sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Um espelho no banheiro


Apesar de estarmos no século XXI algumas questões ainda permanecem estagnadas no serviço público, principalmente na universidade. Uma delas é o completo desconhecimento da “mulheridade”. Uso esse conceito em vez do de “gênero” porque o segundo não me compraz. Parece-me que de alguma forma esteriliza as lutas pela emancipação das mulheres e torna tudo meio gosmento, sem identidade. Por isso inventei o conceito de “mulheridade”, porque creio que falar da mulher é falar da diferença e da posição de classe. Não dá para só pensar na mulher como um gênero, porque este gênero se divide em classes e as mulheres da classe dominante são tão opressoras quanto os homens, por isso não me permito misturar as coisas.Quando digo mulheridade quero falar do jeito específico de ser mulher trabalhadora, lutadora, cheia de vontade de mudar esse mundo que aí está como espaço do consumo, da dominação, do medo e da opressão.

Pois um dos aspectos da mulheridade é a beleza. E isso bem que poderia ser considerada coisa do gênero, porque é comum às mulheres que oprimem e às que lutam. Há uma coisa em nós que nos move na direção da beleza, esse jeito de escolher um adereço, uma pintura. Pode ser a mulher mais pobre do mundo, mas ela sempre vai encontrar um jeito de realçar o que é bonito nela. Por isso me encantam as mulheres indianas. Mesmo na mais triste miséria elas vestem-se de cores, pulseiras e pingentes. Sabem que a beleza é um estado de espírito e que se precisa dela para ter força de lutar e mudar as coisas. A beleza nos aquece, enternece, salva. Veja a diferença de uma Margareth Thatcher, a dama de ferro inglesa, com seus terninhos sem sal e o cabelo armado como um capacete. Mulher sem mulheridade. No poder feito um homem, com toda a sua vileza, crueldade, desprovida de ternura.

Outra coisa que atrai ás mulheres é o espelho. Filhas diletas de narciso elas não podem ver um. Porque as mulheres cheias de mulheridade gostam de se ver. No reflexo invertido elas saúdam a beleza, a graça, a ternura que brota nos seus corpos, nos olhos cheios de brilho e vontade de transformar as coisas em volta. Esse adereço indispensável é coisa mítica, é primal. Sem a imagem por inteiro antes do arrancar para o dia, parece que falta algo. É por isso que as mulheres aproveitam cada falso-espelho como as vitrines, por exemplo. Parece que há sempre que confirmar a beleza que nos é intrínseca.

Na Universidade Federal de Santa Catarina o único banheiro a ter um espelho onde a gente se vê por inteiro é o Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Pudera. Ele, geralmente, é dirigido por mulheres. E elas lá sabem muito bem da mulheridade que lhes cabe. Sempre falei deste delicado detalhe do CFH, sonhando com o dia em que o Centro onde trabalho também tivesse espelhos de se ver por inteiro no banheiro feminino. Mas, os demais centros são masculinos demais, incapazes de um gesto de ternura e compreensão da mulheridade.

Pois, ao voltar à ativa neste janeiro, tomei um susto. Susto bom. Ao entrar no banheiro do Centro Sócio-Econômico lá estava ele. Enorme. Desci as escadas conferindo o banheiro de cada andar. E, em todos, assomava o santo oráculo da beleza feminina. Isso me deu um alento. Se no CSE, ao assumir a nova direção sob o comando de Ricardo Oliveira, deu-se um passo na direção da compreensão da mulheridade, isso significa que esta universidade pode, sim, um dia mudar. Sair do atraso, do conservadorismo, do pensamento único, patriarcal, colonialista. O professor Ricardo me surpreendeu com esse gesto de profunda ternura e me deu esperanças! Isso foi um bom começo de ano!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

FSM - inquietações a partir de nosso quintal

Por Rogério Almeida

O geógrafo Milton Santos em suas inflexões sobre o totalitarismo do capitalismo em escala planetária sinaliza que a saída se encontra nas periferias do planeta com as suas territorialidades específicas nos campos de arte, cultura, comunicação e associações em redes. O que sugere uma dissonância ante a tentativa de homogeneização do pensamento.

Em sua 9ª edição do Fórum Social Mundial (FSM), em seu regresso ao Brasil baixou numa periferia considerada estratégica para as décadas que se seguirão, caso o mundo não exploda antes.

Quando do anúncio da realização do FSM na Amazônia a crise no mercado não constava na agenda, ainda que anunciada por alguns. O que desnuda os limites do modelo em voga.

Desde a sua realização no começo da década, um cipoal de cenários passou por significativas modificações. A democracia na América Latina soa numa perspectiva à esquerda.

A eleição pela primeira vez de um indígena na Bolívia não pode passar despercebida, tanto que mobilizou a tentativa de golpe da elite local. Equador, Venezuela, Chile indicam outras perspectivas. E qual o papel mesmo do Brasil nesse xadrez? Parceiro ou imperador?

Há um outro diferencial das edições anteriores do FSM, a presença dos representantes de Estado do continente. Positivo? Palanque?

Eis a nona versão do FSM na Amazônia. O vasto território rico em recursos hídricos, terra e os recursos nela cravados e uma pujante biodiversidade, mobiliza os mais variados interesses e debates dentro e fora da região dos mais diversos segmentos.

O FSM é realizado em Belém. A capital do segundo estado em extensão territorial do país é uma cidade que inchou sufocando seus rios e igarapés. Um milhão e meio de pessoas é a população estimada, em condições de moradia consideradas no limite da humanidade.

Chove nesses dias de FSM. As baixadas (favelas) é a parte que mais padece. Todo ano a mesma história. Como os desmoronamentos de morros nas ditas metrópoles do país. Assim como se repete a saga dos desabrigados em Santarém, oeste do estado e no município de Marabá, a sudeste.

Belém, próxima de completar 400 anos é quase uma ilha. Os rios Pará e Guamá e um mundo de afluentes formam a baía do Guajará. As capitais e as médias cidades da Amazônia do Brasil já concentram a maioria da população. O que não implica o rompimento das mesmas com o universo rural. A cidade tem o cheiro e a cor de negros e índios em suas raízes.

Mas, somos tão periferia assim, que nem mesmo os ditos espaços de comunicação da esquerda não nos dão ouvido fora de um plano de mobilização internacional como o FSM?

Aqui, ainda que um caleidoscópio de movimentos sociais seja vasto, não se consegue afinar a viola e tratar a comunicação como algo estratégico e nem mesmo se consolida um portal para servir de abrigo sobre as experiências exitosas e as denúncias de violações dos direitos humanos.

O FSM pode ser uma possibilidade? Ou ficará tudo como dantes no castelo de Abrantes, cada um em seu escaninho numa corrida desenfreada por financiador?

No segundo dia dedicado ao FSM, 28, uma parte das amazônias da Pan-Amazônia, que engloba nove países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, além da Guiana Francesa), mobilizará esforços para debater os dilemas da região. Governo, sociedade, modelo de desenvolvimento e Estado estão na berlinda.

Quais os desenvolvimentos possíveis para a região? E em nosso quintal, como equacionar a ação do Estado, ainda o principal indutor da economia numa política que cimenta trilhas já surradas, onde os passivos são socializados e os louros gozados em terras distantes?

Como será possível escapar da condição colonial de exportador de matéria prima e produtos semi-elaborados com apenas 1% do investimento em pesquisa de um esquálido recurso? O professor Gadotti costuma salientar que o processo do capital na Amazônia é um atentado contra a razão. Continuaremos no mesmo diapasão?

Para onde se lança olhos no território do Pará nota-se situações de conflito entre fazendeiros, grandes corporações e as populações tratadas como originárias. Na região do Marajó quilombolas são ameaçados pelo fazendeiro Liberato de Castro e a família Condurú, proprietária de cartório em Belém. Quilombolas também são ameaçados pelo mineroduto da Vale no município de Mojú e em Juriti a peleja é com a ALCOA, empresa americana do setor de alumínio.

No Xingu a construção de Belo Monte coloca em lados opostos indígenas e megas corporações. No Tapajós as tensões residem sobre a monocultura da soja da Cargil e camponeses, sem falar nas barragens projetadas. E assim vai.....Vamos? Para onde?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Mais uma ameaça para o funcionalismo


O ano de 2009 começa apresentando inúmeros desafios aos trabalhadores das universidades. E um dos “tenebrosos” é volta da proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública, que já havia sido aprovada na Câmara como Emenda Constitucional 19, em 1998, criando inclusive o chamado emprego público, que, na prática era a contratação sem concurso pela CLT. Essa lei acabou sendo abortada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2007, por conta de problemas de ordem regimental. A alegação era de que não havia sido respeitado o quorum mínimo para a aprovação. O fato é que isso caiu.

Pois, no ano passado o deputado Eduardo Valverde, do PT de Rondônia apresentou no mês de novembro uma nova PEC, que leva o número 306/08, que apresenta outra vez a proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública. Passando essa emenda os servidores públicos poderão ser contratados pela CLT ou pelo regime estatutário que abrangeria apenas as chamadas carreiras típicas do estado, tais como as da Justiça e da Diplomacia.

A idéia do deputado visa dar solução à situação dos trabalhadores que foram contratados via emprego público durante o tempo em que esteve em vigência a EC 19. Singelo! Na verdade, o que o deputado petista quer provar é que a administração pública pode e deve funcionar como uma empresa privada, ajeitando as coisas para quando tudo ficar na mão das Fundações Estatais. É tudo muito orquestradinho, e vai se fazendo devagar, pelas beiras, sem muito alarde.
Valverde, no melhor estilo rançoso do neoliberalismo agonizante afirma que "é necessária a flexibilização do regime das relações de trabalho firmadas com a administração pública".
Assim, enquanto em alguns países da América Latina os novos governantes vão aprofundando mudanças estruturais significativas que acabam de vez com o perfil neoliberal que tomava conta do continente, aqui, os petistas insistem na forma velha de gerir o público. Não conseguem ver que esta prática de privatizar tudo o que é público já faliu de vez. No rumo do atraso, o deputado petista insiste, usando as palavras-chave do velho regime: “a mudança otimizará as contratações pelo administrador nas hipóteses que demandam prestação de serviços não permanentes, compatibilizando os gastos em folha com uma eventual mudança na necessidade daquele serviço à população”. Trágico.

O fato é que esta “singela” vontade do deputado Valverde balança com toda a estrutura do serviço público e, ao que parece, a turma ainda está anestesiada pelos ganhos conseguidos com as últimas lutas que, ainda sendo poucos, conseguem calar uma boa parcela das categorias.

O lulinha paz e amor segue com altos índices de aprovação. Enquanto isso seus companheiros de partido vão atacando pelos flancos. O mês de janeiro é um tempo de férias nas universidades, fevereiro ainda não chegou e o carnaval está longe. Vamos torcer para que o povo não espere março chegar para abrir os olhos, porque enquanto as gentes cumprem seu merecido descanso, os dirigentes dos sacos de maldade seguem a todo vapor. É por isso que eu sempre digo, na vida sindical não há tempo para o descanso. Quem opta por este caminho tem de saber que aqui não é a Guerra de Tróia, onde os guerreiros acordavam entre si os momentos de trégua para descansar. Aqui é a luta de classes do capitalismo selvagem. Não há tempo para torrar ao sol.