores. Mesmo quem não é católico se acerca porque o que vale é desejar sorte aos Pedros do mar. Já faz cinco anos que a colônia de pescadores da região faz o encontro, tentando vitalizar a pesca para que ela não se perca no mundo cada dia mais vazio de artesãos.

Então, na manhã friazinha, o povo se junta para cantorias e rezas, pedindo para que as redes se encham. E, como não podia deixar de ser, vêm também os políticos. Prefeito, secretário da pesca, vereadores. Ficam ali, como peixes fora d´água, parecendo se importar. As gentes acolhem, afinal, espantar por quê? E, ao final, eles fazem discursos e saem felizes, cumprindo os rituais.

Mas, este ano, foi diferente. A comunidade não estava para brinquedo. Até porque a prefeitura está com um projeto de jogar bem ali no mar do Campeche o esgoto de quase toda a ilha. A proposta é construir um emissário que vai mar adentro e solta os dejetos no mar aberto. O povo que conhece de saneamento e ambiente já deu o veredicto: vai contaminar a praia, mesmo que fique bem distante. O mar traz, isso é fato!

Pois na hora do rito, da fala do prefeito, ele foi confrontado. Com a fala mansa e o jeito cismado de pescador, o seu Getúlio, que é quem organiza a festa, colocou a questão. “Na nossa praia não”. E o prefeito, acuado, sem palmas ou vivas, ficou sem chão. “Em algum lugar temos que jogar”. Saiu miudinho, com a saia justa. Pela praia ficaram as gentes a confabular. Pescadores, artesãos, artistas, moradores, surfistas, militantes, todos estão alertas. Esgoto na praia não vai rolar.

Não é à toa que o padroeiro do bairro é São Sebastião. Se o prefeito insistir, muitas são as flechas!... E infinitos os arqueiros...