segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A segurança é matar


Foto: Luiz Damasceno (Ocupação lanceiros Negros – Porto Alegre) 

Circula um vídeo nas redes sociais no qual uma mulher, supostamente israelense, é entrevistada. O repórter pergunta: sabes quantos civis foram mortos em Gaza? Ela responde: são todos merda. O repórter insiste: ok, mas você não sente pelas crianças, os filhos? Ela faz uma pausa e arremata: filhos crescem para ser árabes. Ou seja, não importa. São árabes. E sendo árabes merecem o extermínio. Simples assim. Nenhum sentimento a não ser a indiferença. 

No Equador, quatro garotos negros que jogavam futebol nas ruas do seu bairro, Las Malvinas, em Guayaquil foram sequestrados por militares, sob a suspeita de que tivessem cometido um furto. Pois estes militares os levaram para o campo, próximo a uma Base Aérea, esquartejaram e tocaram fogo.  Eles permaneceram sumidos do dia 08 de dezembro até a véspera de natal, quando os restos foram encontrados. Meninos pobres, com idade entre 11 e 15 anos. Para os milicos e para a sociedade, potenciais criminosos. Logo, suas mortes podem ser encaradas com indiferença. 

Não precisamos ir mais longe. No Brasil, esse massacre contra os pobres acontece todos os dias nas periferias das grandes cidades. A cor da pele e situação financeira são elementos indissociáveis para que os indivíduos sejam vistos como suspeitos e a execução é segura. Quem não se lembra da família metralhada com mais de 80 tiros no Rio de Janeiro? E os policias saíram limpos, sem qualquer penalidade.  Na sociedade fica o sentimento de segurança, afinal, assim como para a mulher israelense, crianças pobres crescem e viram criminosas. Destino manifesto. Nenhum policial pensaria em agir assim num condomínio de luxo.

Em Florianópolis, policiais mataram um conhecido personagem da Praia da Solidão, Ernesto Schimidt Neto (o anão Betinho) que seguidamente tinha surtos de violência por conta de distúrbios psicológicos, mas sempre controlado por familiares e vizinhos. Desta vez não houve tempo. Os policias chegaram e, ao vê-lo com uma faca, dispararam mais de cinco tiros. Vários policiais contra um anão. 

E assim poderíamos seguir com os exemplos. O sistema capitalista precisa dos pobres para o seu exército de reserva. Precisa do trabalho vivo, aquele que potencialmente pode ser utilizado para gerar valor. Mas, como há muitos, ele não se importa, diante da menor suspeita, de exterminar alguns. A lógica é a mesma, em Florianópolis ou em Israel. Pessoas empobrecidas são ameaças em potencial. Pessoas acossadas pela violência, pelo desamparo, pela miséria são eternos “suspeitos” e uma bala nos cornos nunca será desperdício. Garante a segurança. 

Assim toca a banca, lá longe e aqui. E boa parte das gentes concorda que são “pequenas falhas”, “casos Isolados” e a “solução” para evitar problemas maiores. Leio os comentários que agora são possíveis neste tipo de matéria e me assusto. Cada dia mais me convenço que o que temos é uma espécie – o homo sapiens – mas que poucos deles conseguem se construir humanos. Haverá possibilidade de isso acontecer? Tenho dúvidas.