quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Comunicação: uma batalha



Os meios de comunicação alternativa, comunitária e popular de Florianópolis estão há algum tempo se reunindo para discutir a possibilidade de tornar menos assimétrica a distribuição de recursos feita pela prefeitura municipal. Todo o ano, a administração municipal determina recursos no seu orçamento, que são distribuídos aos meios comerciais. No geral, o bolo é repartido com o grupo que é oligopólico: a RBS, e a Rede Record. Para a comunicação alternativa, nada. Segundo o Portal da Transparência, nos últimos quatro anos foram 40 milhões de reais. Com isso, o que se vê na cidade é, cada vez mais, aumentar o feudo comunicacional e o pensamento único. Não é sem razão que nas últimas décadas a classe dominante tenha avançado com voracidade sobre o território, descaracterizando a cidade e vencendo a batalha da comunicação, fazendo crer que essa é a cidade “necessária”.

Por outro lado existem na cidade vários veículos de informação que, sistematicamente, fazem a outra comunicação, mostram a cidade real, explicitam os problemas e as contradições. São eles os que definitivamente realizam o chamado “jornalismo”, que é a análise do dia. Já os meios comerciais nada mais são do que mera propaganda do sistema capitalista de produção, braço armado da classe que tem o mando na cidade, o 1% que determina os destinos de toda a gente florianopolitana.

Veículos como a revista Pobres e Nojentas, o portal Desacato, a Radio Campeche estão aí há mais de dez anos garantindo espaço para as vozes dissonantes. A eles se somam agora outros veículos importantes como o Maruim, as Catarinas, o Farol. Todos com um único objetivo que é o de estabelecer um lugar para o pensamento crítico, para o jornalismo, para análise e compreensão da realidade. Assim que é justo que agora eles reivindiquem uma parte desse recurso que, como já foi dito, fica concentrado em duas redes de TV. Se há um milhão de reais para gastar durante o ano com as campanhas de interesse público que a prefeitura faz, que todos os meios sejam envolvidos. Afinal, ainda que não tenham o alcance massivo da televisão, hoje, com as novas tecnologias, podem chegar com eficácia a determinados grupos na cidade.

Foi a partir dessa discussão que esses veículos conseguiram realizar a Primeira Audiência Pública sobre Comunicação, realizada esse ano a partir da parceria com o vereador Lino Peres (PT) . Assim, no dia 17 de novembro, todas essas experiências comunicativas se reuniram na Câmara de Vereadores e conseguiram garantir, a partir do compromisso do vereador Guilherme Botelho (PSDB), que preside a Comissão de Educação, Culta e Desporto, a criação de um Grupo de Trabalho que estudaria e proporia um projeto de lei sobre o tema.

O grupo de trabalho foi oficialmente formalizado na primeira semana de dezembro e nessa quarta-feira (14/12) entregou um documento no qual explicita os pontos fundamentais que regerão o projeto, comprometendo-se a entregar um documento mais elaborado no início do ano que vem, já na próxima legislatura. Isso porque todo o processo deverá ser discutido primeiramente com os representantes dos demais veículos. Fazem parte do grupo de trabalho as jornalistas Rosângela Bion de Assis (Desacato), Sílvia Agostini (Desacato) e Elaine Tavares (Rádio Campeche e Pobres e Nojentas).

Depois da reunião realizada nessa quarta a comissão deverá estudar as propostas semelhantes que já existem em outros municípios e, a partir daí, respeitando a realidade local, construir um projeto de lei que regulamente a distribuição dessas verbas de comunicação. O trabalho tem o apoio dos vereadores que seguirão na nova legislatura, Lino Peres (PT), Afrânio Bopré (Psol), Lela (PDT). Depois de finalizado o texto do projeto ele passará por novas discussões com os representantes de todos os meios envolvidos no processo. E só então, depois de debatido e apreciado, será encaminhado à Comissão da Câmara.

Há um longo caminho para ser cumprido. Mas, os primeiros passos já foram dados.

Veja entrevista com o presidente da Comissão Guilherme Botelho.


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Hoje caiu um menino


Agora mesmo caiu um menino. Crivado de balas. Chutado, espancado, torturado. Caiu um menino, negro, pobre, “favelado”. Quando esse menino é filho de alguém famoso, como o da cantora Tati Quebra-Barraco, tem até direito a alguma divulgação. Mas, não se enganem. Ele ainda é culpabilizado por ser quem é. Se perigar, até a mãe é julgada. 

E assim segue a vida. Todo dia, a cada hora, cai um menino. Assassinado pelo estado, pelas gangues, por um desafeto. Morrer assim é cotidiano. E nos programas policiais essas mortes viram espetáculos grotescos, que somente servem para criar a pedagogia do medo. Os meninos e meninas são números, estatísticas sobre a violência, deles, é claro. E nesses quadros, são as vítimas que aparecem como culpadas. “Alguma coisa tinha feito”. Não importa se, depois, no jornal do dia seguinte, aparece a história do caído: era trabalhador, vinha da escola, nunca esteve metido com nenhuma droga. Já passou. A mensagem principal já foi dada: era um negro, era uma negra, bandidos, bandidos. 

E, se por acaso, alguém resolve questionar essa barbárie, esse massacre descarado que acontece dia pós dia, então aparecem os “cidadãos de bem”: leva pra casa, vadia dos direitos humanos, tomara que matem um parente teu, tomarem que te assaltem. 

Ninguém está preocupada em destapar o véu da aparência. Por que existem as favelas? Por que os negros são maioria ali? Por que a miséria é regra nos morros e na periferia? Por que os meninos e meninas entram para o tráfico? Não, essas perguntas não importam. Não carece de saber. O que o sistema capitalista de produção quer que as pessoas saibam é o que diz o seu braço armado comunicacional. O discurso do Marcelo Rezende, do Datena e dos seus imitadores regionais. “São monstros, assassinos, sem alma e sem recuperação”. 

Nada de história do Brasil, nada de debate sobre a escravidão e todo o seu legado de exclusão e miséria. Não, da escravidão o que se incensa é a abolição e a Princesa Isabel. Como se o dia seguinte a Lei Áurea tivesse sido de festa e alegria para os negros. Já a famosa Lei do Ventre Livre, assinada em 1871, foi uma aberração. A criança nascida de uma mulher escravizada era considerada livre. Coisa boa? Não! Se o “dono” da mãe não quisesse a criança, podia jogá-la na rua. Era livre. Não servia para o sistema. Vem daí a prática de viver na rua, meninos e meninas de rua, sem pai ou mãe. Livres! A hipocrisia de uma sociedade escravocrata.

Depois, com a abolição, os negros foram jogados na vida. Sem terra, sem casa, sem nenhuma política de acolhimento ou reparação. Virem-se! Era o que diziam os “generosos” senhores da classe dominante. Por mais de três séculos essa gente e seus antepassados traficaram mais de três milhões de seres humanos, trazidos para o trabalho escravo, que deu origem a essa nação. Quando o capitalismo já se fortalecia também nas Américas, o sistema de escravidão não fazia mais sentido. Era muito gasto garantir a vida dos escravizados. Melhor seria acabar com o sistema escravocrata para escravizar de outra forma, travestido de liberdade, sob o signo do salário. E assim veio a abolição. Nenhuma dádiva, nenhuma bondade. Só o faro dinheirista. Um trabalhador livre era mais barato que um escravizado. 

Livres, os negros tiveram de encontrar, sozinhos, uma forma de permanecer vivos. Saiam das fazendas sem nada além dos seus corpos nus. Alguns foram incorporados como trabalhadores, mas a maioria ficou ao deus dará. 

Essa é a chaga que ainda hoje segue aberta. A escravidão jamais foi reparada. Escondeu-se sob o manto da bondade da princesa. É o que se aprende na escola. E hoje, os “libertos” continuam a sofrer a dor da exclusão e da miséria. Por isso seguem sendo exterminados. Na cabeça da classe dominante há que matar essa gente que “mancha” a história da nação. E mata-se. 

Os negros e as negras, filhos desses milhões de seres sequestrados de seus lugares, seguem aí. E exigem seu lugar nessa nação. Não como escória, porque não o são. Foi de suas mãos que brotou a riqueza do Brasil colonial. Sem eles, o projeto português teria fracassado. Há que coloca-los no seu verdadeiro lugar na história do Brasil. Não apenas como os que foram escravizados, mas os que garantiram com seu trabalho – a única força que gera valor - a existência dessa nação mestiça. Por isso eles estão em luta, cada dia e todo dia. Porque precisam combater inclusive a própria história oficial que os subalterniza e os diminui, na medida em que não expressa a verdade.

E é nessa batalha que estão por aí, a cair, todos os dias, os meninos e meninas negras da periferia. Porque precisam enfrentar, além da miséria, os escravocratas desse tempo. Os filhos dos velhos “senhores” e os que são ensinados por eles a odiar os negros. A classe dominante de hoje descende da mesma velha classe que dominou no Brasil colonial, com alguns adendos de novos ricos. São os mesmos que patrocinam os meios de comunicação para que sigam contando mentiras, escondendo as verdades, e construindo preconceitos. 

O sistema capitalista de produção é o que determina o racismo estrutural. Morto o primeiro, estaremos dando passos gigantes para que a história seja recontada e para que o preconceito e a discriminação desapareçam. 

Mas, enquanto isso não acontece  - batalha dura e difícil – temos de seguir contando e combatendo. Nós, não-negros, mas sabedores da história. E os negros, que sabem e sentem. Por isso que cada menino caído é um punhal cravado no peito. Não importa se era um bandido, um marginal, um traficante. Porque, no fundo, esse, vencido pelas circunstâncias, era um menino que não teve a oportunidade de ser outra coisa. Não por culpa dele, mas de um sistema que oculta a história, nega a vida plena e engole as pessoas em nome do lucro.

Agora mesmo caiu um menino. E isso tem de acabar!  



segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Girafas em risco, humanos também,...


A exploração do planeta promovida pelo sistema capitalista de produção não tem freio. É como uma praga que tudo devasta. E a cada dia novas notícias sobre extinção desta ou aquela espécie mostra o quanto o planeta está em desequilíbrio.

Na semana passada membros da comunidade científica alertaram que é a vez de as girafas - esses lindos seres gigantes  - entrarem em risco de extinção. Segundo notícia divulgada no sítio Democracy Now, as girafas já diminuíram quase 40% nos últimos 30 anos. Quem denuncia é a União Internacional para a Conservação da Natureza, a qual insiste que a girafas enfrentam uma extinção silenciosa.

A mesma instituição confirma que a diminuição do número de girafas é parte de uma extinção massiva global em curso que poderá fazer desaparecer até dois terços da fauna selvagem do planeta antes mesmo que chegue o ano de 2020.

O ser humano (ou uma pequena parte da raça), na sua insaciável fome de dinheiro levará o mundo ao colapso. Sem habitats capazes de garantir comida e vida plena, os animais vão sumindo. Infelizmente, o homem, ao que parece, será o último a desaparecer. Antes, colapsará o planeta.

É justamente por isso que o movimento indígena que hoje se levanta em toda a América Latina, mas também em outras partes do mundo, é talvez o único espaço de compreensão sobre o que se passa com o planeta. Os indígenas reivindicam o equilíbrio na relação humano/natureza e nos dias atuais são os que mais batalham contra o processo desenfreado de destruição.

Não é sem razão que são as comunidades indígenas e tradicionais as que travam as lutas mais duras com o agronegócio e a mineração, os dois mais lesivos modos de uso da terra na atualidade.

Por isso que a luta na defesa dos animais tem de passar, necessariamente, pela compreensão de que é o sistema capitalista de produção o responsável por toda essa destruição. Sem um ataque frontal a ele, de nada valerão os gritos de "salvem as girafas". Elas só poderão se salvar se todos lutarmos juntos contra essa forma de produzir mercadorias que põe em risco toda a vida.