quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O controle social de frequência na UFSC



A reunião realizada entre a comissão dos trabalhadores técnico-administrativos e a reitoria para discutir o controle de frequência acabou com algumas boas notícias. Temporárias, mas inegavelmente boas. A primeira delas é que o relógio ponto não será instalado esse ano. E a segunda é que a administração concordou em testar a proposta do controle social, defendida pelos TAEs.

A reunião terminou bem, mas não foi fácil. Afinal, a reitoria permanecia com a intenção de instalar os equipamentos de controle biométrico (com a digital), pelo menos dois, para testar e para atender a ordem judicial. A comissão insistiu sobre que não havia a obrigatoriedade de ser o ponto biométrico. A última decisão judicial é bem clara: a universidade pode decidir a modalidade de controle eletrônico que melhor atenda às suas especificidades. Não há imposição de nenhum tipo específico, sob pena, como bem diz a juíza de “ferir a autonomia”.

O fato é que a leitura do processo, de três mil páginas, por parte dos membros da comissão, deixou bastante claro que houve um completo abandono por parte da UFSC, sendo inclusive, perdidos prazos. A gestão Roselane/Lúcia estava imbuída da vontade política de aplicar o controle leonino sobre os técnico-administrativos, aceitando a sugestão do Ministério Público, que apontava não apenas o ponto biométrico, mas também catraca e câmera. Quando a gestão Cancellier/Alacoque assumiu, tampouco foi revisto todo o processo. Seguiu-se aos encaminhamentos já determinados. Foi a insistência dos TAEs no debate sobre o tema que levou a essa pequena vitória, alcançada agora no final do ano.

A gestão do reitor pró-tempore, Ubaldo Balthazar, estava dando sequência à instalação do ponto, acreditando que era mesmo uma exigência da justiça. Não é. Isso ficou claro no processo. E mesmo a compra dos equipamentos, que já foi efetuada, e com dinheiro do Reuni, pode ser revista, visto que o modo de licitação foi o pregão, que permite a não consolidação da compra caso os equipamentos não sejam instalados.

A mobilização dos TAEs e o trabalho da comissão que negociou com a administração foi fundamental para que o ponto – que já estava para ser instalado na BU, no Setic e na Secretaria de Ensino à Distância – fosse suspenso. Nessa quinta-feira, o reitor encaminhou ao Ministério Público e ao judiciário um documento, no qual explica todo o processo de tentativa de implantação do ponto biométrico, alegando que as coisas tardaram em função da falta de orçamento e também pelo drama vivido pela universidade com a prisão e posterior morte do reitor Luiz Carlos Cancellier. Informa também que o controle eletrônico será instalado até o final do ano, em outra modalidade, mas agrega ao documento um cronograma de implantação dos pontos biométricos para o ano que vem.

Isso significa para os TAEs uma meia-vitória, visto que agora eles terão os meses de janeiro e fevereiro para apresentar uma proposta concreta de controle social. Esse é um trabalho que, de certa forma, já está bem adiantado, pois há muito tempo que se discute essa forma de controle de frequência, que deverá seguir os moldes da que hoje é usada para os professores.

O controle social de frequência desloca o foco de poder que, com o ponto biométrico  ficaria na mão do chefe de plantão, para a sociedade. E como é isso? No ponto biométrico, apenas os chefes e os órgãos de controle interno teriam acesso ao sistema. No controle social a sociedade toda pode ter acesso e conhecer as especificidades do trabalho dos técnicos. Hoje, na UFSC, existem mais de 30 profissões sendo exercidas entre os TAEs e, cada uma delas, tem uma peculiaridade. São engenheiros, médicos, enfermeiros, administradores, jornalistas, jardineiros, assistentes de administração, zeladores prediais, psicólogos, assistentes sociais, etc... São atividades muito distintas que não podem ser submetidas a um sistema padrão de controle de frequência. Além disso, existem TAEs que atuam também na pesquisa e na extensão.

Com o controle social não apenas os horários de trabalho, mas também as atribuições dos trabalhadores estarão disponíveis para a sociedade, tornando muito mais transparente o processo de trabalho, impedindo que o controle vire moeda de troca para as artimanhas políticas, ainda muito comuns na universidade.

Os professores, por exemplo, tem um sistema de controle que é o Planejamento das Atividades Docentes, o PAD, efetuado eletronicamente todos os anos. Nele, os docentes precisam relatar os horários de aula, o tempo de pesquisa, os projetos que estão trabalhando, o tempo de extensão e os trabalhos que desenvolvem nessa área. Assim, qualquer pessoa pode saber como as horas daqueles professores estão sendo distribuídas. É bastante transparente. A proposta para os TAEs é bem parecida e deverá ser viabilizada por uma comissão formada pelos TAEs e pela administração.

É fato que as relações coronelistas ainda bem vivas na universidade fazem com que muitos trabalhadores não confiem muito nessa ideia de controle social. Muitos ainda preferem a relação visceral com as chefias, porque permite negociações. O que mostra o quanto esse sistema em que o chefe tem o poder sobre o trabalhador é nefasto e passível de manipulação. Por isso, é fundamental que o sindicato realize uma boa campanha de divulgação sobre o que é o controle social para que os trabalhadores e a sociedade possam perceber o quanto é mais democrático e eficaz. A modernidade e as novas tecnologias de informação já permitem que o tempo dos coronéis fique no passado. É a sociedade que precisa saber e fiscalizar o serviço público. Daí que o controle social é a ferramenta mais adequada.

Com esse respiro de dois meses, os TAEs terão de sacrificar os meses de verão e possíveis férias para realizar esse importante trabalho. Mas, a comissão está animada. Há muito a fazer e as ideias já pipocam. A proposta agora é criar um canal direto de comunicação entre a comissão e os trabalhadores para que todos possam acompanhar o andamento da construção do modelo.

O ano termina e ainda que tenha sido bastante sombrio, com todas as tristezas que se abateram sobre a instituição, os trabalhadores conseguiram realizar um grane trabalho. Mostraram que o controle social é possível e desvelaram todas as inverdades que estavam sendo vendidas como certas. Os trabalhadores entendem que como servidores públicos têm de prestar contas à sociedade sobre seu trabalho, e não apenas aos chefes imediatos. E é nesse caminho que deverão construir o modelo de controle social.

Os representantes dos técnicos na comissão serão Veridiana Oliveira, Gabriel Martins, Luciano Agnes, Ivandro Valdameri, André Ruas, Dilton Rufino e Celso Martins.  

É importante lembrar: o ponto biométrico ainda é uma ameaça. Só a luta concreta muda a vida. Também ficou decidido que os TAEs lutarão para incluir o HU - que já tem ponto biométrico - no sistema de controle social. 


segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

UFSC cumpre 57 anos de vida







Em 1960, a união das faculdades existentes em Florianópolis - Direito, Ciências Econômicas, Odontologia, Farmácia e Bioquímica, Medicina, Filosofia e Serviço Social, deu origem à Universidade Federal de Santa Catarina, cuja lei de criação foi sancionada por Jucelino Kubitschek, em 18 de dezembro. Pouco tempo depois começavam as obras do que viria a ser o campus da UFSC, já na Fazenda Assis Brasil, depois de muita disputa sobre onde deveria ser fincada a universidade, já que a fazenda era considerada muito distante do centro. Mas, apesar disso, venceu a ideia de David Ferreira Lima, e o campus foi crescendo na Trindade, ajudando a dar nova vida ao bairro.

Hoje, dia 18 de dezembro de 2017, a UFSC comemorou seu aniversário de maneira sóbria, ainda vivendo a perplexidade da morte do reitor Luiz Carlos Cancellier, decidida por ele depois de vivenciar profunda humilhação ao ser preso de maneira arbitrária e posteriormente impedido de entrar na UFSC. Acusado de obstruir a justiça numa investigação de desvio de recursos, ele viu seu nome jogado na lama, pela polícia, pelo judiciário, pela mídia e pela opinião pública. Todos julgando e condenando antes de qualquer evidência. Não suportou.

Nesse dia de aniversário a administração decidiu inaugurar o retrato de Cancellier na galeria dos reitores. Foi a maneira de juntar a celebração dos 57 anos com a lembrança, ainda doída, da tragédia vivida no último outubro. A Orquestra de Câmara e o Madrigal da UFSC trouxeram a beleza da música, e o retrato foi descortinado. 

O grupo “Floripa contra o Estado de Exceção” realizou seu protesto, com faixas e cartazes lembrando a forma abusiva com a qual a polícia, o judiciário e a mídia trataram do caso que levou o reitor ao suicídio. “Não vamos permitir o esquecimento”. Faixas com as fotografias daqueles que protagonizaram as denúncias e as prisões circularam pelo saguão da UFSC, cartazes com dizeres diversos lembrando o abuso, em defesa da universidade pública e gratuita também proliferaram. Ao final das homenagens o grito: Justiça! Justiça! Até hoje – desde o dia da prisão, que foi no começo de setembro – não há comprovação sobre qualquer crime que tenha cometido o reitor. 

Do lado de fora da reitoria a manhã corria cinzenta, com uma neblina fininha caindo. Pelo campus, o silêncio. Já não há mais aulas e os estudantes se foram. Em volta da música e da homenagem pelos 57 anos reuniram-se os trabalhadores, poucos. Alguns, mais próximos do reitor Cancellier, enxugavam lágrimas furtivas. Ficou a saudade do professor cumprido, que descia incontáveis vezes para o lado de fora da reitoria, para fumar e conversar com quem passasse. “Parecia que o gabinete era ali embaixo”, lembrou um jardineiro.

Outros, como eu, também se emocionavam com o aniversário em si. Afinal, apesar de saberem que essa que aí está ainda não é a universidade necessária, nutrem por ela um profundo amor. Um amor que está ancorado na potencialidade desse lugar, que tem como missão formar pessoas para o mundo do trabalho, para a criação do novo, da ciência, do conhecimento. Uma universidade que ainda não deu as mãos à maioria do povo, nem conseguiu apresentar soluções para os problemas locais e nacionais, mas que, apesar disso, tem em si a possibilidade. 

E é em busca dessa possibilidade que caminhamos, no cotidiano, fazendo coisas fora da ordem, lutando para que permaneça pública, gratuita, de qualidade e que se faça comprometida com a sociedade, com a maioria da população. 

A UFSC é um lindo lugar, espaço onde travamos nossas batalhas de classe. É abrigo, é casa, é madrasta e mãe. Depende sempre de cada um e do que se espera dela.

Eu, que aqui cheguei, primeiro como aluna, em 1987, depois como trabalhadora em 1994, a tenho como território de potência e de belezas. Gosto de andar por suas veredas, seus lugares lúgubres, suas alamedas verdes, seus corredores silenciosos. Gosto de suas gentes, amo os meses de aula com a balbúrdia dos estudantes, as lutas dos trabalhadores, o latir dos UFSCães, o trinar dos passarinhos, o coloridos dos ipês. Sinto-me em casa. Por isso, não me furto à luta para que ela saia de seu conservadorismo, seu atraso, sua intolerância. Dentro desse pequeno mundo, vamos fazendo o que podemos para tornar a UFSC a universidade sonhada, que ainda não vingou. Mas, vingará. 


Orquestra de Câmara e Madrigal da UFSC





Papai Noel vermelho



Lá vamos nós viver mais um natal, tempo em que o sagrado perde espaço para o consumo. Mais vale ter um presente que um abraço. Mais valem as coisas que as gentes. Mais vale a ideia de um velhinho distribuindo mercadorias do que o menino Jesus, ideia mítica de amor e doçura.

No Brasil, há poucos dias, crianças jogaram pedra num Papai Noel, porque as balas que ele distribuía se acabaram. Ou seja, foda-se o velhinho, queremos os presentes. E, claro, a responsabilidade por isso não é das crianças, ensinadas que são a valorizar mais a mercadoria do que o esforço dos trabalhadores que a tornou possível.

O capitalismo nos rouba muito mais do que a mais-valia. Ele nos tira também a delicadeza do humano. Por isso, há que resistir. A luta para destruir esse sistema de produção é o único “presente” possível. Por isso, meu Papai Noel é esse que enfrenta a polícia, que exige justiça, que batalha pelo mundo novo, solidário e comunista. O Santa Klaus, original, caminhava com os empobrecidos para mudar as coisas, não para mantê-las, tal qual Jesus. E é com esse propósito que também caminhamos. Não para distribuir presentes (coisas, mercadorias). Mas, para garantir um presente digno e um futuro melhor. À luta, pois!!!!


quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Suicídio nunca mais



Na tarde calorenta do verão florianopolitano, em meio ao frisson das compras de natal, um grupo de pessoas se destacava na multidão. Vestidas de preto, carregavam cartazes, rememorando o drama vivido pelo reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Em setembro ele foi preso, humilhado e exposto a execração pública. Acusado de obstruir a Justiça num caso de investigação de desvio recursos num projeto específico dentro do Curso de Administração, ele foi proibido de dar aulas, entrar na UFSC e até de se comunicar com os colegas de universidade. Premido pela dor de ver seu nome jogado na lama, ele se matou um mês depois da prisão.

O grupo que se manifestava foi criado em função desse drama, em protesto contra a forma como tudo aconteceu. Ninguém é contra investigar possíveis crimes, mas todos são unânimes em denunciar o abuso que foi a prisão não apenas do reitor, mas de todos os envolvidos. Na Justiça brasileira a presunção é sempre de inocência, até que se prove o contrário. Não foi o que passou. Presos, os professores foram levados para o presídio na ala de segurança máxima. Foram despidos, revistados intimamente e acorrentados como perigosos facínoras.

Não bastasse a invasão à UFSC, a Polícia Federal em nível nacional também passou a invadir outras universidades, sob alegação de investigação de desvios. Até aí, nada contra. Se há crime, há que se investigar. Mas, a motivação parece não ser apenas essa. Em Minas Gerais, o reitor e outros professores foram levados coercitivamente por conta de uma obra que celebrava a anistia, coisa marcadamente política. Vai daí que o que aparece por trás do fenômeno parece ser a exposição da universidade pública como um “covil de ladrões”, coisa que vem bem a calhar quando o governo quer impor o receituário do banco Mundial, que propõe privatizar as universidades. Há algo nebuloso aí.

Esse debate foi levado nessa quinta-feira para a rua. Com os cartazes expondo o abuso do judiciário e a cumplicidade da mídia, o grupo “Floripa contra o Estado de exceção” constituiu uma rugosidade no centro da cidade, turvando a alegria do consumo. As pessoas que passavam reagiam da mais variadas maneiras. Um senhor, exaltado, apontava para o cartaz com a figura dos algozes do reitor e dizia: “Esses são meus heróis. Quem não deve, não teme”, jogando para a vítima a culpa já incitada pela mídia. Outros paravam, curiosos, lendo os cartazes e as grandes faixas colocadas no chão. Poucos paravam para conversar.  Os que o faziam realmente queriam saber, e se solidarizavam ao se inteirar dos detalhes de tudo.

O protesto silencioso e contundente do grupo “Floripa contra o Estado de exceção” não foi a vivência de um luto pessoal. Foi a recusa veemente da lógica de acusações sem provas, de execração pública antes de julgamentos, do método já bem conhecido de exceção, tal qual nos tristes tempos da ditadura civil/militar. O jeito “república de Curitiba” não é o modo paladino da justiça. Ao contrário. É a maneira autoritária do uso da lei apenas para aqueles que são considerados “inimigos”. E isso não pode ser permitido. A ingênua expressão do senhor indignado: “quem não deve, não teme” não representa a realidade. Quando os poderosos elegem um inimigo, mesmo que sejam os mais honestos do mundo, há que temer. Por que o braço da opressão de quem tem o controle da lei e da repressão é longo e cruel.

Por isso não dá para ficar calado. O modo “sem lei” que ataca hoje alguém é o mesmo que pode levar amanhã até mesmo aqueles que consideram heróis os agentes da opressão. Há que protestar contra o demando, contra o terror e contra o abuso. É um imperativo ético. Não apenas com o que se expressa na universidade, é fato, mas também contra o que atua sobre os pobres, os negros, e toda a sorte de excluídos. E cada um e cada uma que carregou seu cartaz nessa tarde de calor tem isso bem claro. Não foi só pelo reitor. Foi por todo mundo. Foi pelas universidades públicas, foi pela Justiça de verdade. 

A luta não para. 


terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Os TAEs da UFSC e o ponto eletrônico



O fórum dos diretores de Centro da UFSC discutiu nessa terça-feira, a implantação, ainda essa semana, do ponto eletrônico para os trabalhadores técnico-administrativos.  Mas, antes de falar da reunião em si, cabe ressaltar dois pontos.

O primeiro deles é que o tema chegou onde está porque a administração Roselane/Lúcia recusou-se a exercer sua autonomia e o direito de negociar. Quando o tema da indicação do Ministério Público para implantação do ponto unicamente para os TAEs veio à baila, os trabalhadores não foram chamados a discutir. Foi necessário todo o kit básico de movimentação para nos  fazer ouvir. Banda Parei, ocupação de reunião, confronto. Por conta disso, numa reunião chamada secretamente, e logo em seguida ocupada pelo TAEs, foi sugerido que as reitoras chamassem o Ministério Público, os juízes, enfim, todos os que indicavam ponto para discutir o caráter diferenciado da universidade. Não somos uma fábrica de pregos, ou de sardinha. O trabalho dos TAEs envolve várias profissões e especificidades. Além do mais, já havia uma proposta concreta de controle social. Ou seja, ninguém é contra discutir a assiduidade e pontualidade, apenas temos uma proposta diferente. O fato é que as reitoras não o fizeram.  Aceitaram a denúncia, aceitaram a indicação e aceitaram a intervenção da justiça.

O segundo ponto é que no que diz respeito ao judiciário, mesmo que a ação contra a UFSC  - segundo a reitoria – já tenha transitado e julgado, sempre há a possibilidade de um acordo, principalmente se tratando de um tema como esse que não envolve improbidade, desvio ou coisa parecida. É apenas uma proposta de controle que frequência, que o Ministério Público e o Judiciário querem impor como ponto eletrônico, e que os trabalhadores querem discutir apresentando outra proposta, igualmente de controle de frequência, só que no caso: social. Feita pelos próprios usuários.

Assim, que a recusa das reitoras em usar da soberania do cargo para discutir de igual para igual com o MP e Judiciário levou a tramitação da ação. Com a chegada do novo reitor Luiz Carlos Cancellier, o processo seguiu, sem que a nova administração também procurasse o MP e o Judiciário para discutir e apresentar uma proposta diferente. O reitor acreditava que podia adiar a coisa, mas sem uma ação mais forte seja no campo da negociação, e muito menos no campo da lei. Então, agora, a imposição do ponto se apresenta como inexorável: é uma determinação judicial e nem o reitor, nem a pró-reitora de gestão de pessoas estão dispostos a arriscar seu pescoço, conforme foi dito de maneira muito clara na reunião.

Agora, aos fatos atuais.

A reunião com os diretores foi chamada para informar da implantação do ponto em três setores da UFSC. Coisa dada. Segundo o setor de gestão de pessoas, para cumprir com a ordem judicial, cujo prazo para isso se extingue em 31 de dezembro. Os TAEs, sabendo da reunião, pediram para participar. Mais uma vez, as decisões sobre os trabalhadores estavam sendo tomada à revelia, como se essa massa de mais de quatro mil pessoas que mantém a universidade funcionando e dá a ela um elevado padrão de qualidade, não fosse qualificada para falar de si mesma, de formular propostas ou de debater sobre o tema.

Mais uma vez a coisa foi na pressão. A diferença é que não houve confronto. Na paz, foi acertada a participação. Lá dentro, mais uma vez a pró-reitora Carla Búrigo expôs o tema como fato consumado. E abriu-se, enfim, a palavra aos técnicos.

O que se seguiu foi um momento de rara beleza na UFSC. Os trabalhadores expuseram suas ideias, razões e propostas. Historicizaram o tema, lembraram do sistemático desrespeito que sofrem no debate sobre a organização do trabalho, apresentaram alternativas. Foram muitas falas, muitas mesmo. Cada um e cada uma, a seu jeito, explicando como as coisas são, como funciona a universidade, como se organiza o trabalho e como é possível um controle de frequência social, no qual os horários são estabelecidos e é o usuário que fiscaliza. Isso faz com que muitos professores e gestores percam a velha moeda de troca com a qual sempre jogaram, na relação com os trabalhadores. Um avanço significativo, portanto. Foi lembrado que se há trabalhadores “vagabundos”, isso não é a regra. Os espertinhos existem em todos os lugares, em todas as profissões. Mas, com um controle social, eles não criam.

Os trabalhadores mostraram que sabem muito bem o que estão dizendo e repetiram para o reitor o que já haviam dito às reitoras da gestão Girassol. “Use seu poder de reitor, use seu cargo de dirigente de uma instituição autônoma e vá discutir com o Ministério Público e com o Judiciário. Mostre a eles como a universidade é um espaço diferenciado e que tem condições de fazer o controle de frequência que lhe é mais correto”.

Ente os diretores de Centro poucas vozes se ouviram. O diretor do campus de Araranguá, Eugênio Simão, sugeriu que se buscassem alternativas diferenciadas. Também o diretor do campus de Blumenau, João Luiz Martins, talvez um dos poucos ali que realmente escutou os TAEs, se manifestou. Ele se mostrou favorável à proposta dos TAEs, compreendeu os argumentos, falou de sua experiência em Blumenau. Da sede Florianópolis, apenas o diretor do CSE, Irineu de Souza, apoiou os TAEs, se colocando contra o ponto eletrônico e também apontando a necessidade de o reitor buscar diálogo com os órgãos externos, que não conhecem a UFSC. E foi isso. Mais ninguém.

De volta para a mesa, tanto o reitor como a pró-reitora ressaltaram que não iriam descumprir uma ordem judicial, e que fora o reitor Luiz Cancellier quem dera a ordem de compra dos equipamentos, portanto ele mesmo também cumpriria a determinação. De novo a argumentação de que não havia saída. Insistiram na implantação apenas para testes. TAEs não aceitaram. 

Novas falas dos TAEs levaram a administração a aceitar, então, pensar conjuntamente uma alternativa para o cumprimento da medida judicial. Foi marcada uma reunião para a manhã dessa quarta-feira entre a comissão que já havia sido eleita em assembleia dos TAEs e a administração. A intenção é apresentar uma proposta na assembleia que acontece na mesma manhã, a partir das nove horas. Nesse momento a diretora do CFH, Miriam Hartung,  sugeriu que a saída encontrada não fosse um “jeitinho”, capaz apenas de desviar da decisão do judiciário, mas que contemplasse uma proposta mais abrangente de discussão e debate amplo sobre o tema, e que levasse a um efetivo controle de frequência, porque problemas há, o que foi prontamente aceito pelos TAEs. Afinal, ninguém é contra o controle, apenas contra a forma como pretende ser feito, via máquina.

E assim foi. Cabe ressaltar a atitude serena do reitor Ubaldo Balthazar, coisa rara nas conduções de reuniões na UFSC. Agora resta esperar a reunião desta quarta para ver se essa serenidade se mantém, tanto na administração quanto nos técnicos.

O fato é que os TAEs têm propostas concretas e exequíveis.  

A UFSC ainda vive uma situação atípica, fruto da ação desastrada – para dizer o mínimo – da Polícia Federal. Tudo isso provocou uma morte, a do reitor Cancellier, e um afastamento médico, da vice Alacoque. Agora, a UFSC precisa se levantar outra vez, e segue sendo assediada pelos órgãos externos. É mais do que tempo de mostrar a força e a soberania da Instituição. 


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

UFSC: no rumo da universidade necessária


Chamada por um grupo de técnico-administrativos, professores e estudantes, aconteceu nessa quinta-feira, dia 07 de novembro, uma reunião pública para discutir a possibilidade de uma candidatura para as eleições na UFSC. A discussão foi chamada tendo como referência o nome de Irineu Manoel de Souza, que participou da última consulta, na qual saiu vencedor Luiz Cancellier. 

As eleições na UFSC acontecem de maneira atípica, depois da tragédia que vitimou Cancellier. Preso pela Polícia Federal, sofreu violência e humilhações, sendo também impedido de entrar na universidade, sob uma acusação de tentativa de obstrução de Justiça, sem qualquer prova ou embasamento. Premido pela humilhação pública ele acabou se matando. Com sua morte veio a necessidade de substituição legal.

Como a UFSC não tem nos seu estatuto uma regra clara para a transição em caso de morte do reitor, adveio uma grande confusão. A vice-reitora, apesar do apoio recebido de toda a comunidade para seguir com o mandado, acabou pedindo licença de 60 dias e deixou a universidade sem direção. A partir daí abriu-se o debate para novas eleições diretas. E foi o que acertou o Conselho Universitário.

Na reunião realizada no CSE, com a presença de um bom número de trabalhadores e estudantes, as falas que se seguiram apontaram a necessidade de uma candidatura que seja firme na defesa da universidade pública, hoje sob forte ataque por parte do governo e das forças da repressão. O programa apresentado por Irineu nas últimas eleições ainda segue bastante atual nessa conjuntura porque aponta para a necessidade do aprofundamento da democracia, para a transparência, para a participação efetiva dos trabalhadores e estudantes no comando da instituição. Tem posição clara quanto ao Hospital Universitário, a pesquisa, a extensão, pelas 30 horas e contra o ponto eletrônico.

Foi lembrado também que a conjuntura é bastante favorável para uma candidatura que seja bastante radical, no sentido de não abrir mão da defesa intransigente de uma universidade visceralmente ligada aos interesses da comunidade onde está inserida.

As forças que compõe o poder na UFSC estão em movimento. Possivelmente haverá uma candidatura da direita tradicional, que na última eleição foi representada pelo professor De Pieri, a qual virá para defender os interesses de grupos bem específicos dentro e fora da UFSC. Também haverá candidatura representando o grupo de Cancellier, representando a continuidade do projeto que estava em curso, alinhado aos ditames do governo e sem uma postura mais radical com relação aos grandes problemas estruturais da universidade.

A candidatura de Irineu Manoel de Souza pretenderá ser essa radicalidade. Uma candidatura sem ambiguidades. Capaz de dialogar sem medo com os trabalhadores, de caminhar segura no sentido de garantir a permanência dos estudantes e de constituir com os professores propostas vinculadas a vida da cidade e do país. O reitor necessário agora, nessa conjuntura, é o que fala claro e aprofunda os processos participativos de decisão. Um dirigente que seja capaz de discutir em profundidade a questão das Fundações e que dirija um processo nacional de construção de outro projeto de universidade, popular, nacional e transformadora.  

Essa é nossa hora histórica. Momento único de garantir que a universidade de Santa Catarina seja o motor da mudança. São tempos difíceis que exigem posturas radicais. O grupo reunido no CSE indica o nome do Irineu para comandar esse processo.

A partir de agora, devem se realizar novas reuniões, visitas aos setores e a reconstrução coletiva do projeto apresentado na última eleição. A conjuntura não é mais a mesma de um ano e meio atrás. Vivemos um processo de golpe no qual a universidade vem sendo alvo de ataques e o Banco Mundial indica sua destruição. Não é tempo de vacilações ou meias-palavras. É tempo de firmeza e de clareza política.

Vamos com Irineu rumo à universidade necessária.  


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

As tarefas do pai


Imagine um homem que foi arrimo de família uma vida inteira. Sempre preocupado com as contas, com os compromissos, com as compras, com tudo. Tudo apontadinho, tudo organizado. Meu pai sempre foi assim. Aí vem aquele momento do esquecimento. A memória falha, as coisas ficam confusas. Isso parece ser coisa normal entre aqueles que vivem muito. E já se vão lá 86 anos...

Por isso é fundamental que, nessa etapa da vida, eles tenham tarefas cotidianas para cumprir. É uma maneira de não se sentirem inúteis. Outro dia, ao chegar a casa, ele estava agitado. Pegou minha mão e disse: precisamos conversar, com aquele tom solene. Então, explicou: “preciso ver como arranjar um emprego. Tenho que trabalhar”. Posso com isso?

Expliquei pra ele que já trabalhara muito, por quase 50 anos, e que agora estava aposentado. Falamos longamente de seus antigos empregos e tudo o que já fizera. E que isso garantia a ele seu salário, portanto não precisava preocupar. Ele respirou, aliviado: “agora tô mais tranquilo”.

Também mostrei que ele segue tendo obrigações importantes. É da responsabilidade dele regar as plantas, secar os pratos e cuidar dos cocozinhos dos cachorros, tarefas que cumpre religiosamente, até quando chove.

Essa última, dos cocôs, ele cumpre de um jeito bem peculiar. Caminha pelo quintal, de ponta a ponta, procurando por eles. Encontrando-os, coloca ao lado deles um pauzinho, como uma marcação. Quando eu chego, no fim da tarde, ele está esperando no alpendre e já avisa: “tá tudo marcadinho”. É a minha vez de atuar então, juntando cada um dos cocôs e enterrando na compostagem. Ele faz sinal de positivo com o dedo, sorri e dispara: “parceria perfeita”.

E é bem assim.  

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

As casas choram...



Havia tempos que eu não passava pela Mauro Ramos. E, assim, de chofre, amuei. Lá estava a lógica dos espigões colocando abaixo mais algumas daquelas casas típicas, açorianas, que um dia fizeram a paisagem da rua. Poucas restam agora. Sempre me encantei com aquelas que ficavam ali próximas da Fecesc, três, grudadinhas, parede com parede. Agora não há mais.

Uma delas foi preservada para servir de fachada a um destes monstros de cimento. O pastiche de um tempo que não existe mais. Uma casquinha ritual, absolutamente perdida de sua beleza e historicidade, tal como ficou a Casa do Barão.

Casas que um dia pertenceram aos mais ricos, claro, por isso tão bonitas e cheias de rococós. E que poderiam servir de casas de cultura, cinema, pontos de cultura, sei lá. A gente se apossando dos espaços que no passado nos eram negados. Mas, não. Eles continuam não sendo nossos e mesmo fazendo parte de toda uma arquitetura típica ficam ali, como uma farsa.

Parei diante da casinha verde, que parecia gritar de medo e de solidão, e chorei. Minha cidade vai sumindo na bruma dessa modernidade burra. Logo, logo não haverá na Mauro Ramos mais que prédios e templos. 


quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Sobre a depressão



Então, de repente, começa a aparecer nas redes sociais uma postagem sobre depressão. Uma novidade que vai acabar com o problema. Esse é um tema que me toca, fui lá ver. Diz o texto que o número de pessoas diagnosticadas com depressão no Brasil cresceu 61% nos últimos dez anos, passando de 5,5% da população em 2006 para 8,9% em 2016. A taxa brasileira é a maior em toda a América Latina e a segunda nas três Américas, ficando os Estados Unidos em primeiro lugar. No mundo todo a taxa é de 4,4%.

A considerar esses números da tal pesquisa, o Brasil teria 17 milhões e 800 mil pessoas sofrendo de depressão. E, segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil é o campeão mundial em ansiedade, tendo 9,3% sofrendo com esse problema, o que dá um total de quase 19 milhões. Juntando os dois dramas, depressão e ansiedade, temos cerca de 37 milhões de almas afetadas. Ainda segundo a OMC, em 2015, 788 mil pessoas morreram por suicídio. Isso representou quase 1,5% de todas as mortes no mundo, figurando entre as 20 maiores causas de morte em 2015. Entre jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a segunda maior causa de morte em 2015.

Deveras, os números são estarrecedores. E os índices aparecem em todo o mundo, sendo a menor taxa a de 2,9%, numa pequena ilha da Oceania.

Segundo pesquisas médicas a depressão é de fato uma doença causada pela deficiência ou mau funcionamento de um neurotransmissor chamado serotonina. Esse neurotransmissor tem várias funções dentro das pessoas, muitas delas ainda não descobertas. É a serotonina que mantém o cérebro em vigília, que regula o humor, que equilibra a saciedade e o desejo sexual, regula a temperatura corporal, sensibilidade à dor, e muitas coisas mais.

Assim, a solução para esse problema passa a ser óbvia: remédio! E é por aí que atua a indústria farmacêutica, empurrando toda a sorte de medicamentos que regulam e reequilibram a tal da serotonina já que sem ela ficamos de mau humor, perdemos o interesse na vida, comemos sem parar ou não comemos, e não dormimos.

Cá comigo fico pensando que se há um neurotransmissor dentro de nós que se desequilibra, esse desequilíbrio não acontece por mágica. Ele é provocado. E o agente provocador tem um nome: capitalismo.

Alguém pode dizer: ah, lá vêm esses esquerdopatas com essas teorias mirabolantes sobre as maldades do capital. Tudo bem. Mas, vamos pensar. Como alguém que não tem emprego, ou que perdeu a aposentadoria, ou que ganha mal e não consegue reproduzir a vida, que tem de enfrentar cinco horas no trânsito para chegar ao trabalho, que é vigiado pelos feitores, que não tem moradia, que vive afogado no medo, que não consegue estudar, que não tem lazer, que mal pode ver os filhos porque trabalha demais, que não consegue cuidar dos pais e outras tantas dores mais, pode não se deprimir? Como não viver em estado de ansiedade se o Datena diz todos os dias que vivemos num mundo de terror? Como não viver em sobressalto se não há esperança de presente, nem de futuro? Como não desequilibrar a serotonina se o alimento que se come não é mais natural, está impregnado de veneno e de outros químicos?

A vida que o capitalismo nos apresenta como a vida moderna não é a melhor vida. Pelo menos não para os trabalhadores. Pode ser para o 1% que vive do trabalho dos demais. Mas, para os 99% não é boa não. Ah, mas eu tenho celular, tablete, computador, TV de LED, tenho acesso a tudo de bom que o capitalismo criou. Pode ser, mas a que preço? O trabalho te rouba vida, as tecnologias te roubam vida, os alimentos processados te roubam vida, a falta de contato humano comunitário te rouba vida, tudo isso desequilibra teu corpo, tua mente, teu ser inteiro. Alguém pode dizer que em Cuba também tem depressão e lá não tem capitalismo. É verdade. Não tem capitalismo, mas a ilha vive atacada pelo capitalismo há 60 anos, então, sofre os efeitos também.

A depressão e a ansiedade, que tomam conta da alma de quase 40 milhões de brasileiros, são males típicos do capitalismo, é uma doença social. Disso não tenho dúvidas. E o capitalismo é tão “bonzinho” que é também capaz de criar os medicamentos que te façam ficar bem, de bom humor, de bem com a vida, mesmo vivendo nesse inferno. Dá-lhe ritalina, clonazepan, triptox5, e outras cositas más. Uma pílula e tudo fica bem, bora seguir arrastando a canga no trabalho, se acabando, e ainda assim chegar em casa sorridente, comer uma porção de transgênicos agrotoxicados e  prontos para uma boa transa. O mundo não é tão ruim, afinal. E se não tiver grana para um remedinho chique, tem a pinga, a cerveja, qualquer outra coisa que libere a tal da serotonina, essa malvada.

Alguns ainda orientam a equilibrar a serotonina com comida saudável. Um bom vinho, chocolate amargo, sementes, frutas. Mas, aos pobres, isso está inviabilizado. Comida tem de ser orgânica e o orgânico custa o olho da cara. Então, come-se o que tem no mercado mais barato. Não há escolhas. E se a liberdade escolher entre possibilidades concretas, não há liberdade.

A vida é uma batalha renhida no capitalismo. Batalha de morte. Não dá para amolecer. É certo que, às vezes, uma muletinha cai bem. Mas ela tem de ser pontual e cirúrgica. O que precisamos mesmo é garantir a nossa serotonina no braço, cortando a cabeça do capital, mudando o modo de organizar a vida. Nada de amortecer a dor e ficar no sofá vendo a Globo. Há que treinar o corpo, fortalecer os músculos, afinar a pontaria, estar pronto para a peleia. Porque ela é cotidiana.

Heráclito já mostrou lá atrás que a essência da vida é movimento. E é assim que enfrentamos. Movendo-nos, espreitando os inimigos, armando-lhes armadilhas, alertas, alertas.


A tristeza é coisa boa, nos faz ruminar. A ansiedade nos faz avançar. São sentimentos e sensações do humano. A depressão é doença social do capitalismo. Para ela acabar, temos de acabar com ele. E não há o que temer. Quando o capitalismo morrer e vier no seu lugar o comunismo, vai ser tão bom, tão solidário, tão comunitário, tão bonito, que nossa serotonina cantará e dançará dentro de nós, fazendo com que nossos corpos também possam celebrar a alegria e o prazer, vivendo numa sociedade de riquezas repartidas, sem propriedade privada e sem exploração. 


quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Transporte coletivo: rebelião já!


Ouvi hoje no rádio a propaganda da prefeitura de um aplicativo que poderemos ter nos celulares, com o qual vamos saber onde o ônibus está. Está bem, sou explosiva e violenta. Mas hoje fui ao auge. Confesso que minha vontade era fazer como aquele personagem do Michel Douglas, no filme “Um dia de fúria”. Tudo pelos ares! Sorte eu estar em casa. Pude me acalmar.

Senhor prefeito, por favor, ande de ônibus. Não queremos saber onde o ônibus está. Nós queremos que o ônibus passe no horário, porque temos de pegar dois ou três carros antes de chegar aonde temos de chegar. E se perdemos o horário num, a vida toda atrasa.

Não queremos saber onde o ônibus está. Nós queremos um corredor de ônibus exclusivo para que o coletivo possa circular rápido e chegar rápido no trabalho, no cinema, na casa do nosso amor, onde for. Nós queremos um transporte verdadeiramente público, que se importe com o usuário e não com o lucro dos empresários. Nós queremos um sistema verdadeiramente integrado que nos permita ir de um bairro a outro sem passar pelo centro, fazendo por vezes, duas vezes o caminho.  

Nós sabemos que os corredores são inviáveis para a prefeitura, porque se forem feitos, vão provocar a ira das pessoas que andam de carro. A classe média motorizada vai chiar. Pois eu digo em alto som: Fodam-se os carros. Foda-se a classe média motorizada. Que fiquem mofando no trânsito enquanto a gente passa ligeirinho pelos corredores exclusivos. Tenho certeza que logo estarão andando de ônibus também, porque será mais rápido.

O nosso sistema na ilha chama SIM, ou Sistema Integrado Municipal. É uma mentira, um tormento, um sofrimento, um terror. É um NÃO. Ele é comandado por meia dúzia de empresários que estão nesse ramos há décadas. Vejam onde eles moram, como vivem, o que comem, como se movimentam na cidade. Não sabem o que é viver esse estresse cotidiano, sistemático, irracional. Hoje, perdemos de três a cinco horas no percurso entre a casa e o trabalho. É uma tortura isso.

Não há qualquer argumento veraz para não fazer o corredor exclusivo. Não há. Eu posso desenhar esse sistema. Imaginem os técnicos.

Essa é uma cidade mansa demais. Apavora-me saber que em pouco tempo todos estarão com seus aplicativos procurando saber onde o ônibus está. Já eu não. Quero uma rebelião. Transporte público/estatal já! E corredores exclusivos.

A parte isso, boas ciclovias e transporte marítimo. Já fica aí a dica para o perfil do novo prefeito ou nova prefeita. E, sinceramente? Podia ser eu!


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Primeira Marcha da Periferia de Florianópolis


Foto: Rubens Lopes

No dia 20 de novembro, a periferia de Florianópolis ocupou o centro da cidade para gritar contra o genocídio do povo negro. Já não é de hoje que, na guerra de classes vivida no Brasil, é o negro aquele que mais sofre. São negros os que são assassinados, 70% dos casos. São negros os que apodrecem nas prisões, 67% dos apenados. São negros os que são empurrados para a periferia, sem emprego, sem moradia, sem nada. A periferia é herdeira dos quilombos, lembraram os manifestantes, que se concentraram em frente à Catedral. Os quilombos eram espaços de liberdade que os negros foram construindo ao escaparem da escravidão. E, depois da libertação jurídica, sem terra e sem trabalho, também acabaram sendo espaço de organização e vida. Hoje, passado tanto tempo, o Brasil não superou a chaga da escravidão. E a liberdade é só formal. Sobrevive o preconceito e a discriminação. Por isso o grito segue sendo necessário. A Primeira Marcha da Periferia foi organizada pela CSP Conlutas, Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, Quilombo Brasil e Islam Continente, e reuniu negros e indígenas. Para os que se reuniram nessa caminhada histórica, a luta só pode acabar quando chegar ao fim o sistema racista e capitalista que mata negros e índios há mais de cinco séculos.
A marcha também lembrou os ataques atuais, no governo Temer, como as reformas Trabalhista e da Previdência que aumentarão o desemprego e a miséria. Isso sem falar do ataque direto que esse governo faz aos quilombolas e indígenas, buscando retirar deles as terras conquistadas. Há que colocar abaixo esse governo e todas as suas contrarreformas. Fotos: Rubens Lopes

O jornalismo, a Pobres e o Rubens



Parceiros: na Rádio Campeche, no corpo a corpo com a vida

Nessa quinta, às 9h, no Curso de Jornalismo, o querido Rubens Lopes defende seu trabalho final, depois de cumprir uma longa caminhada para chegar ao jornalismo. Nascido em Santa do Alegre, no interior de Minas Gerais, seu destino poderia ser o de quase toda a gente trabalhadora dali: o campo. Tanto a vó, Rita, como a mãe, Edna já tinham trilhado esse caminho. Mas, ele era curioso demais e seus olhinhos vívidos estavam sempre procurando a vereda das gentes.

Vendendo picolé nas ruelas da cidade ele foi percebendo que Santana era um lugar cindido. Pobres e ricos muito bem demarcados. As camionetas dos latifundiários fazendo sombra às velhas bicicletas da gente rural. Depois, trabalhando numa floricultura, ele adentrou aos casarios da pequena burguesia e pode compará-los às moradias humildes daqueles que eram como ele. Na fábrica de leite, o contato com os demais trabalhadores lhe deu a verdadeira ideia do que é ser explorado até a última gota de sangue e ainda ser agradecido ao patrão. Histórias e histórias que lhe saltavam na cara, e que se remoíam dentro dele, sem saber como sair.

E foi para fazer esse parto que ele decidiu fazer o curso de Letras, que chegou à cidade justo quando ele terminou o segundo grau. Quem sabe, nos livros, ele não encontrava um jeito de fazer brotar aquela angústia que lhe tomava. Os estudos começaram, mas a inquietude não parava.

Foi então que ele se deparou com o exemplar do primeiro número da Pobres e Nojentas, uma revista de reportagem produzida em Florianópolis, pela tia do amigo Renato. Os textos que saltaram das páginas encontraram lugar no seu coração e ele soube que era aquilo que queria fazer. Narrar a vida das gentes que, como ele, andavam pelos caminhos fora do centro de poder.

Por essas coisas da vida o amigo Renato saiu de Santana, indo para Florianópolis seguir o seu sonho que era o de estudar música. Esse passo levou Rubens a também buscar o seu desejo maior. E ele embarcou de mala e pão-de-queijo para a capital catarina. O propósito era passar na Federal, no Curso de Jornalismo. E foi um duro processo. Mas, ele enfrentou cada pedra com fibra e decisão. Cabeça nos livros, pré-vestibular popular no Campeche, professora particular conseguida em permuta e lá foi ele. Tentou e não conseguiu. Tentou de novo e de novo. Então, passou.

Não foi um aluno comum. Bem antes de entrar no curso já tinha se engajado no Instituto de Estudos Latino-Americanos, onde foi realizando um lindo trabalho. Filmagens, fotografias, assistência técnica, carregador de mesas e livros. Cada pequena oportunidade de aprender ele agarrou, apaixonando-se cada dia pela América Latina. Também embarcou na viagem da Rádio Campeche, atuando como produtor e repórter do programa Campo de Peixe.

Como não podia deixar de ser, seu primeiro texto jornalístico foi publicado na revista Pobres e Nojentas. Falava de um trabalhador de Santana, sua gente nunca esquecida, então imortalizada pelas suas palavras. Ele encontrara seu lugar. Demorou para terminar o curso, não por mandrião. Mas, por excesso de vontades. Viajou pela Pátria Grande, fotografando as gentes, andou o Brasil todo no projeto Indígena Digital, fotografando e ensinando, querendo para os meninos e meninas que encontrava pelo caminho o mesmo destino que tivera: força para buscar o sonho. O jornalismo vibrava dentro dele e tudo aquilo que queria dizer e não sabia como, agora encontrava o caminho de se fazer.

Nesse dia 23 de novembro o Rubens encerra essa pequena jornada apresentando seu trabalho final de Jornalismo. É uma monografia sobre a revista Pobres e Nojentas, a publicação que orientou seu mundo. Na convivência com as jornalistas que conformam a revista ele solidificou seu projeto de ser e com elas tem caminhado em projetos diversos, sempre à margem, no jornalismo libertador. É um companheiro, um pobre e nojento como nós.

O menino de Santana agora tem o título com o qual sonhou por noites a fio. Mas sabe que o homem que ele  se tornou é mais do que o título que está chegando. Forjado nos caminhos vicinais ele prepara os alforjes para novas aventuras,  sempre posicionado do lado certo da história, com os trabalhadores, com os seus.

Eu, que por caminhos tortos acabei tendo participação nisso tudo, só posso me alegrar e compartilhar amorosamente desse momento estelar. Vai ser uma grande festa.

O ciclo termina, mas outro vem. E eu sei que lá irá o gafanhoto construir belezas.

Parceiros da vida, estaremos juntos. 


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Derlei



Eu não a conhecia, mas já tinha escutado sobre ela. Então, ela me ligou, pedindo ajuda para divulgar um livro que havia escrito. Pedi que me mandasse 20 exemplares que tentaria vender também. Ela mandou. O livro chegou . “No corpo e na alma” era a narrativa de sua militância contra o golpe de 64. A luta no movimento estudantil, iniciada na UFSC, depois na Ação Católica, a clandestinidade, a prisão, a tortura e o exílio. Li de um único fôlego, entre lágrimas. Um relato sem véus de um tempo cruel, no qual jovens apaixonados pela vida e pela liberdade, deram seus melhores anos para defender o bem-viver. No relato de “Leila” ficava bem claro o compromisso que foi assumido para defender o Brasil e toda a gente da barbárie que representa um golpe militar.

Pouco tempo depois, no universo das lutas da cidade, eu a conheci pessoalmente. Parecia difícil crer que Leila era ela. Baixinha, risonha, amorosa e delicada. Mas, ao passar dos dias, ficava cada vez mais fácil ver a Leila na Derlei de Luca. Na luta para garantir a Verdade e a Memória era gigante e implacável. E foi assim que todos nós fomos conhecendo e convivendo com Derlei, acompanhando e compartilhando da luta para abertura de arquivos, na busca dos desaparecidos, na manutenção da lembrança dos que caíram, na perseguição da verdade.

O Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça, cujo nascedouro foi ainda no início dos anos 80, teve Derlei como sua primeira coordenadora e durante todo esse tempo foi impulsionado por ela. Estar com ela era caminhar com a história da resistência, era aprender, na prática, o conceito de não se entregar.

A Derlei agora não estará mais nas marchas, nem nas audiências, nem nos gabinetes, iluminando os caminhos e clamando por Justiça. Ela não estará. Encantou. Mas aquela força inquebrantável que a levou, jovenzinha ainda, para a luta contra a ditadura, permanece naqueles que com ela conviveram em todos esses  anos. Continuar a luta por Memória e Verdade, trincheira onde travou suas últimas batalhas, é o que temos de fazer, para honrar sua vida.

Memória, Verdade e Justiça, tanto ainda por conquistar. Mas, essa vereda construída e trilhada por Derlei seguirá aberta, para que todos nós caminhemos.

Foi uma linda vida, Derlei. E nós te agradecemos por tudo! Que bom que tivemos tempo para estar contigo, te abraçar e te dizer tudo isso. 

Caminhada pela Verdade - 2014


sábado, 18 de novembro de 2017

Das pequenas delicadezas



Meu amigo Nildo tem uma expressão que ele aprendeu no México que é “ningunear”. Significa tu não dar importância àqueles que estão contigo, por perto. Ningunear, tornar ninguém. Isso é muito comum entre a gente. Geralmente tecemos loas para pessoas que estão distantes, famosas, midiáticas, enquanto temos ao nosso lado criaturas igualmente valorosas. Por isso tenho como prática viver homenageando as pessoas que estão perto de mim. Pessoas que amo, respeito e admiro. 

E das coisas bonitas que já vivi nessa minha larga vida de jornalista, guardo sempre com mais carinho as homenagens dos “meus”. Hoje, limpando o altar dos meus afetos, deparei-me com esse singelo regalo: o “Prêmio Volodia Teitelboim” que recebi dos meus amigos queridos do Portal Desacato, num dos primeiros Cafés Anti-coloniais promovidos por eles. Uma adorável caixinha de madeira com um pequeno pergaminho dentro. Uma pequena preciosidade. Ah, mas aí não vale. São teus amigos. Sim, são meus amigos, e por isso vale tanto. Porque eles me conhecem e, mesmo estando tão perto, me reconhecem. É bom ser homenageada por aqueles a quem amamos. 

Esses amigos queridos já ultrapassam uma década com essa proposta bonita do Desacato. Eu também os reconheço e agradeço todos os dias pelo valoroso trabalho que desenvolvem junto aos trabalhadores e trabalhadoras. Viva o Desacato, vivam todos esses companheiros e companheiras – velhos e novos – que fazem o jornalismo florescer! 


quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Nossos velhos precisam de nós


Fumando um charuto, no dia do aniversário do Che

Como diz o Ziraldo, a velhice acontece assim, de repente.  A pessoa está bem , fazendo coisas, controlando a vida, quando então, algo acontece. Com meu pai foi assim. Um dia, minha irmã o surpreendeu rasgando alguns documentos. Coisa que ele fazia cotidianamente, colocando fora os documentos já velhos, para não juntar lixo. Mas, entre os documentos rasgados, estava a escritura do único bem que ele tem: sua casa. Algo não estava normal. Pouco depois percebemos que ele estava descontrolado nos gastos, contraindo dívidas com o banco. Mais um sobressalto. Sua memória falhava e ele foi definhando. Completara 85 anos.

Levamos no médico e o diagnóstico foi Alzheimer. Prescreveu remédios fortíssimo que o tornaram um zumbi. Não andava e em pouco tempo já não conseguia nem pegar os talheres para comer. Aquilo não estava certo. Por sorte, na intuição, minha irmã suspendeu o remédio.

Foi quando decidi trazê-lo para morar comigo. Minha irmã mora no campo, sem qualquer condição estrutural de cuidar de uma pessoa idosa e doente.

Em Florianópolis consultei um jovem médico, Henrique Passos, desses, preciosos e necessários, que pensam no ser humano e não na doença. E do saco de remédios que ele trouxera, sobrou só um: o da pressão. A nova prescrição foi cuidado, atenção, conversas, passeios, estímulo artístico, interação social, alimentação saudável e balanceada. Tudo foi sendo cumprido e ele renasceu.

Ontem, lendo sobre a situação de João Gilberto, me dei conta do quanto a relação com os velhos precisa mudar. Eles definitivamente não podem ficar sozinhos. Não por um imperativo moral, mas por responsabilidade ética. A velhice tem outro ritmo, outras necessidades, outro ethos. E, a única maneira de manter a sanidade e a alegria por estar vivo é estar cercado de pessoas que lhes prestam atenção e garantem uma relação de amizade, de parceria, de companheirismo.

Há um momento em que a memória recente se vai, que as mãos ficam trêmulas, a capacidade de tomar decisões fica confusa, as funções intestinais se descontrolam. Vejo que não é demência, é simplesmente o início do apagamento da energia vital. Por isso eles precisam de gente por perto, para explicar as coisas milhões de vezes, sem irritação, para amparar o passo, para garantir o riso, para incentivar a memória, para caminhar ao sol, para brincar, para ver novela na TV, para contar das notícias, para ajudar na hora do banho.

Com meu pai tenho aprendido coisas demais. É fato que a vida da gente muda por completo e tudo o que era não é mais. Mas, ao mesmo tempo, coisas que nunca foram, passam a ser. E isso não é de todo ruim. Havia anos que eu não catava pedrinha na rua, havia anos que eu não aquietava em casa nas noites mornas da primavera, havia anos que eu não me demorava tanto para ir de um lugar ao outro, no passinho lento, parando eventualmente para ver o avião passar, ou o cachorro, ou o passarinho.

O fato é que assim como meu pai, o João Gilberto, uma hora começou a mudar, e, ao que parece não havia ninguém por perto para notar. Há que cuidar... Há que ficar por perto. Essa é uma hora que vai chegar para todos nós. E tomara que tenhamos alguém que nos observe assim, com olhar atento, pronto para nos guardar das dores e dos enganos.

O mundo capitalista nos ensina a ter muita pressa, a eliminar o entrave, o diferente, o chato. Não podemos aceitar isso. O futuro pertence aos homens lentos, dizia Milton Santos. Talvez seja isso que a velhice dos nossos queridos venha nos ensinar, na prática.  







terça-feira, 14 de novembro de 2017

Orçamento Legislativo Participativo: as gentes decidindo




Uma das experiências mais bonitas tocadas pelo Partido dos Trabalhadores no início de sua trajetória como institucionalidade foi a do Orçamento Participativo. As cidades sendo pensadas pelas gentes mesmas, as que as constroem e que as vivem. Florianópolis viveu esse momento durante o governo de Sérgio Grando, no qual Afrânio Boppré (então PT)  era vice-prefeito. E foi uma belezura. Todos os bairros faziam suas reuniões e discutiam suas prioridades para obras e serviços. Depois, decidiam o que fazer e quanto gastar em cada coisa. Pela primeira vez na história da cidade os moradores eram chamados para uma participação real e direta, na qual definiam eles mesmos o que fazer com os recursos do município. Foi um tempo em que as prioridades eram invertidas, pelo bem da maioria.

Com a volta dos políticos conservadores esse processo todo se perdeu, ainda que o germe da participação direta continuasse ativo. E tanto que quando a lei nacional do Estatuto da Cidade obrigou os prefeitos a iniciarem o Plano Diretor Participativo, toda aquela gente que  viveu a experiência do Orçamento Participativo voltou à carga, com força e com disposição. Decidir a vida da cidade é coisa que todo mundo quer. E é coisa que todo mundo deveria ter direito. E ainda que o processo do Plano Diretor não tenha sido vitorioso, a lógica da participação direta formou muita gente. Isso é ganho popular.

Pois agora, numa conjuntura na qual a Câmara de Vereadores conseguiu juntar um pequeno grupo de vereadores capaz de pensar os moradores como sujeitos reais de direitos, surge a proposta de um Orçamento Legislativo Participativo, uma ideia inovadora que pretende envolver os moradores da cidade na discussão e na decisão sobre os investimentos e gastos públicos do município no que diz respeito as emenda que os parlamentares têm direito.

A proposta envolve os vereadores Afrânio Boppré (PSOL), Lino Peres (PT), Marcos José de Abreu (Marquito, PSOL), Pedro de Assis Silvestre (Pedrão, PP) e Vanderlei Farias (Lela, PDT) e tem como objetivo principal manter a lógica de participação popular nas decisões da cidade, buscando tornar democrática a tomada de decisão acerca das prioridades sobre obras e serviços.

Os vereadores querem fortalecer a prática da participação direta e reverter a mentalidade clientelista que é marca registrada das emendas orçamentárias dos vereadores. Onde colocar o dinheiro das emendas historicamente tem servido como moeda de troca com o Executivo e para campanhas políticas, tornando o Legislativo um lugar onde o povo não é verdadeiramente representado.

O Orçamento Legislativo Participativo foi lançado nessa segunda-feira, dia 13, em sessão especial da Câmara de Vereadores e deve se fortalecer como um dos mais importantes desafios desse pequeno grupo de vereadores que realmente respeitam o mandato que receberam. A ação dos vereadores aparece como um importante contraponto à vergonha nacional que tem sido expressa na relação fisiológica de deputados e senadores, historicamente vendendo seus votos aos interesses da classe dominante.

Não será um processo fácil, os vereadores reconhecem, pois a prática da democracia direta não encontra espaço nos governos conservadores que se repetem na cidade. Mas, é uma iniciativa generosa e cheia de esperança. No lançamento da ideia, ontem, era possível sentir a alegria de cada um dos envolvidos em iniciar essa caminhada que é desafiadora, mas absolutamente necessária.

Será, talvez, a primeira vez que esse parlamento cumprirá uma função de utilidade real na vida dos moradores da cidade. Os recursos – de dois milhões e meio – que os cinco vereadores têm para usar com emendas parlamentares – serão usados a partir dos desejos das comunidades, depois de boas discussões comunitárias. É um valor baixo, que muito pouco mudará o rumo das coisas na cidade, mas na medida em que esses cinco vereadores decidem mudar a lógica, e entregar a decisão para a população, eles abrem as portas para uma prática verdadeiramente democrática que, se vingar, fatalmente obrigará os demais vereadores a abrir o debate com seus apoiadores também.

Com a presença de entidades sociais e populares na abertura dessa generosa proposta, o lançamento do Orçamento Legislativo Participativo foi um respiro de alegria nesses tempos tão sombrios.

Agora, é acompanhar a ação de cada um desses cinco vereadores que deram ontem um passo histórico. Juntos, ainda que com divergências, eles abrem passo para o “mandar obedecendo”, a única democracia possível.

Parabéns a todos e toda a força avante. É no chão da vida que as coisas começam a mudar.