sexta-feira, 4 de julho de 2025

A banalidade do mal

A morte em Manaus, durante a Covid. Imagem: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real

Nos anos 1960, quando Ana Arent acompanhou o julgamento de Otto Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do holocausto que vitimou judeus, ciganos e comunistas na Alemanha nazista, ela cunhou essa expressão de “a banalidade do mal”. Escrevendo para um jornal estadunidense ela fez o perfil do criminoso. Segundo Ana, não havia em Otto Adolf nenhum histórico sobre ser antissemita ou ser um psicopata. Não. Era um alemão comum que cumpria ordens superiores sem questionar, crescendo unicamente na carreira e se dando bem na vida. Mandava para a câmara de gás homens, mulheres, velhos e crianças sem qualquer sentimento de bem ou mal. Seguiu uma lógica burocrática estabelecida desde o topo até o ponto final. 

Não se discute o tema do mal e aponta que ele pode emergir a qualquer momento, desde que haja espaço para crescer. Avalia também que o mal não é uma categoria metafísica, religiosa: ele é político e histórico. É produzido por pessoas comuns em razão de uma escolha política. E, desde aí, a banalização da violência, do ódio, corresponde a um vazio de pensamento aonde o mal se instala e passa a comandar. 

Ana Arent escreveu sobre isso a partir da constatação dos horrores dos nazistas provocados nos anos 1940. Mas, e hoje, o que pode caracterizar esse momento no qual, de novo, podemos ver a face do mal tão abertamente nas redes sociais? 

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de compreensão sobre as coisas do mundo pode visualizar esse mal, essa onda assustadora de vazio humano. Podemos falar do genocídio palestino. Há mais de um ano o estado de Israel bombardeia Gaza, matando gente sem dó, explodindo escolas, hospitais, zonas de refugiados. E as postagens nas redes sociais, tanto dos sionistas quanto de gente comum, são de arrepiar. Festejam, riem das crianças mutiladas, fazem piadas com as cenas de absurda dor. E a vida segue, sem que os que têm poder ajam. 

No Brasil vivemos a experiência do governo de Jair Bolsonaro. Durante uma pandemia, com gente morrendo como mosca, o então presidente fazia piadinhas, ria das pessoas sufocando nos hospitais, dizia que não era coveiro para dar conta dos mortos. E, por todo o país, senhorinhas simpáticas o idolatravam e riam com ele. Pessoas comuns, nossas tias, mães, avós, nossos vizinhos. O mal escancarando os dentes. E ainda hoje isso se expressa nas redes sociais sem pejo. O cara segue sendo chamado de mito.

Na Argentina, um cara com um programa que promete fechar universidades, hospitais, acabar com as políticas públicas, entregar o país, foi eleito por ampla maioria, com as pessoas gritando em delírio quando ele dizia que iria acabar com os comunistas em nome da liberdade. A liberdade de uma pequena fração da classe dominante do seu país. E lá embaixo, o povo, que iria se lascar com essas promessas, aplaudindo e celebrando. 

Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele prendeu milhares de pessoas acusadas de criminosas. Prisões enormes foram erguidas e o povo aplaudindo. É fato que ele conseguiu destruir parte das famosas “maras”, bandas criminosas que assolavam o país. Mas, para além das maras agora ele vai trancafiar qualquer pessoa que o critique. A mão dura do poder chegando a qualquer um. E as gentes em festa. Seu modo de governar virou exemplo. E há outros presidentes copiando seus métodos. Ninguém chama isso de ditadura ou governo autoritário. Bukele é amigo do rei. 

E o rei, que são os Estados Unidos, o que faz? Governa de maneira absolutamente totalitária, fazendo coisas jamais pensadas. Ameaça universidades, manda prender estudantes que criticam seu governo, organiza uma caçada humana com os imigrantes, deportando cada um e cada uma que encontra, separando famílias. Um horror indescritível que não aparece na televisão. Mas, mesmo que pareçasse provavelmente não provocaria estupor. Como se vê nas redes, há uma multidão de gente aplaudindo e aprovando os horrores, como se nada. Tampouco se ouve falar que Donal Trump seja um louco, ou um ditador. Não! Nadinha. Fosse Nicolás Maduro que começou a prender gente, aí sim, teríamos o mundo inteiro protestando. 

O fato é que com esses seres nefastos e maléficos nada passa. Pelo contrário, quanto mais mal provocam, mais são incensados ​​e aplaudidos. A banalidade do mal. 

E não precisa ir muito longe. No cotidiano de nossas cidades pacatas esse vazio humano que gera o mal também vai se espalhando e se expressa no cara que mata o outro porque lhe cortou a frente do carro, no marido que mata a mulher que não o quer mais, no vizinho que joga veneno no quintal do outro para matar seus cachorros que latem demais. A hera venenosa vai se reproduzir e invadir todos os lugares. As pessoas não sentem nenhum prurido em fazer comentários maldosos nas postagens das redes. Tudo é permitido na banalidade do mal. E destruir o outro virou moda.

Karl Marx já disse em seus escritos de Paris que o capitalismo destruiria de tal maneira as pessoas com sua lógica de exploração, que o gênero humano seria esfacelado. Falou sobre isso há 200 anos. E agora está. Pessoas comuns, que apenas querem dar bem na vida, atuando como monstros. Uns estão bem visíveis na televisão, na tela do celular, outros estão do nosso lado na mesa do restaurante, no ônibus e até dentro da nossa casa. Tomados pelo vazio que o capitalismo gera, na busca desesperada pela vida, aliam-se ao mal.

O que fazer diante disso? É cada vez mais difícil encontrar uma resposta. Transformadas em zumbis, tal como anunciam os filmes apocalípticos, os tomados pelo mal avançam. O único que sei é que há que lutar contra isso. Há que agir na solidariedade, no amor, no cuidado, na bem-querença. Mesmo que pareça pueril e inútil. Esta é uma boa hora de seguir o conselho da mãe: não é porque todo mundo vai, que você também irá. Naqueles tempos do nazismo houve quem resistiu e perdeu. E venceram.

Nós também teremos de vencer botando abaixo do capitalismo, a cabeça do mal. 





quinta-feira, 26 de junho de 2025

O jornalismo morreu?



Nos contos de fada aparece muito essa cena. Uma princesa morre. Uaaaaaa... Tristeza! Depois, a gente descobre que não, não morreu. Ela só dorme. Então vem o príncipe e por conta de um beijo, ela volta à vida. Tirando a lança de príncipe ou princesa que é bem uó, a mensagem destes contos é bastante singela e bem bonita. Aquilo que parece morto, pela força do amor, volta a viver. 

Assim eu sinto o jornalismo. 

Hoje, conversando com um estudante de jornalismo me conta disso bem claramente. Olhando a realidade material, o que se vê é o jornalismo morto. Basta uma espiada num jornal das TVs, qualquer delas, ou folhear os jornais que ainda existem. Morto. O jornalismo está morto. Em Florianópolis, o tal do ND é uma folha de propaganda da prefeitura ou um boletim da polícia, dependendo do momento. As TVs são um apanhado de banalidades sem qualquer relevância pública. O jornalismo morto.

E quando falamos em jornalismo, estamos falando do que nos ensina Adelmo Genro Filho. Uma notícia que, amparada no singular, consegue transitar para o universal, trazendo o contexto do fato, a interpretação, a narração, a descrição. O jornalismo na sua missão pública é de bem informar a população. Assim é que este jornalismo não aparece nos meios comerciais. Morto. É o que se pode dizer dele.

Mas, se tirarmos nossa visão dos meios comerciais e começarmos a cavar no fundo do cemitério de sites que são a internet, ou em alguns veículos alternativos, comunitários, populares, podemos encontrar o jornalismo, vivo, respirando. Repórteres ainda há, sim. Textos bem escritos, contextualizados, com impressão, descrição, narração. São poucos, mas estão por aí, espalhados, escondidos. Há que procurar. E esse jornalismo que ainda respira, apesar das inúmeras camadas de mediocridade, tem a função de, ainda que lentamente, despertar o que dorme. 

Eu sou um pessimista com quase tudo na vida, menos com o jornalismo. Acredito na sua necessidade social. No mundo tal como está, globalizado, as pessoas precisam do texto de qualidade, precisam do texto que media, que analisa, que se espalha para além da mera informação. Não é possível que uma sociedade siga em frente sem ele. Por isso, apesar de observar o corpo inerte do jornalismo na TV ou nos jornais, sinto com profunda clareza que ele apenas dorme. E, nesse caso, não há príncipe, mas jornalistas, esses, de verdade, que ainda existem na resistência. Para que o jornalismo volte a viver há que ter jornalistas capazes de apagar ou vez a chama do texto que universaliza os fatos. 

Em algum momento esta estupidez generalizada que vimos e lemos nas redes sociais vai se esgotar. Então, o jornalismo ressurgirá das cinzas, porque as pessoas precisam dele. E, de novo, voltaremos a ver textos densos, bem escritos, normativos vívidas da realidade, interpretações inteligentes. A vida e sua imanência narrada com bossa, como dizia Antônio Olinto.

O jornalismo espreita, ali na esquina. Ele dorme, mas está vivo. Há que despertá-lo! Como bem disse o grande Marcos Faerman (na foto), "O povo não tem tempo de ler texto ruim. Se for bom, tem leitor".



sexta-feira, 16 de maio de 2025

O Figueirense empresa


Eu sou figueirense de um tempo em que o Figueirense era um clube de futebol. Sim, um clube, que vivia de seus sócios e das algumas outras transações menores. O Figueirense era a casa da gente. Quando entrávamos pelos portões com nossas bandeiras e camisas alvinegras, a gente se encontrava com os “irmãos” no amor. E as tardes de futebol nas arquibancadas eram de alegria, gritaria e cerveja. Uma festa, mesmo na derrota. O Figueirense era clube. Sabíamos que era preciso ir ao jogo, pagar o ingresso, para ajudar o clube a ir para frente. 

Até que então chegaram os “homens de empresa” com o papinho mosca de que o clube precisava se modernizar, levar mais a sério o “negócio” futebol. E que a única maneira era deixar de ser uma associação sem fins lucrativos e virar uma empresa. Seguiam a onda criada no Brasil todo que já engolia alguns outros clubes pelo país, a partir de uma proposta do deputado Pedro Paulo, do DEM do Rio de Janeiro. Virar empresa, virar negócio, bussines, ganhar dinheiro. 

Então, em 2017, o Figueirense que somava algumas dívidas, entregou o clube para uma empresa administrar, a Elefhant (olha o nome da coisa, elefhant). E lá se foi o nosso clube para o cassino do capital, dirigido por gente não muito séria, já que em menos de um ano o contrato com a tal empresa foi rescindido. Não sem antes ela afundar ainda mais o Figueirense deixando, inclusive, de pagar os salários dos jogadores, que obviamente entraram na justiça.  Daí pra cá só ladeira abaixo. Os empresários foram se sucedendo, contraindo mais dívidas. E nesse meio tempo fazendo campanhas junto aos seus sócios e aficionados para arrecadar dinheiro. E a gente dando dinheiro feito bobo para ver o clube afundar mais ainda. Até nosso estádio está penhorado, podendo a qualquer momento ser tirado do clube.  Os números estão aí, a dívida passa dos 200 milhões. Como pagar? Vendendo o patrimônio construído com o sangue e o amor dos torcedores? Hoje, para nossa tristeza, não há mais clube. Não há sequer futebol. Cá estamos na série C, lanterna das lanternas. Aquele trabalho de clube, de criar a gurizada local, não existe. Os jogadores não carregam o peso da velha figueira, desconhecem a história. O Figueirense é só uma empresa onde eles vendem a força de trabalho. Não os culpo, óbvio. A responsabilidade não está neles. Está nos vendilhões, nos que destruíram - e seguem destruindo - o clube. E precisamos desvelar essa gente, dar nome e sobrenome. 

A empresa Figueirense fez um acordo de recuperação judicial, mas a coisa anda capengando. Se o clube não pagar, corremos o risco de perder o estádio Orlando Scarpelli, uma espécie de joia no Estreito, por conta de sua localização estratégica. Numa cidade onde quem manda é bonde do cimento, imaginem a fome dos abutres... 

Enquanto isso, vamos perdendo nosso furacão, que nem ventinho mais consegue ser. E a maior dor é que time a gente não troca, não se abandona. É uma traição impossível, como explica Nilso Ouriques no livro que leva o mesmo nome. Por isso, a cada jogo, a gente fica esperando que aconteça um milagre, o qual, racionalmente, sabemos que não virá. Mas, quem pode controlar o amor? O Figueira se esfarela, mas vive em nosso coração. 

De minha parte, tenho ódio, ódio puro, contra os ceifadores da nossa paixão.




quarta-feira, 30 de abril de 2025

Resenha: Boa Noite seu Tavares


Na página do projeto “Narrar o Alzheimer”, encontro essa generosa resenha sobre o meu livro “Boa Noite, seu Tavares” pela lavra de André Carvalho.  

“Na resenha anterior, apresentei o primeiro livro de memórias brasileiro a tratar dos cuidados de uma pessoa com demência. Hoje, trato do mais recente, "Boa noite, seu Tavares", de Elaine Tavares.

Elaine cuidou do pai, Nelson Tavares, em Florianópolis por oito anos, desde o diagnóstico de Alzheimer em 2016 até 2024, quando ele faleceu. O livro é composto de crônicas sinceras e bem-humoradas escritas ao longo desse tempo, muitas delas publicadas na comunidade virtual Anjos que Cuidam, do Facebook. Temos acesso ao dia a dia de uma filha sensível, carinhosa, firme e corajosa durante o percurso da família através das "milhares de fases" que a doença desenrola.

Elaine é jornalista e escreve muito bem. Cada crônica é sucinta, mas densa. Mistura memória afetiva, informação de saúde e reflexão política, tirando da experiência própria lições para o comum. Aliás, um dos (muitos) méritos do livro, que o destaca dentre similares, é justamente a vocação política de compreender a doença e o envelhecimento no contexto de nosso capitalismo marginal. Assim, mesmo narrando a experiência familiar e doméstica, somos lembrados a buscar as causas para tanto apuro e desamparo, da falta de preparo dos médicos à infraestrutura de transporte público da cidade.

Outro destaque é a consciência das armadilhas de quem vive e narra o cuidado. Elaine não romantiza a doença: "é uma merda". Literalmente. Por outro lado, não existe uma página em que a tragédia domine. No final dos dias mais turbulentos, seu Tavares solta uma frase que derrete nosso coração e redime a penúria da filha. Sempre vale lembrar que Sublime virou marca de papel higiênico.

Há pelo menos outras duas diferenças marcantes com obras do tipo. Primeiramente, não encontramos a tentativa de reconstruir a vida e a identidade do pai, como em biografias tradicionais. A autora aceita plenamente quem o pai é em cada momento, e suas transformações ao longo dos meses e dos anos. O ato-reflexo de voltar à integridade da identidade fixa, segura, está ausente. Em segundo lugar, não existe no livro a cena tradicional do espanto e da crise desencadeados pelo não reconhecimento. Elaine aceita que às vezes seu pai não a reconheça "como filha", mas tem plena segurança de que existe um reconhecimento mais profundo no cuidado e no carinho diários. Juntas, essas diferenças apontam para uma fluidez que narradores/cuidadores de países mais desenvolvidos — leia-se, mais calvinistas e individualistas — raramente alcançam. É na brincadeira, no afeto, no apego à convivialidade e ao improviso de um modo mais humano de existir que Elaine Tavares descobre o caminho. Aqui, o livro realmente se parece com a troca em grupos de apoio de familiares: é gente cuidando de gente.

Se tivesse que recomendar um livro para cuidadoras e cuidadores que desempenham a função 24 horas por dia, seria esse.



sexta-feira, 4 de abril de 2025

A mais-valia ideológica explodiu


Lendo um artigo de Lucas Aguillera, no sítio Nodal, me deparo com a informação de que o argentino médio passa mais de oito horas com os olhos grudados no celular e que mais de 70% da população mundial já tem acesso a esse inoportuno telefone de mão, igualmente abduzido pelo rola-tela em horas a fio. Vejo isso aqui mesmo, na minha aldeia. Há, portanto, uma extraordinária concentração da vida nestes aparelhos que combinam trabalho, vida pessoal, lazer, espiritualidade, tudo ao mesmo tempo agora, desfazendo todas as fronteiras e limites. E, se até então, o capital consumia nossa vida apenas no horário de trabalho, roubando-a a partir da mais-valia, ele agora se imiscui em todos os espaços da existência, exigindo mais e mais, como o deus Moloc.

Com o telefone na mão as pessoas não têm mais horário para o trabalho. A qualquer momento uma mensagem exige algo, 24 horas pulsando. A pessoa está no ônibus e está trabalhando, não está no cinema e está trabalhando, está no parque e está trabalhando. Há quem criou que isso é um ganho, empreendedorismo.

Mas isso não é tudo. O celular também é espaço de roubo da mais-valia ideológica, para usar um conceito de Ludovico Silva. Esse pensador venezuelano, ao estudar a televisão, viu que o trabalhador quando chegava a casa (acreditando estar no seu momento de descanso) e ligava a televisão, estava igualmente capturado pelo capital. Na telinha, entre um programa e outro, as propagandas o incentivando a comprar, comprar, comprar, eram o capital concorrente, bem como as mensagens subliminares escondidas nas novelas, entretenimento etc… Nas palavras dele: “Assim como na oficina da produção material capitalista se produz como ingrediente específico a mais-valia, assim também na oficina da produção espiritual do capitalismo se produz uma mais-valia ideológica cuja finalidade é fortalecer e enriquecer o capital ideológico do capitalismo: capital que, por sua vez, tem como especificamente protegido e protegido o material de capital”.

Pois agora, com o celular, essa produção de mais-valia ideológica é colocada na enésima potência. Daí a importância de se voltar para Ludovico. As plataformas das redes sociais mudam a cada minuto os algoritmos que tentam empanturrar as pessoas com mercadorias para comprar e ideias de jerico para defender. É um carrossel alucinado. As informações são repassadas sem qualquer contexto virando uma algaravia sem sentido e, ao final de mais de 15, 20 horas de rolagem da tela, tudo o que fica é absoluta sensação de vazio e o desejo de comprar.

As plataformas não nos pertencem, então não dá para ter a ilusão de que podemos mudar por dentro. Não dá! O que nos leva ao óbvio. O problema não são as plataformas, mas o modo como o mundo se organiza neste modo de produção. As tecnologias só ajudam a fortalecer e manter essa barbárie. É na realidade material da vida, nas ruas, na luta política, na organização coletiva que pode haver alguma chance de mudar as coisas. É certo que as pessoas estão obnubiladas (cegas), anestesiadas pela luzinha azul da tela do celular, que incutem a ideia de que isto é o perfeito.

Mas, sempre é possível desligar o aparelho e olhar para a vida mesma. Quando a gente enxerga, a proposta de mudança é a única possível. Uma única!

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O livro de Ludovico Silva, “A mais-valia ideológica”, faz parte da Coleção Pátria Grande, do IELA, Volume 3, e pode ser encontrado em www.insular.com.br

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Do horror


Sim, sigo despertando no meio da noite, assombrado pelo horror que vem sendo cometido contra o povo palestino, todos os dias, pelo estado de Israel. Vi, ontem, que os soldados de Israel mataram, um a um, no mesmo esquema de execução, 15 paramédicos e uma equipe de resgate. Ou seja, não satisfeitos em arriscar o mundo dos palestinos, querem exterminar qualquer um que resolva ajudar. Isso não é crime de guerra. Não há guerra. O que há é genocídio. Essa gente não pode seguir impune.... E o que me tira o sono é saber que sim, seguirão impunes, e a gente nessa impotência sem tamanho... Os governos que podem mudar isso, não fazem nada.. é aterrador!

domingo, 23 de março de 2025

os perrengues



A vida da gente é esse rodopio incessante de pequenos sobressaltos. Na última semana, por exemplo, num calor de mais de 30 graus, o sistema desintegrado de ônibus me deixou na mão duas vezes. Na primeira vez, calor dos infernos, carro sem ar-condicionado, cheio até a boca, veio pela Gramal sofrivelmente, fazendo um barulho estranho. “Essa porra vai parar”, eu pensei, e os usuários se olharam cada um torcendo para que o busão fosse o mais longe possível. Não deu. Umas quatro paradas depois do Hiperbom o ônibus parou. “Tem que descer, pessoal”. Putz! Tinha quase todo o Gramal pela frente e depois ainda o caminho vicinal até em casa. Toca andar porque até chegar o ônibus reserva passaria um dia inteiro. Sol na moleira lá fui eu, suando em bicas. Obviamente cheguei a casa praguejando. Maldito Topázio. 

Na segunda vez foi dentro do mesmo terminal. Cheguei da UFSC vindo por Tirio/Titri. Ninguém na fila. Glória a Deus. Poderia ir sentado já que o horário que sairia em seguida era o Eucalipto, que leva uns 40 minutos até passar no meu ponto, depois de dar a volta em três bairros. Eu ali, bem faceira, primeira da fila. Chega o ônibus, abre a porta e eu entro, aboletando no meu banco preferido perto da porta. Os minutos passam. O ônibus enchendo. Quando dá a hora, vem o motorista. Liga o carro e nada. Só aquele barulho estranho, sem fazer a ignição. O motorista Pragaja. Liga e liga e liga, e nada. “Vai ter de descer, pessoal”. Puta merda. Desce todo mundo, sem qualquer respeito à fila e na confusão eu fico lá no final. Quando vem o carro novo, entra no mundo todo e eu fico em pé. Maldito Topázio. 

Ontem, calor da peste, desço eu no meu ponto na Gramal e venho me arrastando, ao sol, pela rua de casa, que dá quase uma milha até chegar. Lá longe avisto o “Malino” que é o nome que eu dei a um cachorrinho que vive numa casa da rua. Ele vez em quando escapa e fica deitado bem no meio da rua. É uma cruz de pincher com algum vira lata, porque é grandinho, mas tem o gênio pincher. Há que ter uma técnica para passar por ele sem ser atacado. A gente não pode fazer contato visual. Se olhar pra ele, arreganha os dentes e vem pra cima. Quando o pai ainda estava vivo era um perregue quando a gente saia porque eu dizia: não olha, pai. Pois aí mesmo que ele olhou e o malininho atacou. Pensei, vou dar a volta, mas isso significaria caminhar de volta até o final da rua e depois vir pela rua paralela, que dava mais um quilômetro. Era muita mão. Arrisquei. Ergui a cabeça como o olhar o céu e avançar. Ele deitadão bem no meio da rua. Estava tudo indo bem, eu passando, ele quieto, eu passando. Quando finalmente passei por ele arrisquei um revesgueio. Carambolas! Péssima ideia. Ele arreganhou os dentes e atacou. Lá vou eu correr do malino, me defendendo com a bolsa, enquanto ele me persegue até o portão. Desgrama! Aqui não posso dizer maldito Topázio, afinal desta o prefeito não tem culpa. Entro, esbaforida. É só mais um dia normal.