sábado, 4 de agosto de 2012

Chávez fala aos brasileiros

Chávez fala sobre a entrada da Venezuela no Mercosul.

Um médico, por favor...


Há três anos quase morri. Estava com uma infecção numa pequena espinha que brotou nas costas e nenhum dos 12 médicos dos postos de saúde de Florianópolis pelos quais passei conseguiu ver. Depois de um mês inteiro de agonia, já com bolas gigantes em todo o pescoço e omoplatas, por insistência dos amigos, decidi buscar um infectologista famoso. Ele me atendeu e em menos de 15 minutos já tinha o diagnóstico. Olhou para mim, deu importância para minhas queixas, realizou um bom exame e medicou. Coisa rara. Em três dias estava bem.

Essa maratona nos postos de saúde me mostrou duas situações: médicos mais antigos, totalmente insensíveis e arrogantes, e médicos jovens, apavorados e despreparados. De 12 profissionais nenhum olhou para a espinha que eu tinha nas costas, sobre a qual eu insistentemente reportava. Alguns deles nem me tocaram, escrevendo a receita do indefectível paracetamol. Uma desimportância com os seres doentes, uma desconexão humana.

Naqueles dias de desespero me veio, nítida, a imagem do Dr. Hildebrando, um médico que cuidava de mim e dos meus irmãos na pequena cidade de São Borja. Morava do lado da nossa casa e minha mãe não tinha dúvidas. Se algum de nós ficava doente, ela saia porta afora e invadia o consultório. Ele era um homem sério, não recordo de vê-lo sorrir. Mas, era cuidadoso. Atendia com paciência e, no final do dia, batia na porta a perguntar como estávamos. Se a doença era grave ele vinha, todos os dias, espiar. Dinheiro era a última coisa que entrava na relação. Se houvesse, muito que bem, se não, também não era problema.

O Dr. Hildebrando era desses médicos que cuidava de seus pacientes por toda a vida. E quando alguns deles morria, ele ia ao enterro, cabisbaixo. Seguia o caixão na sua impotência, visto que sabia que a medicina só ia até certo ponto. Depois, era o mistério.

Médicos como aquele não existem mais. Pelo menos eu não tive a sorte de encontrar por aqui onde vivo hoje, na bela ilha de Santa Catarina. Em 24 anos de moradia, cada vez que fico doente vou num médico diferente. Não encontrei o meu “Dr.Hildebrando”, alguém que me olhasse como uma criatura humana, frágil e insegura na dor. No geral, a maioria nos vê como um talão de cheques ou um pedaço doente. Hoje, há médico para cada pedacinho do corpo. Perdeu-se a ideia de totalidade. Ninguém mais trata as pessoas, só pedaços delas. Tampouco há essa humildade de saber que às vezes, o único remédio que a pessoa precisa é um apertar de mãos e um dizer seguro: fica tranquila, isso vai passar. Não, seus olhares não se cruzam com os do paciente e suas bíblias são os catálogos das indústrias farmacêuticas.

Dia desses enfrentei forte gripe. Com medo da H1N1 fui atrás de médico. Toda a agonia outra vez. Assustada e sem conseguir consulta, me rendi outra vez ao particular. Liguei para 10 clínicas e mesmo pagando não havia vaga. Mais alguns telefonemas e nada de vaga. “Só para o dia 22”, e era dia 2. “Até lá já morri”. “Sinto muito”. Nem pagando.

Perdida de toda a sanidade recorri a automedicação. Pesquisas na internet, buscas nos livros de medicina. Estressada até o último grau, envolvida com greves e outros quetais, fui para a farmácia encomendar os remédios. Por um milagre, a farmacêutica olhou pra mim. E sentiu todo o desespero. Solícita foi perguntando o que era, os sintomas, acalmando. “É gripe forte, mas não é a suína. Fica tranquila. Vai passar”. Caí em lágrimas. Era o que eu precisava. Alguém que pudesse ver um ser humano em escombros. Seu nome é Selma e ela tende na farmácia do terminal, no meio do caos. Sai com o xarope na mão e a alma em festa. Não era o Dr. Hildebrando, mas já estava bom. Ainda assim sigo esperando, que haja, em algum lugar, alguém capaz de cuidar da gente como aquele carrancudo, mas cuidadoso, médico do interior.

E que a doença não me alcançe...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Um homem extraordinário

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Me llaman calle

Mais uma maravilha do Mano Chao. Sensível, poética, dura, bela.


Vendo a cidade real...



A velha e a nova rodoviária de Brasília... 

Viajar é a melhor coisa do mundo. Sempre senti assim. Desde os cinco anos, quando aprendi a ler, debruçada sobre os livros que devorava eu já desejava pisar nos lugares que se descortinavam em fotos coloridas ou desenhos. Vivendo em São Borja, na fronteira com a Argentina, viajar era cotidiano. Aos sábados atravessávamos o rio, de balsa, para Santo Tomé, a comprar balas de leite, batatada, carne e compotas de doce. Aquilo já agigantava os horizontes. Outro país, outra língua, outras gentes. Também eram comuns as viagens de trem, de São Borja à Uruguaiana. Noite inteira sob o matraquear dos vagões, observando a paisagem iluminada pela lua, os campos sem fim, os ñhandus, os homens empoleirados nos cavalos, pastoreando o gado. Aquelas eram cenas que evocavam lonjuras sem fim, lugares misteriosos e fascinantes, coisas tantas para desbravar. Meus olhos de criança, grudados na janela, sabiam que era cheio de estradas o meu devir.

Depois, cresci, e segui meu destino. Andarenga, caminheira, atravessando terras, montanhas, lagos, mares.  De meu, tenho pouco, quase nada. Meu tesouro vive em mim. Cheiros, cenas, sabores, sorrisos, toques, gentes, pequenas pedrinhas amealhadas nos caminhos. Por toda a vida trabalhei para andar, percorrer as estradas secundárias desse mundão. Viajeira de nascença. Talvez seja a herança charrua que me faz nômade, afeita a tendas e pradarias. Disso não abro mão. Gosto de andar pelas rodoviárias desse interior profundo, arrastando a mochila, passado perrengues, conhecendo o que há de mais lindo e mais escuro na alma humana.

Dia desses fui à Brasília, de passo, para seguir ao interior de Minas. Surpresa, deparei-me com a nova rodoviária estadual. Não mais a caótica e feia rodo-ferroviária. Outra, limpinha, enorme, chiquérrima. Dentro dela agora tem uma praça de alimentação, dessas, estilo xópin, com as famosas marcas de comida, estrangeiras e nacionais. Um café com pão de queijo custando nove reais. Pode?

O povo que por ali circula, a maioria migrantes, sempre para lá e para cá, visitando parentes, é pobre. A maioria não tem condições de comprar nas famosas lanchonetes. Fica todo mundo ali, sentado nos cantos, com suas marmitinhas aberta, ou com sacos de plástico cheios de biscoito caseiro e frutas. Por vezes se apropriam das mesas das lojas e se refestelam comendo as iguarias caseiras num inconsciente ato de protesto.

Como bem diz Ítalo Calvino, as cidades sempre escondem outra por trás do que aparentam. Brasília é assim. A nova rodoviária é a tentativa de retratar um esplendor que não há. A verdadeira Brasília salta aos olhos naquelas caras marcadas, por vezes tão tristes, dos sertanejos, dos trabalhadores, dos migrantes, que chegam todos pela entrada do metrô, arrastando suas malas e imensas caixas de papelão. E, na imensidão do novo prédio, cheio de lojinhas burguesas, esse povaréu que não se encaixa, vai construindo um universo paralelo. Aquelas gentes de rosto vincado, de mão calejada, é a vida real, pulsante e bela.  

É isso que fazem as viagens, nos colocam de cara com a verdadeira face da vida.