segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O pai e o banho



Quem cuida de pessoas velhinhas sabe, levar para o banho é o maior desafio. Tudo é motivo para não tomar banho. Não entendo isso. Só falar em banho e tudo já fica tenso e emburrado. “Agora não”. “Tomo banho é de noite”. E quando chega a noite: “agora não, tomo banho é de manhã”. É uma longa corrida de gato e rato.
Com o pai eu defini assim. Chamo pra tomar banho e se não quer, deixo pra lá. Faço uma coisa, faço outra. Pergunto de novo, para medir o nível do emburramento. Tá alto. Sigo fazendo outra coisa. E vou toda hora perguntado. “Vamos agora?” “Que tal um banho”. A brabeza firme. Tem dias que eu deixo quieto, ficar sem banho não vai matar. Passo um paninho úmido nas partes, com muita gritaria e protesto, mas fico firme. “Sem banho, ok, mas tem de limpar a bundinha”. A brabeza é grande, mas dura pouco. Creio que ele fica envergonhado.
Hoje o calor estava forte. E a novela do banho foi novamente encenada, desde as duas da tarde. Só lá por perto das cinco horas que ele apareceu na porta. “Vem, vamos tomar esse banho”. E lá fomos nós para a nova novela de tirar a roupa que demora um eito. “Não vou tirar a roupa com esse monte de gente aí”. O monte de gente são as pessoas na televisão. “É a TV, pai, eles não estão te vendo”. “Ahhhh, mas não mesmo, tira eles dali”. Tá bom, apaga a televisão.
Finalmente no banho quentinho a zanga se desfaz. Fica brincando com o sabão até mais não poder. “Bora sair, chega”, e ele nada. Vai entender.
Findo o banho, última etapa rocambolesca. Colocar a roupa. Uma confusão danada. Quer por a camisa nos pés, a cueca na cabeça. Então, cada peça tem e ser alocada, com cuidado e com explicação. Nisso tudo já se passou mais de hora. O banho é uma expedição perigosa e cheia de loucas aventuras.
Banhado e perfumado é hora de ir para o alpendre, onde ele calmamente saca o cigarro, acende, e fica fumegando, com os olhos no infinito. Então me olha e repete o mantra: “amanhã eu vou pra casa”.