terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Do que fica na memória

 


No Alzheimer a pessoa perde a memória de fatos recentes e, depois, gradativamente, do passado. Mas, ao que parece, algumas coisas ficam, como lampejos da vida vivida. O pai há muito tempo não me reconhece como filha. Ele me tem como referência, mas é porque estou sempre presente desde que ele acorda até quando dorme, ou mesmo quando desperta de noite. Ele se vira e estou ali. Ele sabe que eu sou a pessoa que ele vai encontrar o tempo todo. Mas, se eu falo com ele e chamo de pai, ele ri.

- Pai, pai, não sou teu pai.

Por outro lado, o nome ele não esquece. Se eu quero chamar sua atenção basta eu dizer: “Seu Tavares!” e ele já se apruma. Outra palavra que faz o olho dele brilhar é Uruguaiana, sua cidade do coração. Vez em quando se lembra de Quaraí, a cidade natal, mas é Uruguaiana que faz o rosto se abrir em alegria. Eu até já fiz uma lista de músicas gaúchas que trazem o nome Uruguaiana, ele escuta e diz: ó, ó. Fica como um menino.

Por enquanto também não se esqueceu de fumar. Quando a gente oferece um cigarrinho, ele escancara o riso e diz “ah, mas que coisa querida”, e fica sentadinho na sua poltrona, rindo com o Rolando Boldrin, sorvendo a fumacinha.

Seu Tavares é um fofo...