quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Rádio Comunitária Campeche: coração do bairro

 Planejamento
 construção





 primeira transmissão ao vivo - Clube Catalina

 Mano F

Momentos de planejamento, construção e programação

A Rádio Comunitária Campeche segue cumprindo com seu papel estratégico de ser um espaço comunitário real para a vida que se expressa e luta nesse mítico bairro do sul de Florianópolis. Hoje - e sempre - tocada por um grupo cheio de vontade de realizar e construir, ela nasceu da necessidade concreta do movimento popular comunitário e se mantém como a antena do Campeche, informando sobre tudo que acontece no bairro, discutindo as lutas cotidianas por um lugar melhor para se viver, dando notícias sobre as batalhas que se travam na cidade no campo dos trabalhadores, no mundo popular.

O Campeche foi um dos primeiros bairros da cidade a iniciar a luta pela criação de um plano diretor. Nos anos 80, quando iniciou um forte movimento de migração do oeste/norte/sul no rumo da capital, os moradores compreenderam que sem uma organização capilar, unificada e comunitária, o crescimento desordenado engoliria a forma de vida que o bairro já havia escolhido para si. Enquanto no norte da ilha imperava a lógica do turismo de resultados, o sul insistia em viver de forma simples, com qualidade de vida, com cuidados com o lixo, o saneamento e principalmente com planejamento. Foi aí que começaram a surgir os movimentos de luta por um plano diretor.

Quando o país avançou para a proposta do Fórum das Cidades, o Campeche já estava bem à frente nesse debate, inclusive com seu plano formulado. E foi dessa movimentação em torno da organização do bairro e do pensar a comunidade dentro da cidade que nasceu o desejo de uma comunicação mais eficaz, que chegasse em cada morador. Primeiro, o movimento organizado criou um jornal impresso, o Fala Campeche, e depois começou a perceber que a palavra falada também poderia potencializar as lutas. Assim, no ano de 1998 começou a movimentação por uma rádio comunitária até que, finalmente, em 2005, foi possível fazer a primeira transmissão, ainda sem um lugar próprio, na casa do jornalista Lúcio Haeser, também morador do Campeche. Desde aí, a vontade de fazer a rádio real cresceu e as coisas foram acontecendo. Junta documento, leva para Brasília, compra transmissor. Tudo isso acompanhando o movimento comunitário que seguia firme.

Naquele ano de 2005 veio a legalização da emissora, depois de sete anos de batalha. Com tudo certo em Brasília, a rádio já podia funcionar sem medo de ser invadida pela Anatel, no dia 104.9. Uma parceria com o Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis garantiu um terreno e a sede foi construída num mutirão. Espaço pequeno, mas suficiente para irradiar a voz do bairro. E foi em 2006 que começou o primeiro programa ao vivo da Rádio Campeche: o Campo de Peixe, no ar até hoje. O programa teve como primeira formação, Alícia Alão,Glauco Marques, Débora Daniel e Elaine Tavares. Mais tarde, Alícia e Débora foram buscar novos rumos e o Campo de Peixe incorporou o estudante de jornalismo Rubens Lopes. O programa tinha – e tem - o propósito de trazer as lutas da comunidade, os temas da cidade, do estado e da América Latina. Informação e formação. Notícia e debate. O jornalismo como forma de conhecimento, trazendo ao ouvinte aquela abordagem que ele não encontra na TV ou no jornal convencional. 

Pois não demorou muito e logo outros programas ao vivo começaram a surgir. Havia toda uma demanda reprimida por um espaço onde expressar a voz e a informação. Programa de cultura, de juventude, de música, de informação comunitária, de ecologia, esportes. Tudo dentro da lógica de que só poderia ser programador quem morasse no bairro. E assim tem sido até hoje. A Rádio é comunitária de fato, propaga as vozes do bairro, é feita por moradores, por quem vive e constrói a luta no Campeche. E é por trazer uma informação diferenciada e contextualizada que a rádio tem sido a ponta de lança na construção do Plano Diretor Participativo e na luta que se trava por uma cidade boa de morar, que garanta a todos dignidade e direitos. Praticamente todos os programas dão espaço para esse debate que define o povo do Campeche. Uma gente que luta pelo bem viver no bairro e na cidade.

Na rádio comunitária não tem propaganda. O que rola são os apoios culturais. O comércio local apoia com uma quantia fixa, e a rádio anuncia o apoio. Nada de anúncio de produtos ou coisa assim. É parceria cultural e política e aí política no sentido bom, de ação conjunta e viva na comunidade.

Assim, a cada dia que passa a rádio vai fortalecendo, apresentando programas que fogem do lugar comum das rádios comerciais. No dial da Comunitária podem ser escutadas as vozes dos pescadores, das rendeiras, dos ambulantes da praia, dos moradores, dos comerciantes, dos contadores de história, das figuras históricas do bairro, os cineastas locais, os cantores, os artesãos, enfim, qualquer um que tenha algo a dizer. E, além dos programas que apresentam a melhor música local, nacional e do mundo (fora do circuito comercial), há os programas de interesse comunitário. A vaga de emprego, os horários dos médicos e dentistas no posto de saúde, as reuniões do Plano Diretor. Então, ao ligar na frequência 98.3 FM os moradores encontram a boa música do interior no Chão de Terra e no American Country, encontram poesia e discussão cultural no Sábado Arrastão, jornalismo no Campo de Peixe, ouvem rock no Fanzine Sonoro, curtem o melhor do Rap no Rap Hour, sabem das propostas alternativas no Ecologia Humana. É um mosaico de temas e sons, tudo pensado e feito com o amor de quem mora e vive no Campeche.

Por algum tempo também foi possível contar com vários outros programas como o Vozes em Movimento, que trazia a fala dos movimentos sociais e as lutas do campo e da cidade. O Sábado Literário, aos sábados, quando o jornalista Raimundo Caruso trazia sempre um escritor catarinense. Falava-se de literatura, de como se escreve, dos problemas dos leitores, dos que escrevem. Histórias de vida, coisas engraçadas, segredos de escritor. Uma beleza, joia rara na mediocridade do rádio florianopolitano. Também já tivemos a presença dos alunos da Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, com programas produzidos a partir de oficinas realizadas por Débora Daniel, Révero Ribeiro e Aline Maciel. Tivemos ainda o privilégio de compartilhar a vida e o trabalho com o  Mano F, que tão jovem encantouEnfim, alguns programas vão e vêm, de acordo com as possibilidades das pessoas em contribuir. Mas, sempre é uma intervenção bonita, na qual o foco é a comunidade.

Na Travessa das Chagas Pires, uma pequena ruela do Campeche, viceja esse projeto bonito, hoje no 98.3 do dial, que se faz dentro de uma pequena casinha. Ali, entre fios, microfones, e outros tantos cacarecos que vão se acumulando dos balaios comunitários, circula a vida da comunidade. Chegam os artistas, os escritores, os líderes comunitários, os moradores, enfim, chega a força viva desse bairro que aprendeu na luta que para ser um lugar de bom-viver é preciso união e cooperação.

A Rádio Campeche é hoje o coração do bairro e ele bate, compassado, na batida dos tambores, do cavaco, do violão e da informação. Quem cruzar as fronteiras da comunidade é só sintonizar: 98.3. Ali, a vida do Campeche é primeiro lugar.  Para quem está longe, basta entrar na página da rádio e curtir. www.radiocampeche.com


quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Eduardo Marinho: palavras de amor

O sonho da integração latino-americana

Chávez abrindo a Primeira reunião da CELAC

Começou nesse dia 28, em Cuba, a segunda reunião da Celac, uma realização até então inédita de união dos estados latino-americanos e caribenhos. A proposta do encontro é discutir ações conjuntas que possam ser defendidas por todos os envolvidos e que avancem na consolidação da soberania dos povos, tal como instigou Hugo Chávez, em dezembro de 2011, na instalação da Comunidade: “União, esse caminho é o único caminho. Com suas variantes, com suas diversidades. A unidade entre nossos povos, entre nossos estados, nossas repúblicas, nossos governos. Aceitando, insisto, e respeitando nossas diferenças. Mas, sem permitir que a intriga vingue entre nós. Sem permitir que a cizânia venenosa venha impedir, mais uma vez, o esforço unitário. Estou seguro de isso não vai descarrilhar, que não vai triunfar a intriga que permitiu ao monroísmo impor-se e sepultar bem fundo o projeto de Bolívar, Morelos, Artigas, Juana Azurduy e Manuela Saenz”. 

A história da unidade 

O sonho de uma integração latino-americana e caribenha paradoxalmente foi gerado pelo invasor. Antes de 1492 – quando Cristóvão Colombo aportou em Santo Domingo - o continente abrigava inúmeros povos, alguns conformando gigantescos impérios. Há notícias de que muitos desses povos se comunicavam, se visitavam, intercambiavam mercadorias, e até guerreavam. E, talvez, por não identificarem nenhum inimigo forâneo, não há, pelos menos até agora, registros de que buscassem algum tipo de integração. Cada povo conservava seus deuses, sua cultura, sua língua. Mas, os “estranhos barbudos” que aportaram no Caribe mudaram toda a maneira de ver o mundo que existia em Abya Yala.

O primeiro morador dessas terras a tomar consciência de que havia um inimigo poderoso a exigir uma união das gentes foi o cacique Hatuey, da etnia Taíno, que habitava a ilha de Quisqueya, chamada de “A Espanhola” por Colombo, e depois de Santo Domingo. Pois, Hatuey, observando a selvageria dos espanhóis decidiu rebelar-se contra eles e uma de suas primeiras ações de solidariedade com as demais gentes do continente foi remar até a ilha de Guanahany (Cuba) para avisar os moradores sobre os invasores e iniciar uma aliança. Segundo Bartolomé de las Casas, essa era a fala do cacique taíno: "Nos dizem esses tiranos que adoram a um deus de paz e igualdade, mas usurpam nossas terras e nos fazem de escravos. Eles nos falam de uma alma imortal, de suas recompensas e castigos eternos, mas roubam nossos pertences, seduzem nossas mulheres, violam nossas filhas. Incapazes de se igualarem a nós em valor, esses covardes se cobrem com ferro que nossas armas não podem romper… Por isso temos de atirá-los ao mar”. 

E Hatuey fez a guerra aos espanhóis, que o capturaram e o queimaram vivo. Contam que, na fogueira, um padre perguntou se ele queria se converter. Hatuey perguntou se, convertido ele iria ao céu cristão. – Sim, respondeu o padre. E o cacique taino, cuspindo de nojo, replicou: - Então não, prefiro o inferno, onde não encontrarei gente tão cruel como vós.

Depois dele, muitos outros povos se rebelaram contra a invasão, mas, derrotados, sucumbiram a opressão e Abya Ayala virou uma grande colônia pertencente aos reinados espanhol e português. Foi só em 1780 que, a partir do grito de Tupac Amaru II e Tupac Katari, mais uma vez os povos originários tentaram uma guerra – envolvendo aliança com outras etnias - contra os espanhóis. Foi um momento memorável que chegou a juntar milhares de índios em batalhas gigantescas. Mas, também aí foram derrotados.  Dez anos depois, Francisco de Miranda, agora das fileiras criollas (espanhóis nascidos na América) apresentou um plano no qual propunha juntar toda a América espanhola numa espécie de confederação. Esse sonho de Miranda foi levado a concretização por Simón Bolívar, nas lutas de independência iniciadas em 1815. Desde a Jamaica, para onde fora exilado, depois da primeira tentativa de libertar a Venezuela, que não deu certo, Simón percebeu que a liberdade não poderia vir isolada, numa única província. Era preciso uma integração e foi aí que conclamou aos povos do continente: “Temos de formar uma só nação, com um só vínculo, que una suas partes entre sí e com o todo”. A Pátria Grande. 

E foi com essa ideia na cabeça que ele peleou por várias regiões da América até conquistar a expulsão dos espanhóis em 1824. Em 1826 fez sua primeria tentativa diplomática para garantir a integração das províncias recém liberadas e convidou todos a um Congresso no Panamá. Queria fundar ali uma confederação das repúblicas, a Pátria Grande, enfim, buscando garantir, inclusive, a libertação de Cuba e Porto Rico. Mas, Simón encontrou resistência entre os seus próprios generais que, mordidos pela mosca do poder, não queriam abrir mão de suas repúblicas. Foi traído nesse sonho e acabou morto, fugindo de seus ex-aliados.  Com ele, também morreu a ideia de uma América integrada e unida. Até porque, no norte, crescia o germe daquilo que mais tarde viria a ser outro foco de opressão: o imperialismo dos Estados Unidos.

E foi a partir dos Estados Unidos e seu projeto de dominação que nasceu o Panamericanismo, a consolidação da proposta de Monroe: a América para os americanos, e aqui, a América era, na verdade, a do Norte, Central e  do Sul. O bolivarianismo colocado “patas arriba”. Para o governo dos EUA, a união dos países se dava na dominação por um só: ele mesmo. Foi assim que a Primeira Conferência dos Estados Americanos, realizada em 1889, na capital dos Estados Unidos, já buscava impor aos governos latino-americanos um tribunal de discussão territorial, relações de comércio unificadas e até uma moeda de circulação regional, tudo coordenado pelos EUA. Sobre esse evento, que cobriu como jornalista, o grande poeta cubano José Martí escreveu: “Podem os Estados Unidos convidar a américa espanhola para uma união sincera e útil? Convêm a américa espanhola uma união econômica e política com os EUA?” Ele sabia que não. Tanto que, mais tarde, conclamou seu povo à luta contra o monstro que principiava a dominar tudo abaixo do Rio Bravo. E Martí não ficou nas palavras, partiu para a luta armada, na qual caiu morto. 

O século XX foi o período de crescimento e expansão do império estadunidense, consolidado justamente com a ideia de “união”. Foi assim que nasceu, inclusive a Organização dos Estados Americanos, logo depois da segunda grande guerra, sempre com a promessa de proteção e ajuda.  Assim, o sonho de Hatuey, Tupac, Miranda e  Bolíviar ia ficando cada vez mais longe. Uma dominação trocada por outra. Nada de soberania, ou no máximo, uma soberania tutelada, na qual as elites locais seguiam no poder, mas sob o comando dos EUA. 

E a vida corria tranquila para os Estados Unidos no seu projeto de tomar toda a Abya Ayala para si. Não contavam com a bravura de alguns jovens cubanos que, articulados com movimentos de resistência na ilha de Martí, decidiram afrontar o domínio estadunidense fazendo explodir uma revolução em pleno Caribe, então considerado como um quintal, um espaço de festa e diversão para os ricos dos EUA. Desde as montanhas de Sierrra Maestra, os “barbudos” impuseram uma derrota espetacular aos Estados Unidos, liberando Cuba de uma ditatura e abrindo novamente a caixa do sonho integracionista, tão decantado pelo mentor de toda a luta: José Martí.  Desde aí, 1959, essa “rugosidade” no plano do império inspirou dezenas de lutas de libertação numa América Latina que seguia dominada. Ainda assim, apesar da resistência da ilha de Cuba e de uma série de movimentos revolucionários que explodiram no continente, os Estados Unidos conseguiram garantir a hegemonia política e econômica. A integração proposta agora por Fidel, não conseguia se fazer. Os demais países acabaram sucumbindo às ameças estadunidenses, impondo, inclusive, um bloqueio a Cuba, que já dura mais de 60 anos.  Nesse meio tempo os EUA também garantiram governos amigos e de mão-dura em praticamente todo o continente. E, devagar, também foi inculcando a proposta de uma união de todos, mas sob a sua batuta. Assim, no início dos anos 90 surge a proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das América), na qual haveria porteira aberta em todas as fronteiras, ainda que só numa direção. Os Estados Unidos comandariam e manteriam as suas porteiras bem fechadas, afinal, livre comércio é bom para os outros. 

Chávez e o bolivarianismo insurgente

Mas num continente que já finalizara – na maioria - sua libertação das ditaduras, os movimentos sociais se levantaram firmes. Muitas foram as lutas, em todos os países, contra essa proposta de neocolonialismo. E, no meio dessa batalha que envolvia uma visão dominadora do processo de integração, inclusive, reduzido a sua dimensão econômica, aparece aquele que iria retomar as propostas de uma integração em outros moldes, com soberania e com equidade: Hugo Chávez. 

Aliado às lutas já desencadeadas pelos movimentos sociais de todo o continente, ele se integrou a batalha contra a Alca. E aí, não eram mais só os “baderneiros” de sempre – como costumam chamar os lutadores sociais. Era um estado livre e soberano que começava, na prática, a atuar em consequência de um outro tipo de integração. Foi assim que ele propôs a ALBA, para se contrapor ao projeto de dominação dos Estados Unidos. A ALBA seria a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América. Não apenas trabalhando com elementos da economia, mas garantindo a parceria política e as trocas culturais. Na esteira dessa aliança Chávez propôs a PetroCaribe, um plano de cooperação com os países empobrecidos do Caribe de troca de alimentos por petróleo, a Telesul – uma televisão integradora da vida e da cultura latino-americana, o Banco do Sul, para se contrapor ao FMI, trabalhando de forma a garantir a equidade e a justiça nas relações econômica. E assim, em 2005, ele mesmo, Chávez, foi a televisão para dizer do seu modo peculiar: “La Alca se fue al carajo!” E era verdade. 

Logo em seguida, outros países da América Latina começaram a eleger presidentes que se alinhavam com as ideias de Chávez. Lula, no Brasil, Rafael Correa, no Equador, Nestor Kirchner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia. Com eles foi sendo consolidada outra vez a ideia de uma integração aos moldes do que sonhara Bolívar. Encontros foram acontecendo até que culminaram na criação da Unasul – União das Nações Latino-Americanas, uma entidade autônoma sem a participação dos Estados Unidos. 

Mas a Unasul ainda era um mecanismo de integração só das nações sul-americanas e era preciso avançar mais, incluir o Caribe, o México. Assim em fevereiro de 2010 foi criada a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, com instalação em dezembro de 2011 na Venezuela, na realização de sua primeira reunião. Muitas coisas começaram a mudar a partir daí. Cuba teve de ser incluída em outros organismos, por conta da força de todos os países unidos e vários planos de desenvolvimento passaram a ser traçados envolvendo os países como um bloco. Mas, em 2012, quando a presidência do órgão esteve com o Chile, a Celac teve de enfrentar a interferência dos Estados Unidos, que não poderia deixar barato essa ideia. Como Sebastián Piñeda não era um governante afinado com o processo bolivariano, o projeto claudicou, com a comunidade tendo mais um caráter de fórum consultivo. Agora, com a direção de Cuba, a entidade se institucionalizou e está tentando produzir documentos que realmente venha interferir no andamento das políticas.  

Hoje teve início a II reunião da Celac, desta vez em Havana, Cuba, com a presença de 33 nações. E é a primeira sem Chávez, aquele que impulsionou e revigorou o conceito de bolivarianismo, dentro do qual a soberania e a união das nações era ponto fundamental. O tema central do encontro capitaneado por Cuba é a soberania. Segundo Raul Castro, o documento mais importante que está sendo produzido visa declarar a região como um espaço de paz, livre de armas nucleares. A ideia é, com isso, discutir a presença das bases militares estadunidenses na América Latina, que já chegam a 33. Certamente esse será um ponto altamente polêmico, se considerarmos que a Colômbia, sozinha, tem sete delas e é uma aliada dos Estados Unidos. 

A presença de  José Miguel Insulza, o secretário geral da Organización de Estados Americanos (OEA), pode ser um elemento perturbador, como foi a de Edward James Dawkins, no Congresso Anfictionico do Panamá, chamado por Bolívar. Representando a Grã Bretanha, que foi como observadora, ele acabou fazendo negociações em separado com os países e de todo aquele encontro foi o que mais lucrou em negócios e acordos. A medida de chamar Insulza pode parecer simpática, mas ele pode muito bem ser um cavalo de Tróia.  

Outro ponto que a reunião deverá tratar é a luta contra a pobreza, a fome e a desigualdade. Como disse Raul Castro, na abertura, os 10% mais ricos da população latino-americana recebem 32% dos investimentos, enquanto os 40% mais pobres recebem apenas 15%. Tendo mais de 15% de toda a superfície terrestre, com 8,5% da população total, a região tem reservas consideráveis de minerais não renováveis, um terço das reservas de água doce, 12% da área cultivável, 21% de bosques naturais e o maior potencial em produção de alimentos. Talvez, nesse tema, muitos dos presidentes progressistas tenham de explicar por que, ao mesmo tempo em que praticam algumas políticas importantes de distribuição de renda, insistem em destruir comunidades em nome do lucro, como é o caso do Equador, que desaloja gente para atender mineradoras; e o caso do Brasil que tem permitido crescer os conflitos indígenas, dando margem para que os latifundiários, monocultores, sigam exercendo seu poder. Também aí, as divergências deverão aparecer. Muitos dos países na região são os maiores do mundo em produção de minério. Chile, com o cobre, Brasil, com o ferro, México, com a prata, Bolívia e Peru, com o estanho. A região tem ainda 65% das reservas mundiais de lítio, 42% de toda a prata, 38% do cobre, 33% do estanho, 18% de bauxita e 14% de níquel, isso sem contar o petróleo e os mais importantes aquiferos do mundo. 

Essas riquezas são as causas da cobiça e ao mesmo tempo poderiam ser a salvação, se utilizadas de maneira a não destruir o ambiente e em favor das gentes. E aí não se trata de transplantar a lógica do desenvolvimento sustentável, que não existe no capitalismo. Haveria que se caminhar para outras alternativas de desenvolvimento, que levasse em conta o equilíbrio do planeta. É fato que mesmo com toda essa riqueza, a América Latina tem 47 milhões de pessoas na condição de famintas. Segundo pesquisas da ONU esse número diminuiu em três milhões desde 2008, mas ainda assim, é gente demais passando fome, com os pés em tantos recursos. Além do mais é a região que mais produz comida, podendo alimentar o mundo inteiro. Nada justifica esse paradoxo.

De qualquer sorte, mesmo com tantas diferenças, a Comunidade de Estados Latino-Americanas e Caribenhas é uma preciosa novidade, desde o grito de Hatuey. E o desafio sempre será encontrar caminhos de ação conjunta – nesse território de 20 milhões, 453 mil e oito quilômetros quadrados  - em defesa não apenas das economias, mas também das gentes que conformam essas nações. O perfil do encontro, sem a presença abrumadora de Chávez, já veremos, tão logo sejam divulgados os documentos.

Fontes :  Abel Gonzáles Santamaria - El destino común de Nuestra América: la unidad, Agencia Frei Tito de Notícias sobre América latina, Digna Castañeda, História do Caribe.