quarta-feira, 16 de junho de 2010

Estudantes de Porto Rico em luta pela universidade pública



Nestes tempos de Copa do Mundo, quando o planeta inteiro vira uma bola e as emissoras de televisão dão destaque aos mínimos fazeres dos craques do futebol, um pequeno país do Caribe, a menor das ilhas das Antilhas Maiores, vive um movimento de luta que já dura quase dois meses, mas permanece no silêncio da mídia. E não é para menos, Porto Rico é um pedaço de terra agregado dos Estados Unidos, um país dominado e subjugado, sem direito a gritar por liberdade, apesar de oficialmente chamar-se “estado livre associado”. Conquistado pela Espanha em 1493, o pequeno país foi ocupado militarmente pelos Estados Unidos em 1898, trocando de dono desde então. Porto Rico foi colônia até 1952, quando passou a ser considerado um estado autônomo, tendo direito inclusive a eleição de seus dirigentes. Essa “concessão” por parte dos Estados Unidos não aconteceu por bondade. Ela foi alavancada pela luta do povo que se levantou em rebelião no chamado “grito de Jayuya”. Por conta desta luta veio autonomia, mas ela existe só na aparência, uma vez que a moeda, a defesa, e as políticas de relações exteriores e comerciais de Porto Rico são totalmente comandadas pelos Estados Unidos.

A luta da gente de Porto Rico por independência nunca cessou. Vem desde os Tainos, povos originários que foram dizimados pelos espanhóis, e segue até hoje. Muitas foram as revoltas e revoluções, todas abafadas militarmente pela metrópole colonial. Os Estados Unidos realizaram vários plebiscitos para que a população escolhesse entre ser livre, permanecer como estado autônomo ou se integrar à nação estadunidense, sendo o último deles no ano de 1998. A maioria decidiu por permanecer como está, mas este resultado é contestado pelas gentes que lutam por libertação. “É preciso que se compreenda como se forma essa maioria, o poder financeiro que está por trás, a despolitização causada pela própria condição de colônia”. A velha Borinquen (nome originário que significa ilha do senhor valente), de 176 quilômetros de comprimento por 56 de largura, que foi uma das primeiras ilhas vistas por Cristóvão Colombo, volta e meia assoma em meio ao domínio estadunidense e as gentes se lembram quem são. Então ressurgem as lutas de libertação.

Os estudantes
Em todo o mundo os estudantes são quase sempre a ponta de lança nas revoltas e revoluções. Por estarem num ambiente de conhecimento e por possuírem a deliciosa rebeldia juvenil, eles abrem janelas nos muros escuros da opressão e saltam por elas, com suas bandeiras e utopias. Assim tem sido em Porto Rico desde que o país foi entregue aos Estados Unidos como despojo de guerra. Ocupado militarmente, Porto Rico precisou se levantar em muitas batalhas para defender sua cultura e sua história. E, quando os Estados Unidos tentaram imputar uma nova língua ao povo local em 1902, os estudantes disseram não. E resistiram no que ficou conhecido como “guerra da língua”. Até hoje o país mantém o espanhol como língua oficial por se entender mais para a América Latina do que para o norte. Hoje, são os estudantes universitários, outra vez, que escrevem mais uma página da história do pequeno país, numa greve memorável na qual reivindicam a autonomia para a universidade e lutam contra a privatização do ensino público.

No dia 21 de abril de 2010 os estudantes da Universidade de Porto Rico iniciaram uma greve contra uma nova lei que prepara a privatização da instituição, privando a universidade de recursos, assim como também a saúde, a cultura e a assistência social. Em pouco tempo, o que era só um movimento estudantil passou a ser uma luta nacional. Como se um grande dique de sonhos e esperanças estivesse se rompido as gentes começaram a identificar na luta particularista dos estudantes um projeto de nação. No grito contra a privatização e pela autonomia da universidade, também os estudantes foram percebendo que a questão era muito mais profunda e assomou, de novo, o desejo de liberdade popular.

A lei que levou os estudantes às ruas acabou por provocar o congelamento de salários dos trabalhadores públicos e também eles, mais de 15 mil, foram para as ruas defender seus direitos e os serviços públicos em geral. Como a população mais pobre depende dos serviços públicos no que diz respeito à educação, saúde e assistência social, o apoio às lutas dos trabalhadores e estudantes foi imediato. Já em 2005 os estudantes universitários tinham realizado greves, uma vez que o processo de privatização vem se fazendo devagar, como em quase toda América Latina, mas, este ano, as medidas do governo, reduzindo o orçamento e aumentando o valor das matrículas foram decisivas para outra explosão que, com a parceria dos trabalhadores, se transformou numa tormenta.

Já se vão quase dois meses e a luta segue firme em Porto Rico. E, como sempre acontece, a repressão tem sido violenta. Os estudantes fizeram greve de ocupação e o governo colocou a universidade sob sítio impedindo a entrada de água e alimentos. Mas, o povo, solidário, tem encontrado maneiras de fazer chegar a comida e a água. A medida de força levou o país a se levantar e sindicalistas, artistas, trabalhadores de todos os tipos realizam marchas, atos políticos, colocam o país em efervescência.

No mês de maio o governo ameaçou suspender o ano acadêmico e declarou que a UPR iria perder sua condição de universidade pública. Alegava que a greve era abusiva, ilegal e, por isso, endurecia na repressão e na criminalização dos estudantes. Como se pode notar, tudo muito igual, receita da cartilha neoliberal e entreguista bem comum aos governantes desta nossa América Latina. Mas, os estudantes não se intimidaram. Exigiam negociações e mantinham a greve. A mobilização popular tomava dimensões gigantescas e o governo teve de recuar, abrindo negociações. De qualquer forma há uma guerra midiática em curso. Na televisão porto-riquenha o governo e entidades empresariais gastam fortunas tentando convencer a população de que a greve na universidade é ruim para o país. Por outro lado, os estudantes, através da “Rádio Huelga” (http://radiohuelga.com/wordpress) buscam o diálogo com o povo, mostrando que quando as gentes estão unidas, podem vencer, como já aconteceu no final dos anos 90, quando mobilizações como essa tiraram as tropas estadunidenses da região de Vieques.

Hoje, na metade do mês de junho, a luta no campus de Río Piedras continua. Os estudantes que seguem acampados na UPR realizam atos, fazem formaturas simbólicas, criam hortas comunitárias, fazem limpeza, promovem teatro, chamam a população para visitar o campus, para que possa ver como é possível existir uma universidade autossustentada, autônoma, e livre para pensar a realidade nacional. As negociações seguem de maneira lenta, a universidade continua sitiada, a repressão recrudesce.

Os estudantes estão esperançosos com um novo mediador do conflito, o ex-juiz Pedro Lopez Oliver, que parece estar conseguido fazer avançar as conversas e pode até ser que nos próximos dias as coisas se resolvam, com o governo voltando atrás no aumento das taxas de matrícula e na retirada de orçamento da universidade e garantindo que nada será privatizado. Os grevistas também querem garantias de não punição uma vez que há ameaças de expulsão das lideranças. Só assim o movimento encerra.

Veja a fala dos estudantes numa mensagem ao país!

http://www.youtube.com/watch?v=ED03HiVzRd0





terça-feira, 15 de junho de 2010

O final de Lost


Eu gosto das coisas do mistério. Desde pequena. Enquanto minha mãe se enredava com os enigmas da fé cristã eu adentrava pelo fascinante mundo da ficção. Aprendi a ler muito cedo e com seis anos já devorava os livros que meu pai comprava por sentir pena dos vendedores que batiam à porta, naquele cantão perdido de mundo. Mal sabia ele que fazia bem a dois, ao vendedor e a mim, pois, com isso, descobri o mundo das letras. Os primeiros mistérios que minhas retinas abarcaram me pareciam incognoscíveis. Eram os mitos gregos. Não conseguia apreender a totalidade de toda aquela trama de homens e deuses, mas gostava. E, nas tardes quentes do verão gaucho, eu me escondia por trás dos móveis, nas viagens imaginárias aos portões de Hades (guardião do inferno grego).

Por conta disso, ficção e mistério sempre me atraíram. Discos voadores, mitos, seres de outro planeta, gênios, magos, feiticeiros, duendes, enfim, essa fileira de coisas encantadas e mágicas. Assim, não foi à toa que segui, capítulo a capítulo, a série Lost (perdidos), independentemente de reconhecer que era só mais um produto da indústria cultural. É que amo televisão, e tudo neste veículo me encanta, seja o que for. Quanto mais os mistérios...

Dia desses, depois de seis anos inteiros, a série chegou ao final. E eu, como todos os fãs, lá estava esperando a revelação de todos os mistérios da ilha maluca. Um final estranho, incrivelmente teológico. Os autores, querendo ou não, acabaram por oferecer ao público fiel, uma visão do paraíso. E eu, no dia seguinte, andava feito louca, querendo encontrar alguém com quem compartilhar aquela beleza toda que havia fruído na terça-feira final. Não encontrei. Ninguém do meu convívio havia acompanhado a trama. Restou ler os comentários na internet. Fiquei surpresa, poucos gostaram do final.

Eu, por meu lado, amei. A proposta dos autores foi reunir os personagens mais significativos num momento de pós-morte. Depois de viverem todas as aventuras mais doidas numa ilha que se movia loucamente no mar, depois de verem alguns deles morrer e outros se entregar a coisas igualmente malucas como vigiar uma fonte de luz, eles se reencontram todos numa espécie de festa. Aí descobrem que estão mortos. E que, por isso mesmo, estão juntos e felizes.

A cena final, que me levou às lágrimas, mostra um deles, Benjamin, o que havia sido o personagem mais complexo na sua paixão pela ilha, chegando ao ponto de matar até aos que amava, sentado num banco, sozinho, do lado de fora da festa. Os demais personagens vão chegando, de vários pontos da cidade, e vão entrando. Cada um deles, na sala festiva, encontra seu par, seu amor, seus amigos. É a revelação teológica de que, na morte, num determinado lugar – o céu? - nos reunimos com aqueles que amamos. Não importa o que aconteça, o tempo que passe, ao cruzar o umbral da vida, lá estarão os seres que só nos fazem bem.

Mas, o sofrido e complexo Benjamin, não quis entrar. Ele seguiu sozinho, observando a grande festa que principiava dentro da casa. Com os olhos fixos num ponto distante, ele se deixou ficar, representando, talvez, a opção pelo inferno. Nada de fogo, diabos ou gritos. Apenas a escolha deliberada pelo vazio das presenças amadas. Coisa triste demais.

O final de Lost deixou muitas dúvidas, não explicou dezenas de mistérios, mas, para mim, foi o suficiente. O maior dos enigmas se expressou... Morrer nunca é o fim, só se a gente quer!...