sábado, 25 de julho de 2009

O interino


Diz o Rubem Alves que as pessoas engravidam é pelo ouvido. E creio nisso, afinal, somos um país oral. A educação - vide voto do presidente do STF, Gilmar Mendes, sobre o diploma de jornalista – não está ao alcance de qualquer um. Ela é relegada aos filhos da elite, esses sim precisam estudar e aprender. Os demais, só precisam da escola funcional, que dá o mínimo de competência para girar a máquina do capital. Por isso, a televisão é que acaba sendo a “universidade” das gentes.

Triste destino esse. Afinal, nada mais servil e mancomunado com a classe dominante do que a televisão. É ali, na telinha, que se expressa a ideologia do sistema capitalista, calcado na opressão. Espaço de meias-verdades e grandes mentiras. Lugar das bocas-alugadas, dos jornalistas a soldo da elite nacional entreguista. Claro que há exceções, mas isso só confirma a regra. Então, para a maioria, que se informa pelo tubo de luz, resta a de-formação, a universidade ao revés.

Nestes dias em que o mundo acompanha o golpe de estado em Honduras, pode-se perceber como o discurso vai mudando. Na primeira semana era o golpe e havia a condenação mundial. Não havia como não anunciar. Mas, ainda assim, os motivos mesmo do conflito ficavam perdidos no meio das dezenas de notícias desconectadas. Assim, ao final do telejornal, permanece apenas a sensação de que algo está passando em Honduras, mas não se sabe bem o quê. O certo é que é culpa de Hugo Chávez, o “monstro” venezuelano que quer ressuscitar o comunismo.

Neste sábado chegamos ao paroxismo do deboche. A CNN em espanhol que transmite via cabo para toda a América Latina, desde o começo da quartelada em Honduras tem claramente apoiado os golpistas. Eles são as estrelas, são os entrevistados e a vozes que falam por Honduras. Tudo bem, até aí nenhuma novidade já que a CNN é o braço midiático dos Estados Unidos na América Latina. Mas, desde hoje, a empresa que transmite direto de Atlanta, ainda que em espanhol, começou a chamar o governo de Micheletti de “governo interino”. Ora, essa é um pouco demais. Já não é golpe, já não é quartelada, é só um governo interino de transição. Mas de transição a quê?

O que é pior é que as redes brasileiras, acostumadas a chuparem tudo da matriz estadunidense, também começaram a reproduzir este “eufemismo” e os espectadores já estão sendo informados de que o “governo interino de Honduras está tendo de mandar o exército contra o povo porque o presidente irresponsável, Mel Zelaya, quer entrar no país”. Ou seja, o roteiro foi todo alterado. Zelaya é o responsável pelas mortes e prisões. Hugo Chávez é o mentor de tudo e o exército hondurenho, golpista, é “obrigado” a oprimir um povo que só quer ver respeitada a sua Constituição. Já Micheletti é o “interino”. Bem , Noam Chomski já desvelou esse bem urdido sistema de propaganda ideológica que é a mídia.

E no meio deste turbilhão de mentiras e discursos distorcidos, o povo, ouvinte, vai engravidando e dando à luz monstros informacionais, deturpados e disformes. A história vai mudando e a verdade vai se esfumaçando. Só fica o discurso dominante de apoio ao golpe, contra Chávez e contra o direito das gentes hondurenhas de ter uma vida melhor. Os repórteres falam que o governo “interino” de Honduras só quer fazer justiça e prender Zelaya. Seu crime: querer fazer uma consulta popular. Ninguém diz isso. E la nave vá. Minha esperança é que aquela gente simples que vejo na tela da Telesur possa resistir, sacar os golpistas do poder e restituir a verdade dos fatos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Estava demorando...


Quem assiste TV deve se lembrar. Quando o então senador Barak Obama era candidato à presidência dos Estados Unidos havia uma espécie de “esperança” no sujeito. Era, afinal, um negro, coisa inédita naquele país, bonito, simpático, charmoso, um “democrata”. E, por conta disso, a mídia cortesã o pintava como uma novidade, aquele que iria mudar a cara dos EUA , dar uma certa leveza ao império. Bem, substituir George Bush já significava isso. Mas, entre os “arautos da desgraça” - que são os que tem olho crítico e conhecem a história – já se vaticinava. “Não haverá novidades. Os democratas não se diferenciam dos republicanos em quase nada, a não ser talvez numa certa simpatia tal como se pode encontrar em Carter, Clinton e agora em Obama”. Havia a certeza de que as coisas não mudariam. Bem, aí está o cenário latino-americano se redesenhando na era Obama. E aquilo que Bush, na sua truculência não conseguiu, o jovem charmoso parece lograr.

George Bush saiu de cena com um grande osso na garganta: a Venezuela bolivariana. Durante todo seu mandato não havia conseguido dobrar o país de Bolívar, comandado agora por Hugo Chávez. Este, por sua vez, foi comendo o mingau pelas beiradas. Colocou água no plano da ALCA, desestabilizou alguns Tratados de Livre Comércio bilaterais, criou a PetroCaribe, amealhou aliados como a Nicarágua, a Bolívia, o Equador e conseguiu com que alguns dirigentes auto-denominados à esquerda se aliassem em algumas propostas pontuais dentro da lógica da ALBA, o contraponto da proposta estadunidense. Era um avanço e tanto no território de poder dos Estados Unidos que, por seu lado, andava atolado nas guerras do Afeganistão e do Iraque, que ainda não logrou concluir em face da resistência heróica do povo, que podia até não querer os talibãs ou Sadam, mas também não quer nenhum governo de dominação.

Pois agora com a chegada de Obama, os Estados Unidos tentam recuperar as rédeas da sua reserva estratégica de riquezas, a América Latina. E, para isso, nada melhor do que uma boa e velha receita, tantas vezes já utilizada em momentos de tentativas de rebelião da massa do “quintal”: o golpe militar. Assim, ao contrário do que fizera Bush, que tentara desalojar Chávez em seu próprio país, num golpe de estado articulado pela mídia e pela classe dominante, a jogada do governo Obama é muito mais inteligente. Organiza e leva a cabo um golpe militar numa pequena república da América Central, periférica ao território “rebelde”, mas com algumas ligações políticas capazes de levantar a fúria dos seus aliados. Escolhe Honduras, governada por um latifundiário bem intencionado que já se atrevera a realizar negócios com a Venezuela, buscando melhorar a vida do povo hondurenho.

Manuel Zelaya começou a orbitar o caminho da alternativa bolivariana quando acordou entrar para a PetroCaribe e realizou negócios de compra de petróleo em condições bastante justas e vantajosas para seu país. Foi o que bastou para ficar na mira do império. Assim, quando acenou com a possibilidade de consultar o povo sobre uma mudança constitucional, veio o golpe. Claro, querer ouvir o povo era um pouco demais.

Agora o império se rearticula na América Latina. Dá uma boa lição nos pequenos que tentam fugir de sua órbita, acusa o governo do Equador de ligações “obscuras” com as FARC e acena com a possibilidade de criar várias outras bases militares na Colômbia, uma vez que está para perder a que tem no Equador. Assim, vai cercando os seus potenciais inimigos – Venezuela e Equador – e recuperando o controle na região. É uma grande ofensiva estadunidense o que se vê desde o golpe de Honduras. Nas declarações de seus governantes, o que fica claro é que a única legalidade possível em Honduras é o não retorno de Zelaya. Pode até haver novas eleições, mas sem Zelaya. Ora, isso é apoio explícito ao golpe.

Por conta destes novos movimentos no xadrez político a América Latina está em estado de alerta. Os ataques contra os governos orientados ao socialismo vão recrudescer e isso fica claro nas notícias dos jornais e na histeria dos jornalistas a soldo. Basta ver como tratam a questão do Equador, os conflitos na Bolívia e as posições da Venezuela. A política imperialista dos Estados Unidos segue, portanto, tão dura quanto sempre foi. A diferença é que agora quem a comanda é um jovem negro, charmoso, bonito, sorridente e bom bailarino. Não é à toa que Luis Inácio, o presidente brasileiro, o tenha convidado para uma pescaria no Pantanal. Tristemente, nosso país está mais para capacho do que para território soberano, e certamente ainda se prestará a sujos papéis neste jogo que recomeça.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Universidade com estudantes

Mês de julho é tempo de férias na UFSC, e tempo de solidão. Os lugares ficam vazios, não há risos de moços, falta alegria e poucos trabalhadores circulam pelo campus. Há os que gostam, acreditando que os estudantes são os que atrapalham a vida por aqui. Eu não. Gosto é do cheiro e do sabor da juventude vibrante, que ri por nada, que grita, que sonha em voz alta, que desaloja, que perturba a ordem. Eu me alimento é disso e é, talvez, o que me faz seguir vivendo neste lugar onde quase tudo mumificou.

Por isso que nesta segunda semana de julho o riso assomou outra vez na minha cara triste de férias escolares. De repente, pelas janelas do Centro Sócio-Econômico, saltaram as toalhas de coloridas formas e desenhos. Pelos corredores pulularam as barracas de camping e pelas escadas se ouviu o riso cristalino dos jovens em marcha. Aquele frescor de quem tudo ainda tem por conquistar. É que aconteceu o encontro nacional dos estudantes de economia e, pasmem, a universidade permitiu que eles ficassem acampados dentro dos prédios.

Disse pasmem porque até pouco tempo os centros de ensino da UFSC negavam sistematicamente que se permitisse a realização de encontros, com gente circulando e dormindo nos prédios. Era aquela visão mumificada, de medo do jovem, de medo da “desordem”, de medo do novo. Foi preciso muita conversa, muita luta para que a universidade fosse outra vez devolvida aos estudantes. Afinal, não são eles as criaturas mais importantes nesta casa de saber?

Pois no cotidiano não é o que parece. Posso ver agora, nestes dias de agitação popular pelo CSE. Alguns trabalhadores torcem o nariz. “Eles sujam tudo”. Outros professores nem aparecem. “Está um caos”. Mas quem aqui está e ama esse turbilhão se compraz, sorvendo a vida que floresce entre Marx, Smith, Ricardo, Friedman e outros que tais... Universidade devia ser isso. Muita gente, grandes debates, música, risos, festas e grupos de discussão. E as pessoas deveriam amar isso tudo, aprender, conhecer, partilhar, sem pressão nem opressão.

O golpe em honduras

Veja análise do professor Nildo Ouriques sobre os acontecimentos em Honduras.