quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O pai e o banho


A parada do banho é uma das mais difíceis. Não sei porque essa implicância. Basta falar a palavra e o pai já começa a resmungar e ficar nervoso. Ou diz que não quer mesmo, ou diz que já tomou. É uma dança louca e demorada que temos de empreender até acabar no box. Tem dias que não tem jeito mesmo. Há que pular o banho. O que é bem complicado porque limpar "as partes" pode ser ainda mais difícil. Levo horas nesse ritual, tentando encontrar o caminho. Nunca é o mesmo. Cada banho é uma descoberta. Quando ele finalmente diz "sim" eu faço a maior festa, dançando, pulando e carregando ele para dentro do banheiro.

Hoje foi assim. No natal não teve jeito. Pulou o banho. Mas, nessa quinta calorenta eu comecei a ensaiar já de manhã.
- Bora banhar?
- Não mesmo.

E assim vamos, pelo dia afora.
Quando deu cinco horas topou. Fiz a festa. E dá-lhe banho. Uma alegria.

Depois, saímos para a nossa caminhada diária. Eu ia conversando, mostrando os passarinhos, até que arrisquei.
- Coisa mais boa tomar um banho, ficar bem limpinho, né?
E ele, virando a cabeça, fez um muxoxo e respondeu.

- Sinceramente? Não vejo diferença. E seguiu, pitando seu cigarro apagado.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Gujo Teixeira



Conheci a poesia do Gujo Teixeira na voz do Luiz Marenco. A música me caiu como um raio e eu a escutei infinitas vezes, lágrimas nos olhos, arrebatada por tamanha beleza. Era a “quando o verso vêm pras casas”, uma dessa maravilhas que simplesmente nos tomam para sempre. A música ficou grudada em mim. Então, fui procurar o poeta. Era uma cornucópia de esplendores. Desde aí fui seguindo, nas músicas e nos livros. Gujo é incrível.

Essa semana me chegou o seu livro “Escritos de Terra” que condensa 30 anos de sua escritura campeira. Sua poesia é forte, é densa, é profunda. Ela me remete a um tempo distante demais, mas que ainda vive em mim, pulsante. A campanha gaúcha, os trabalhadores ponteando as tropas, os esquiladores, o cheiro de rio, as taipas de arroz, o gado na sombra do tarumã, a imensidão dos horizontes.

Não, nunca tive terra, meu avô foi meeiro, lavrando sempre em terra alheia, e com ele pude vivenciar as alegrias e as dores daqueles que fazem a terra parir, sem nunca ter direito à ela. É por isso que na poesia campeira as imagens que me assaltam são a dos paysanos silentes e taciturnos, na beira do fogo de chão, rocando um mate. Homens calejados, estradeiros, valentes, e ao mesmo tempo doces. E são eles que assomam nas folhas do livro de Gujo.

“Estes gaúchos de barro
Semelhados pela estampa
Foram moldados no tempo
Com a terra bruta da pampa”.

No passar das folhas vou caminhando pelas canhadas, nas tardes de inverno do Japejú. Esse Rio Grande que não sai de mim...

“A mansidão da campanha traz saudade feito açoite
Com olhos negros de noite que ela mesma querenciou
E o verso que tinha sonhos prá rondar na madrugada
Deixou a cancela encostada e a tropa se desgarrou”.

E por aí andam as tropas de versos, desgarradas do livro, que agora galopam na minha cabeceira...


Então, é Natal


2019 passou. E o que me sobra é o pasmo. Como sobrevivi? Não sei! Talvez alguma poeira cósmica de energia e de amor, vinda sabe deus de onde.

E agora, é Natal. Penso no meu deusinho, que sempre vem me visitar. Às vezes ele vem menino, outras homem criado, depende da conjuntura. Eu gosto de passar a “noite feliz”, sozinha, esperando por ele, que é o aniversariante. Geralmente conversamos, rimos, dançamos, tomamos Pureza, fazemos coisas de criança, para manter a ternura do advento.  

Esse ano, não sei, creio que vamos chorar. Foi um ano duro, no qual tanta maldade se produziu em seu nome. Não que tenha sido muito diferente ao longo dos tempos humanos, mas me choca que aqui, nesse espaço geográfico sempre tão caloroso, a crueldade tenha aparecido assim, com carimbo cristão. Penso que ao menino isso também vá chocar.

Ainda assim seguirei meus rituais de natal com presépio, luzinhas, capim para o burrinho e o sapato na janela. E esperarei Jesus como sempre faço, jesuânica que sou. Sua presença doce haverá de me animar para enfrentar mais esse novo ciclo, que igualmente não será fácil. Vamos conversar pela noite afora, sérios e compenetrados. Tristes. Talvez ele invente alguma graça pra me alegrar, e eu diga algum chiste para ver seu riso. E enquanto a noite adentra, ficaremos abraçados, ouvindo só o som do coração, emponchados na tristeza.

Na madrugada haverá de cair uma estrela e faremos um pedido. Então, sorriremos, cúmplices, porque saberemos que foi o mesmo. O dia de aniversário romperá invencível e trará com ele todas aquelas esperanças que nos movem. O menino irá embora, e eu seguirei trilhando os caminhos dessa vida terrena, até que venha o grande meio-dia. Sempre na estrada do amor, ainda que ele não vença sempre. Sempre na estrada do amor!

Feliz Natal pra toda gente. Força na peruca que esse mundo exige coragem. Vamos em frente, sem esmorecer.