quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Sobre a educação e educadores


Conheço um educador que foge do senso comum. Seu caminho é o das estrelas e do profundo respeito pelas crianças e suas reais demandas. E nisso é inflexível: criança tem de brincar, tem de imaginar, tem de sonhar, tem de inventar. E a escola precisa ser o espaço onde tudo isso é possível. 

Na sua prática cotidiana, em uma escola de primeiro grau, ele concretiza essas ideias e ações que já explicitou em palavras nas suas pesquisas de mestrado e doutorado. E trata a criança como um nascedouro de belezas, que precisa ser estimulado a criar, a sonhar e a realizar. Sua figura já é um chamado ao lúdico, ao riso bom, ao caminho que desvia da mesmice e da obediência. Ele é ser que desaloja, que desloca, que tira do lugar. Por onde anda, carrega suas tendas coloridas, seu bonecos, sua meninice saltitante. E todos os dias quando chega à escola tem uma novidade para seus alunos, que o esperam como quem espera o mago das montanhas. Tudo nele é mágico e belo. 

Impregnado de América Latina e de brasilidade ele vai esgrimindo essa vida cheia de gente triste, de misérias e solidões. Hoje, ele apareceu de gnomo de jardim e nas suas adoráveis brincadeiras vai educando, incitando à partilha,  à solidariedade, ao amor e à alegria. A vida tem sentido com ele. Ele nos resgata da adultice. E eu o amo por isso. 


Onde estás, humanidade?

Uma das brigadas médicas cubanas no Haiti

Sempre que tomo conhecimento das maldades humanas, como essas de jovens negros amarrados e chicoteados, preciso loucamente encontrar um lugar de humanidade e sanidade para seguir vivendo. “Isso é herança da escravidão”, dizem alguns. Pode ser. Mas, como se termina com isso? E por que em outros países onde também teve escravidão, isso não acontece? Não creio que seja só culpa do presidente eleito. Afinal, ele apenas plasma aquilo que seus eleitores e apoiadores são. Ou seja, essa maldade, essa vilania, já estava aí. Agora encontrou uma boca para se expressar e conseguiu dar poder a isso. Afinal, quando um presidente fala, isso tem um peso. 

O ódio aos negros, o amor à tortura, o ódio aos empobrecidos, aos lutadores sociais que tentam sobreviver nesse mundo de misérias, são ideias que agora passeiam livres, arrogantes e seguras de impunidade. É um tempo anômico, ou seja, sem lei. Todos os contratos sociais de civilidade foram rasgados. Salve-se quem puder.  Arme-se, defenda-se por si só. Essa é a parada. Então o guri tentou pegar um chocolate? Matem-no. Mas deixem livres os que fazem apologia ao assassinato, à tortura. Deixem livres os que matam milhares com políticas econômicas de arrocho. Deixem livres os que tiram a possibilidade dos jovens estudar. Matem os negros, matem os sem-terra, os sem-teto. Mas, deixem livres os fazendeiros que matam com agrotóxicos. E os que põem fogo na floresta. Essa é a nova ordem!

Desesperada por encontrar algo de humano fiz o que sempre faço nessas “horas noas” (tempo de angústia): fui ler sítios cubanos. No geral, eles me salvam. E não deu outra. Encontrei esse texto da jornalista cubana Leticia Martínez Hernández, que compartilho com vocês: 

“Uma mensagem aparece no meu bate-papo: ´Leti, estou a caminho de Havana para partir para as Bahamas´. Como é isso? Onde você está? Quando é a coisa?, pergunto em sequência. Eu respiro e penso. Certamente não deveria me surpreender. Primeiro, é Cuba e sua "mania" bonita para ajudar; então, é a Dra. Ana Maris Machado, um ser de outro mundo que me deu o Haiti quando lá era o inferno na terra, depois do terremoto de 2010, que extinguiu em segundos a vida de mais de 250 mil pessoas.

´Eu estava em Havana; Eles me ligaram por volta das três da tarde para pedir minha disposição; Eu fui para Cienfuegos; Peguei minhas coisas e agora estou voltando para Havana´. Ela diz rápido porque vem pela estrada, às vezes a conexão não é boa e os dados móveis devem ser salvos.

Eu conheci Ana em uma sala de cirurgia "inventada". Com uma força sobre-humana, ela tentou colocar um osso em seu lugar. Era a única mulher ortopedista da brigada médica cubana que foi curar em Porto Príncipe. Lembro que foi seu terceiro terremoto. Ela, que havia sido a fundadora da Brigada Henry Reeve, sabia que toda vez que acontecia um desastre, a campainha do telefone tocava.

Naqueles dias, no Haiti, ela comentara: Quando cheguei ao anexo, 24 horas após a catástrofe, me dediquei às crianças. Montamos mais três mesas cirúrgicas e, em uma delas, priorizamos os pequenos. É muito difícil ver uma criança que perde uma perna e muitas chegavam mutiladas. Em Cuba, é raro ver uma amputação de uma criança, as mais frequentes são por tumores, mas, traumáticas, quase nunca vemos. Isso a deixava mais sensível, mas ali não havia tempo para sensibilidades porque a vida da criança estava em risco. 

Hoje ela começa seu caminho para Bahamas, em sua quinta missão com a brigada Henry Reeve. Essa é a única ajuda que Cuba pode dar a seus irmãos no Caribe. Mas sei que nas mãos de Ana eles vão muito mais do que soluções médicas. 

Antes de desconectar, lhe pedi: Você vai me escrever de lá para me contar? - Assim será, ela diz. Cuide-se, digo-lhe, e fico com a sensação de que esta minha ilha possui muitos tesouros. Ana é uma delas e em poucas horas estará curando nas Bahamas”.

É isso gente! Humanidade é possível... "Pátria es humanidad", dizia José Martí. Mas, sempre depois da revolução! 

Viva Cuba! Viva a gente cubana!


terça-feira, 3 de setembro de 2019

Os vendilhões do templo seguem aí

A proposta do curso



Minha mãe era católica e tinha por hábito ir à missa todos os sábados na Igreja Matriz, em São Borja. Eu, criança, preferia mil vezes passear com o pai durante aquela hora em que ela ficava na igreja . Íamos os três irmãos empoleirados no velho fusca rodando até o Paso, nosso passeio favorito. Dávamos uma espiada no rio Uruguai e voltávamos para esperar a mãe em frente à igreja. Se a missa demorava a gente se esbaldava no parquinho. Mas, tinha sábados que a mãe não ia à catedral e sim à capelinha do Hospital Infantil. Então a gente tinha de ficar lá dentro com ela. Só que lá a missa era diferente. O padre não se importava se as crianças fizessem barulho, ou corressem pela capela. Ele ainda incentivava as pessoas a falar durante o sermão. E a maneira como ele falava de Jesus era bem diferente. Naquele tempo eu não sabia, mas os padres dali eram da teologia da libertação.

Foi assim que eu fui conhecendo aquela figura pregada na cruz. Pouco a pouco, o Jesus torturado e morto passou a ser uma proposta de vida. Havia dado sua vida por nós para que a gente não precisasse sofrer com governos ruins, com fome, com  miséria, com falta de saúde, falta de moradia. Ele tinha vindo pra terra pra dizer que a vida tem de ser boa aqui e agora, e não depois da morte. Ele era um cara que andava com os rejeitados, que comia nas cumbucas dos empobrecidos, que abria os olhos das pessoas para que elas vissem a realidade mesma, saindo da escuridão do medo e da dor. A mãe e suas missas de libertação me deixaram esse legado, jesuânico, que junta o amor à libertação.

Então, hoje, atordoada, vi essa proposta de curso, no currículo da Administração, que apareceu na Universidade da Fronteira Sul, em Santa Catarina, a mesma para a qual o presidente do país nomeou um interventor. E, segundo a revista Carta Capital, o ministrante da proposta é o próprio interventor. Uma disciplina optativa, ministrada em 2013 e 2014. O curso se propõe discutir coaching (?), espiritualidade e gestão, fundamentos de liderança numa perspectiva de espiritualidade. Ou seja, uma ementa sobre como criar igrejas e lucrar com elas. Na bibliografia livros como “Os métodos de administração de Jesus” e “Jesus coach”.

Jesuânica que sou, me senti ultrajada. Pude ver o rosto amargurado de Jesus sendo usado para coisa tão sórdida, que é o engano e o roubo de pessoas que sofrem. E isso é ensinado numa universidade pública, secular. Fosse uma escola dos neopentecostais eu igualmente odiaria, mas entenderia.  Com todos os caralhos, Jesus não é coaching (treinador), seja lá o que isso significa. Não andou pelo mundo para treinar pessoas, nem para ensinar como administrar os bens dos incautos. Veio nos dizer que ao assumir sua condição humana, assumia nossa dor não para eternizá-la, mas para suprimi-la. Veio mostrar, com seus atos, o valor da partilha, do amor, da solidariedade, da comunhão com o outro, caído.

Aí vêm uns vigaristas de marca maior, usando dessa figura arquetípica, mítica e generosa, para ganhar dinheiro? Como pode um cristão aceitar uma parada dessas? Como podem deturpar de tal forma uma ideia tão pura? Inaceitável. É inaceitável que haja uma cadeira dessas numa universidade pública e laica. E é inaceitável que se use Jesus para uma coisa tão baixa, tão descolada de seus propósitos.

Hoje, ainda chocada com essa escrotidão, eu certamente encontrarei com Jesus, no fim do dia, para uma charla. E sei que ambos choraremos. Porque sabemos que o presente precioso da vida é o livre arbítrio e que os deuses existem para nos indicar o caminho do bem-viver. Nós é que escolhemos para onde ir. É dramático que essa gente sem escrúpulos siga usando da dor das gentes, em nome de Jesus, para encher as burras de grana.

Acordem, cristãos. Jesus não é coaching. Jesus é um cara que andou por aí a nos dizer: lutem pela vida boa, lutem contra os opressores, partilhem as riquezas, amem, desfrutem do grande jardim. E sabem do que mais? Ele não construiu igrejas, ele não tem conta na Suíça, ele não mora em mansões com torneiras de ouro, ele não tem jatinhos para voar pelo mundo, ele nunca roubou um centavo de ninguém. Ele morreu. Morreu como um de nós, trabalhador, empobrecido e acusado como um criminoso. Ele morreu. E voltou à energia infinita.

Energia que usaremos para derrocar os vilões do amor.

Proibido celebrar


Trabalhadores do Instituto Chico Mendes

Texto: Manoela Costa - Asibama -DF

No dia 28 de agosto, os servidores do Instituto Chico Mendes (ICMBio) se reuniram no pátio da sede em Brasília-DF para comemorar os 12 anos do órgão ambiental e chamar a atenção para a gravidade dos incêndios na Amazônia. A atividade, convocada como assembleia pela Asibama-DF, associação dos servidores, reuniu cerca de 100 participantes. Porém, enquanto o grupo cantava o hino nacional, o presidente do ICMBio, Homero de Giorge Cerqueira, despachou documento para proibir a celebração.

A justificativa para a tentativa de impedir a manifestação dos servidores seria a necessidade de concentrar esforços na operação Verde Brasil, que supostamente pretende proteger o bioma da Amazônia. No entanto, não constavam atividades ligadas à operação na agenda oficial dos diretores do ICMBio. Os servidores tampouco foram informados sobre essa operação, recebendo apenas um convite por e-mail sem mais explicações.

"Quando organizamos o evento, pensamos em algo para levantar a moral e estima dos servidores uma vez que, diante do constante assédio, muitos servidores estão se sentindo ameaçados e amedrontados no exercício das suas funções", explicou Alexandre Gontijo, presidente da Asibama-DF.

Durante o ato, os trabalhadores do ICMBio lembraram das dificuldades enfrentadas no trabalho: cortes orçamentários, redução das operações de fiscalização, retaliações e remoções à revelia, exoneração, impedimento de realizarem suas assembleias e darem entrevistas.

 “A melhor forma que o governo deveria fazer para conter os incêndios e o desmatamento é reforçar os órgãos ambientais, dotando-os de capacidade de ação, planejamento e infraestrutura. Infelizmente, o que vemos é o oposto”, complementou um servidor que preferiu não ser identificado.

As celebrações do aniversário do ICMBio se tornaram tradicionais. Anualmente, a Asibama-DF recebe o pedido das direções para contribuir com o recurso para o bolo e decorações. Neste ano, a associação se deparou com o silêncio e a recusa do diretor em receber os representes dos servidores, que tiveram dois pedidos de audiência desmarcados.

"Entendo que está acontecendo uma tentativa de intimidação mesmo", concluiu Beth Uema da Ascema Nacional.