sexta-feira, 12 de junho de 2015

Mosteiro da trindade - centro da religiosidade russa





Serguiev Possad, a 70 quilômetros de Moscou, é o centro da religiosidade russa. Ali fica o belíssimo Mosteiro da Trindade, sede central da Igreja Ortodoxa, cujas bases foram assentadas pelo mais venerado dos santos russos, Sérgio de Radonej, que é também patrono do país. Ele nasceu em Rostov, em 1314, filho de família nobre e poderosa. Tinha tudo para viver tranquilo na riqueza mas, preferiu pregar pelo país. Em 1345, em Possad, ergueu a primeira igreja em honra da santíssima trindade, toda em madeira. Mais tarde outros mosteiros se somaram e hoje formam uma maravilha arquitetônica da fé ortodoxa.  Sérgio morreu em 25 de setembro de 1392 e suas relíquias estão na Catedral da Santíssima Trindade.

Em 1408 todo o mosteiro foi devastado durante uma invasão tártara, mas em 1422, quando São Sérgio foi declarado padroeiro da Rússia, começou a ser levantada a primeira catedral de pedra. Os mais importantes pintores de ícones da Rússia, Andrei Rublev e Daniil Chyorny, foram chamados para decorar a nave central. Em 1476, Ivan III chamou vários mestres de Pskov para construir a Igreja do Espírito Santo, famosa até hoje por seus sinos. 

A Catedral da Assunção levou 26 anos para ser construída, e foi  encomendada por Ivan IV, em 1559. Ela é bem maior que a Catedral da Dormição, que fica no Kremlin em Moscou. No final do século XVII, quando Pedro I se refugiu dos inimigos no mosteiro, várias construções já tinham sido adicionadas ao local. A Igreja da Natividade de João Batista, com cinco cúpulas, foi encomendada pelos Stroganovs.

Durante mais de quatro séculos aquele foi o mosteiro mais rico de toda a Rússia, atraindo milhares de pessoas para rezar e ver seus manuscritos medievais. Mas, em 1917, com a revolução russa, os monges forma presos, os mosteiros e igrejas foram fechados, sendo os de Possad transformados em prédios públicos e museu. Em 1930 vários dos famosos sinos foram destruídos, embora os seguidores da fé tenham conseguido salvar alguns, que hoje já estão de volta no local. 

Em 1945, durante a grande guerra, Stalin permitiu que os mosteiros voltassem para as mãos da igreja, tornando-se então sede do Patriarcado (moradia do Patriarca, grau maior dos monges da igreja ortodoxa). E, finalmente, em 1993, o complexo tornou-se patrimônio mundial da humanidade. 

Hoje, é intenso o fluxo de fiéis e turistas. Vivem ali 300 monges e 700 estudantes. Todos os prédios foram restaurados e o conjunto fulgura na paisagem como uma joia. Para boa parte dos russos, se há algo que se configura imperdoável ao regime soviético, é justamente o fato de terem destruído, desprezado ou subutilizado as igrejas e mosteiros. A religiosidade é um dos elementos mais presentes na vida do povo russo.

Mesmo antes da chegada da igreja ortodoxa, em 988, os russos adoravam vários deuses. Muitos deles ainda permanecem no imaginário cultural e a população os cultua mesmo sem saber. Um exemplo disso é o costume de ornamentar as janelas da frente das casas para impedir a entrada de maus espíritos. É que no passado, os ídolos e símbolos da velha religião eram colocados nos batentes, justamente para afastar as coisas ruins. Também o galo que se vê em quase toda casa russa tem origem nas antigas tradições espirituais. Ele desperta o sol e dissipa a escuridão.  

Com a entrada da fé cristã, pela via ortodoxa, a partir de missionários vindo da Estônia, os velhos deuses foram sumindo e com a ajuda das famílias reais a igreja foi abrindo espaço e poder. A tal ponto de nos kremilins ( cidadelas fortificadas onde fica o centro do poder russo) ficarem, juntas, a residência do príncipe e do patriarca. 

Hoje, na Rússia pós-soviética, há uma retomada do poder da igreja e da fé. O Mosteiro da Trindade, em Possad, é um exemplo vivo de tudo isso. Tão movimentado quanto o Vaticano, ele é atualmente destino prioritário para os peregrinos russos. E ninguém sai de lá sem alguma relíquia de São Sérgio.


E a comunidade estava certa!



Comunidade lutou, protestou e enfrentou a polícia... *mas, a luta segue



Decisão da Justiça determina a realização de audiências públicas para o plano diretor de Florianópolis e nova votação



No último dia 05 de março, saiu a sentença, assinada pelo juiz federal, Marcelo Krás Borges, sobre a ação civil pública do Ministério Público Federal contra a prefeitura de Florianópolis, sobre o Plano Diretor da cidade, que foi votado no apagar das luzes de 2014, de forma polêmica e irregular. Tudo o que fora denunciado pelas entidades e pela comunidade que se mobilizou em protestos, foi respaldado pelo juiz. O plano terá de passar pelas audiências públicas, com consequente nova votação na Câmara. É uma grande vitória das gentes de Florianópolis, afinal, não é todo o dia que o judiciário rima com Justiça. 

A mídia catarinense divulgou de maneira tímida a decisão de que deverão ser feitas as audiências, conforme exigiam as comunidades, e, de certa forma ocultou a riqueza dos argumentos do juiz Marcelo Borges, ao proferir a sentença. Por isso, recuperamos aqui boa parte do documento, que tem 11 páginas, para que a cidade saiba que aquilo que foi denunciado tem amparo também na letra fria da lei. Não dá para esquecer que nas duas votações realizadas de maneira irregular pela Câmara de Vereadores, a comunidade organizada participou, protestou e até apanhou da polícia, como sempre acontece quando a maioria reivindica direitos.  Alguns desses manifestantes terão cicatrizes para sempre, mas elas também servirão para mostrar que a luta não foi em vão.

Os fatos

Na ação, finalmente julgada agora em março, o MPF pleiteava que a Câmara de Vereadores devolvesse o Projeto de Lei do Plano Diretor ao Poder Executivo Municipal e que a prefeitura realizasse as audiências públicas obrigatórias. É bom lembrar que o projeto foi votado, sem que nem os próprios vereadores conhecessem o conteúdo das mais de 600 novas emendas que foram agregadas. E, conforme a lei, se há mudanças, a comunidade deve ser ouvida novamente. Além disso, muitas das contribuições feitas durante o processo participativo também ficaram de fora. 

Por conta disso, o Ministério Público Federal insistiu que as audiências fossem feitas e que a União fiscalizasse o estrito cumprimento da Lei do Estatuto das Cidades, já que o mesmo define a participação efetiva da população na elaboração do Plano Diretor. Em Florianópolis, o processo aconteceu durante sete anos, mas sempre entre marchas e contramarchas, e acabou atropelado pelo prefeito César Souza Jr, bem como pela maioria dos vereadores. 

A ação contra a prefeitura tramitou e o executivo apresentou sua defesa alegando que o processo teve ampla participação popular e que a polêmica só estava dada por conta da "ideologização" do tema, uma vez que muitos dos representantes comunitárias tinham sido candidatos nas últimas eleições. Argumento sofrível.

Cumpridos todos os ritos, o processo teve então a sua sentença final nesse dia cinco. Nele, o juiz entende que persiste o interesse da sociedade de participar de audiências públicas, a fim de que haja uma nova votação do Plano Diretor, na qual seja respeitado o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Diz ainda que nada impede que a prefeitura realize as treze audiências públicas solicitadas, vindo a Câmara de Vereadores a reapreciar o Plano Diretor já aprovado. "Com efeito, o próprio prefeito declarou publicamente que o Plano Diretor poderia ser reavaliado este ano, não havendo qualquer impossibilidade por parte da Câmara de Vereadores na reapreciação da matéria".

Sobre a alegação, por parte da prefeitura, de ilegitimidade de participação da União na fiscalização do Plano, o juiz não acata, argumentando que, conforme a Constituição: "'Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Logo, fica claro que todos os entes da federação tem a obrigação de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

Entende ainda o juiz que foi por isso mesmo que a União Federal teve a iniciativa de editar o Estatuto das Cidades, no qual foi criado o conceito de cidades sustentáveis. "Com efeito, no passado, as grandes cidades possuíam uma maior qualidade de vida. Florianópolis, por exemplo, não possuía problemas de mobilidade urbana e todas as suas praias eram limpas. Com o crescimento desordenado e sem planejamento, o trânsito tornou-se caótico e muitas praias, tais como em Coqueiros, Estreito e Beira-Mar Norte, tornaram-se quase totalmente poluídas, em face do grande crescimento e da ausência de obras sanitárias. Assim, revelou-se a necessidade de a União defender a sustentabilidade dos espaços urbanos, o que culminou na edição do Estatuto das Cidades e obrigou os municípios a uma gestão participativa do espaço urbano, a fim de que não fosse privilegiado apenas o desenvolvimento econômico, mas também o meio ambiente sadio, como prevê a Carta Magna".

O juiz esclarece que, com base nesses exemplo, é patente que o Município de Florianópolis deixou de cumprir as disposições expressas do Plano Diretor, tornando mais vulnerável o direito fundamental ao meio ambiente sadio, o qual deve ser defendido por todos os entes federativos. "A União tem investido centenas de bilhões em saneamento básico, mobilidade urbana e mais outros milhões de reais nas Conferências Nacionais das Cidades, justamente para instruir os Municípios a criar uma gestão participativa e democrática. Ora, é obrigação da União instruir e coordenar os municípios, a fim de que respeitem o Estatuto das Cidades, de modo a tornar sustentável o município de Florianópolis". 

Segundo ele, a partir dos ensinamentos do Desembargador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, não existe um meio ambiente exclusivamente municipal, e sim um meio ambiente único, a cujo equilíbrio ecológico todos tem direito. Por isso, compete também à União defendê-lo, mesmo na esfera municipal. E que o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado não diz respeito apenas à proteção de matas, floras e da fauna, mas também ao espaço urbano onde vive a maioria da população. "Desta forma, revela-se evidente a legitimidade da União, inscrita expressamente na Constituição Federal, eis que um Plano Diretor no qual não há consulta à população por meio de audiências públicas pode vir a prejudicar bens da União, tal como autorizar projetos de construção em manguezais e áreas de restinga, bem como estimular a ocupação em praias e outras áreas de preservação permanente de interesse direto da União", diz a sentença.

Para o juiz Márcio Borges, o prefeito comete ato de improbidade administrativa quando impede ou deixa de garantir os requisitos contidos nos incs. I a III do §4º do art. 40 do Estatuto da Cidade, que define a necessidade de audiências públicas sobre o Plano Diretor, a publicidade dos documento e o acesso público a eles, coisa que não foi cumprida no caso das 600 emendas. Alega que: " não existe verdadeira democracia, nem Estado Democrático de Direito, se não for possibilitada a efetiva participação popular por meio de audiências públicas quando da elaboração do Plano Diretor".

Na sentença, rejeita também a argumentação da prefeitura de que seria a Câmara de Vereadores a que deveria ser citada: "A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica própria. Não se está discutindo no processo os interesses institucionais de seus membros, mas sim o direito da sociedade em participar democraticamente da elaboração do Plano Diretor. Não se está discutindo nenhum ato 'interna corporis', até porque a votação do Plano Diretor foi um fato superveniente que não está descrito na petição inicial. Assim, não há sentido em se exigir a citação da Câmara de Vereadores, eis que a ilegalidade foi cometida pelo Município de Florianópolis, não estando descrito na petição inicial nenhum ato ilegal cometido pela Câmara de Vereadores". Insiste ainda que mesmo a autonomia municipal não é um princípio absoluto, ilimitado, quando o que está em jogo é um direito fundamental da sociedade. 

Alega ainda, na sentença, que o Município de Florianópolis tenta alterar a verdade dos fatos ao dizer que houve sete anos de debate. O tempo do processo é verdadeiro, mas " o Ministério Público Federal trouxe provas documentais inequívocas de que em 2008 o IPUF desmontou as estruturas dos núcleos distritais e deixou de convocar as reuniões do Núcleo Gestor, justamente quando estava sendo preparada audiência pública para discutir o anteprojeto".

Segue a argumentação do juiz: "Assim sendo, houve uma interrupção e se iniciou um processo de elaboração totalmente novo. Tais fatos estão amplamente documentados e são públicos e notórios, tendo o Ministério Público Federal já naquela época exigido a realização de audiência pública para análise e debate sobre o anteprojeto, para cumprimento do requisito essencial da participação legítima da sociedade. 

Sobre a atuação da nova administração, de César Souza Jr, reconhece que houve uma retomada do processo, mas que isso não garantiu a participação popular. "Com efeito, o Município alega que houve um clima de enfrentamento ideológico e que novamente o Núcleo Gestor teve que ser dissolvido. Ora, a finalidade das audiências públicas é justamente que todas as correntes políticas e ideológicas possam ter liberdade de expressão para discutir, contestar, expor suas inconformidades, como em uma democracia verdadeira. Se não é aberto espaço para a expressão do pluralismo político, não há uma real democracia. Mesmo entidades minoritárias, em uma democracia, tem o direito de manifestar sua opinião quando está em discussão o planejamento de toda uma cidade".

Segue a sentença: "Assim sendo, revela-se falacioso o argumento de que houve mais de sete anos de discussões. As dezenas de reuniões, oficinais setoriais e outros eventos realizados não podem ser equiparados a audiências públicas. Mesmo que o Município tenha realizado mais de uma centena de reuniões, tais reuniões não obedeceram ao Princípio da Publicidade, não tiveram seu objeto de discussão previamente noticiado, a fim de que a população pudesse participar e discutir preparada tecnicamente". 

Observa ainda que "o próprio Município de Florianópolis confessou em sua contestação que suprimiu o direito à participação da sociedade alegando várias justificativas, tais como burocratização excessiva, problemas de proporcionalidade da representatividade, entre outros. Ora, o Núcleo Gestor foi criado pela própria prefeitura. Sua forma de organização e representação tem origem no próprio Decreto Municipal antes citado. Assim, jamais poderia tal processo de participação ter sido abortado em razão das mais diversificadas desculpas". 

Para o juiz, as audiências setoriais e as oficinas técnicas que a prefeitura alega ter feito não se constituem em Audiências Públicas, com todos os ritos que elas implicam. Logo, entende que o município não respeitou a lei. "Se o Estatuto das Cidades estabelece a realização de audiências públicas para real efetivação da participação, não há como o Município querer fraudar o Estatuto das Cidades, realizando oficinas técnicas justamente para afastar os oponentes políticos dos debates. Tal ardil fraudulento impede o pluralismo de ideias e a verdadeira democracia, a qual somente pode ser possibilitada pela efetiva participação popular".

Diz ainda que "a finalidade das audiências públicas não é apresentar para a população o anteprojeto do Plano Diretor e sim discuti-lo democraticamente, o que não foi realizado. Somente após a votação pela Câmara de Vereadores é que as comunidades de bairros ficaram conhecendo o verdadeiro conteúdo do novo Plano Diretor e como tal Plano impactaria a sua vida. Tal fato é público e notório. Como é possível chamar isso de participação democrática? Estivéssemos em pleno regime militar, tal procedimento ainda seria plausível, já que naquele tempo não era estimulado o livre debate de ideias. Todavia, nos dias de hoje, a pública e notória supressão do debate sobre um projeto de lei tão importante revela que ainda existe um preconceito sobre o exercício da participação popular. Desse modo, tenho que foi claramente violada a Constituição em seu artigo 1º, caput, que assegura a participação da população no processo democrático".

O juiz aponta ainda que a União deve ter uma fiscalização mais dura no que diz respeito ao Estatuto da Cidade: "de nada adianta criar o Estatuto das Cidades, dispender bilhões em obras sanitárias e de mobilidade urbana, mas simplesmente concordar com a criação de um Plano Diretor sem qualquer participação popular. Assim, a evidente violação da Constituição impõe uma atitude mais ativa da União no futuro, de modo a prevenir e não apenas reparar danos ambientais que irão certamente ocorrer em um futuro próximo, notadamente em bens pertencentes à União, tais como manguezais e vegetação de restinga".

Assim, julga procedente a ação do MPF e determina que se realizem, em 60 dias, as Audiências Públicas sobre o Plano Diretor, com ampla divulgação e incorporando o que foi discutido nas comunidades bem como as propostas do executivo. Condena também a União a orientar e fiscalizar o estrito cumprimento da Lei do Estatuto da Cidade e das Resoluções relacionadas ao processo participativo para elaboração do Plano Diretor de Florianópolis, adotando as providências extrajudiciais e judiciais necessárias para tanto. Fixa ainda uma multa de 10.000.000,00 (dez milhões de reais) para hipótese de descumprimento da sentença, salientando que o prefeito municipal incorrerá em improbidade administrativa em caso de descumprimento.

A prefeitura ainda tentou reverter, mas perdeu. A sentença foi mantida pelo TRF em 26 de maio.  

Dito isso, agora é acompanhar as audiências e fazer valer a voz da comunidade. A luta de toda a gente que se envolveu com a discussão do plano ainda não acabou. Mãos à obra, então. 

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O fim do jornalismo?







Vez ou outra me debruço sobre alguns textos que decidem o fim do jornalismo nesse nosso maravilhoso século tecnológico. O sítio "observatório da imprensa", o qual recomendo, é um bom espaço para garimpar as novidades.  Muitos estudiosos apontam que as novas tecnologias agora propiciam que, pelo menos, três bilhões de pessoas em potencial digam algo sobre o que acontece no mundo ou na vila. São os que chamam de "conectados", ou seja, os que de alguma maneira conseguem se ligar a rede mundial de computadores. Com base nessa premissa, como num silogismo simples, concluem então, alguns, que não há mais a necessidade do jornalista. Ou, numa conclusão às avessas: se todos podem falar, todos são jornalistas.  Seja lá como for, é o fim do jornalismo, dizem. Rumino isso com muita paciência e, aqui, teço três singelas considerações.

1  - A internet é uma força real de informação

Sim, isso é um fato. Ainda que tenhamos quatro bilhões  de pessoas sem acesso, não se pode negar a força que tem a rede mundial de computadores. As informações transitam em tempo real por qualquer parte do mundo. Podemos saber de coisas que aconteceram agora mesmo na Islândia, na China, no Paquistão, em Belize, na República Dominicana. A mídia convencional, inclusive, já se pauta pelas postagens mais exóticas ou "bombadas" da net. Mas, isso balança o conceito de jornalismo? Seria o jornalismo isso? O simples repasse de informações em tempo real? Diz o escritor Fernando Moraes numa entrevista ao jornal Notícias do Dia (11.06), falando  sobre essa plataforma: "Internet é muito mais imagem. Um exemplo disso foi o assassinato do [Muammar al-]Gaddafi, linchado publicamente. Ali em volta, estavam pessoas com celulares na mão filmando tudo e, minutos depois, aquilo estava no planeta inteiro. No dia seguinte, não tinha nenhum jornal do mundo que desse uma do que a que você viu com os seus olhos. A imprensa convencional já não consegue mais acompanhar a internet".

Permito-me concordar e discordar. Moraes está certo quando diz que a informação crua das cenas de Muammar sendo linchado e morto foi sem concorrência. Mas, apenas para o quesito informação. Jornalismo é mais que isso. Imagine que a pessoa que vê as cenas nunca ouviu falar de Gaddafi. Que depreenderia daquilo? Violência, tortura, assassinato. Mas, por quê? Quem era aquele homem, sua história toda, e o que levou aquela gente àquilo? Isso faz o jornalismo. Não necessariamente o jornalista. Pode ser qualquer um. Só que esse um terá de conseguir passar, para além da imagem crua, a atmosfera universal daquele fato, como bem já ensinou Adelmo Genro Filho no seu "Segredo da Pirâmide". O contexto, a história, as causas e as consequências. Não creio que os três bilhões de internautas queiram produzir informação assim, com esse nível de complexidade. No geral querem passar informações banais sobre suas alegrias, suas vitórias, as belezas que contemplam. 

Nesse sentido, a rede mundial, que é, sem dúvida, uma plataforma incrível e potencializadora, não necessariamente produz informação de qualidade, que seja de interesse público, com toda a profundidade que uma mediação jornalística pode dar. 

2 - A internet matou o jornalismo

Discordo totalmente. Quem matou o jornalismo foram aqueles que, seduzidos pelo sistema capitalista, há 300 ano, decidiram se apropriar desse fazer - que é a análise do dia - para vender suas mercadorias. Foi quando o jornalismo passou a ser mera ideologia, propaganda, espaço de expressão de interesses de grupos específicos ligados à classe dominante. Noam Chomski, no seu clássico "Guardiões da Liberdade" mostra, com bem mais propriedade do que eu, o que podem fazer um governo ou os grupos de poder para, usando a "forma" jornalismo, que vem carregada de conceitos como imparcialidade, neutralidade e objetividade, manipular a opinião pública a seu bel prazer contra aqueles que são eleitos como "inimigos".  

Adelmo Genro Filho ensina o que é o jornalismo: uma forma de conhecimento que narra a partir da singularidade de um fato qualquer, mas apresentando elementos que levem o leitor/ouvinte a compreender a universalidade daquele momento único. Ou seja, usando a morte de Gaddafi como exemplo, uma matéria jornalística teria de, mostrando as cenas, apresentar ao espectador as causas que levaram àquele singular minuto. O jornalista teria de apresentar uma análise sobre aquilo. Uma análise. Não desprovida de subjetividades ou parcialidades. Mas, uma análise, um ponto de vista, baseado em fontes confiáveis. Que poderia depois ser confrontado com outros. 

O jornalismo não é coisa fácil de se fazer, talvez por isso as pessoas vivam matando o coitado. Exige do jornalista conhecimento profundo sobre a realidade, conhecimento de história, pensamento crítico. Exige cuidado com a língua, experiência narrativa, domínio sobre o texto. O jornalismo exige a busca de várias fontes, a checagem e a rechecagem da informação, exige faro, bom senso, cuidado com a vida do outro. Jornalismo produz histórias que contam do humano e, nos fatos mais rasteiros do cotidiano, preciso apontar a universalidade da existência, desenhar a atmosfera totalizante na qual está mergulhada o fato. Ah, coisa complexa e trabalhosa. 

Então, não culpemos a indústria tecnológica pelo fim do jornalismo. Ela é só mais uma faceta do sistema capitalista que tudo que toca transforma em lucros para uns poucos. E, com seu poder - que chega às raias do vício - nada mais é do que um terreno fértil para a manipulação e o engano, como já foi o rádio e a televisão. Quem de nós, mesmo os mais experientes, já não foi enganado nessa teia desesperante que são as redes sociais? 

É certo que o mundo conectado também aliena e esconde. Nem mesmo essa ideia, aparentemente generosa, do inventor do Facebook, o Mark Zuckerberg, de garantir internet para os pobres, acompanhada do face gratuito, está desprovida de interesses. É tudo uma grande enrosco para que as empresas de transmissão de dados sigam com seus lucros astronômicos.  Nenhum empresário, do tipo "tudo por dinheiro", como parece ser o caso desse rapaz, dá almoço grátis. Coisas bem tenebrosas estão por trás, como a perda da privacidade, a vigilância universal. Isso nos ensina a observação cotidiana das ações dos capitalistas no mundo. 

3  - Onde está o jornalismo?

Então, se não é a internet que mata o jornalismo, onde ele anda? Pois essa é uma questão importante. Mostra que mesmo nos jornais, emissoras de rádio, emissoras de TV e portais de notícia, o jornalismo já foi assassinado. Quais são os fatos que a gente vê na TV? E como é a abordagem? Qual o interesse público real? O que dizem os jornais? Está vivo o jornalismo na mídia tradicional? Faz-se, por acaso, nos meios alternativos? 

Pois no meu livro "Em busca da Utopia: Caminhos da reportagem no Brasil, dos anos 50 aos anos 90" fui atrás do jornalismo. Queria ver se as reportagens feitas nas revistas de informação, cada dia mais voltadas para os textos curtos, sem contexto, sem autoria, ainda viviam. Pois descobri que sim, viviam. Eram pequenos oásis de belezas, preciosos oásis de jornalismo, nas páginas recheadas de lixo, ideologia e propaganda. Ali estavam porque vinham pela mão de criaturas que sabiam como escrever um texto. Jornalistas que faziam jornalismo. O jornalista-autor, como bem caracteriza a professora Roseméri Laurindo no seu importante  livro "As três dimensões do Jornalismo". 

Assim que o jornalismo não é coisa que possa morrer enquanto houver alguém - um jornalista - que se disponha a praticá-lo como se deve, para além da marca da empresa, dos interesses dos poderosos ou da propaganda de esquerda. 

O jornalismo, bem disse Adelmo Genro Filho, pode ser usado para manipular pela direita ou pela esquerda. Mas ele pode também ser uma prática libertadora, emancipadora. Se a pessoa que vai narrar um fato tiver a delicadeza de ouvir vários lados, observar o entorno, conhecer a história, levantar as causas, apontar as consequências, ainda que determine muito bem a sua posição diante do fato, certamente oferecerá ao leitor uma "fina iguaria", como insistia Marcos Faerman, um repórter da boa cepa. 

O jornalista é um ser que toma posição, e narra a vida no seu contexto. É esse ser que precisa de atenção, formação e cuidado. O jornalismo não é um ente, é só uma prática humana. Quem o define somos nós, que o fazemos. E enquanto houver um só que se debruce sobre os fatos singulares buscando a totalidade da vida, o jornalismo viverá. Seja no rádio, na revista, na televisão, no jornal ou na internet. E ele viverá, porque é da condição humana essa sede de saber.

A informação pura e simples não é coisa que se despreze. Para uma mãe com o filho febril, faz toda a diferença saber se o médico está no posto de saúde ou não. Mas para quem quer compreender o mundo na sua universalidade isso não pode bastar. Há que se compreender o mais possível acerca do fato. Há que se oferecer uma análise crítica sobre as informações. A vida na sua imanência é por si só uma informação preciosa,  mas nós, jornalistas-autores, temos por obrigação ética narrá-la no contexto histórico de cada personagem.

O jornalismo vive, e tal qual a fábula da princesinha que mesmo dormindo sobre centenas de colchões sentiu um grão de ervilha, assim, nós, que respiramos texto/contexto, sabemos reconhecê-lo quando ele aparece, ainda que escondido nas grandes empresas ou nas pequenas experiências alternativas. 

Quem tiver olhos para ver, que veja!