quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Sim, sou presepista!


Tenho gravada nas retinas e no coração as imagens dos natais da minha infância. No início do mês de dezembro minha mãe começava a preparar a construção do presépio. Era uma tradição. Nós, os três filhos, participávamos organizando os personagens da famosa noite em que nasceu Jesus. A família, os bichinhos, os pastores, os reis magos, a estrela. A coisa levava o mês todo. Havia a árvore de natal, mas ela era absolutamente secundária. Porque minha mãe reverenciava o menino e não o Papai Noel. Naqueles dias, no interior do Rio Grande, o capitalismo selvagem ainda não tinha chegado com toda a sua força. Depois, eu cresci, e segui a velha tradição. Todo o natal, monto o presépio com todos os seus personagens. Passo o mês inteiro esperando pelo dia do aniversário daquele que tenho como uma das figuras que mais amo no mundo.

Sempre há os que dizem que ele não existiu, que é uma invenção de Paulo. A mim não importa. Tudo que sei é que as histórias que dele se contam, das coisas que ensinou, amparam minha prática de vida. Jesuânica. Por isso o natal é tão importante pra mim. Não que eu precise de um dia específico para lembrá-lo ou falar dele. Mas é um aniversário e é bom celebrar.

Por isso me agride a imagem gigante do Papai Noel que foi montada na entrada da cidade onde moro, Florianópolis, num chamado ao consumo. E me choca ver que as pessoas acham lindo e sequer questionam toda a carga de ideologia que aquele símbolo sustenta. Aqui, na ilha da fantasia, o natal é sinônimo de compras. A própria figura do Papai Noel perdeu seu sentido original, do bom velhinho que vinha visitar as crianças na noite do grande advento. Agora, natal significa consumo, louco, desenfreado. Nas telas da TV tudo o que se fala é da porcentagem do aumento das vendas e nas ruas já começa o frenesi dos pacotes.

Eu não dou presentes no natal. Busco o refúgio interior e o encontro com a idéia de Jesus, o cara do aniversário. Conspiro com as demais culturas originárias do hemisfério sul que celebram o solstício de verão. Faço minhas cerimônias, minhas rezas e celebrações. No dia do solstício, que é o 21, o sol parece ficar estacionado no céu. O dia é longo e a gente faz reverências àquele que nos dá calor e propicia a vida.

Então, natal é isso: festejar a vida. Celebrar com os que amamos a idéia de que o mundo precisa ser justo, que as riquezas devem ser repartidas, que as pessoas devem ser solidárias e amorosas. É dia de comungar com os ancestrais, com a natureza, com a vida que vive. Dia de agradecer por poder estar neste lindo jardim. Se há algo a presentear, que seja essa idéia, de que o natal não é um dia para comprar presentes impessoais, impostos pelo mercado capitalista. O natal é dia de armarmos nosso presépio interior, com todos os personagens do nosso grande advento.

Feliz Natal... Feliz Solstício... !!!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Minhas Memórias de África



Já está à venda mais um artigo que tem a parceria da Companhia dos Loucos, editora que tem no seu quadro a revista Pobres e Nojentas. É o livro do fotógrafo paulista Thomas Bisinger "Minhas Memórias de África". O trabalho é um misto de crônica, reportagem, poesia e sentimentos à flor da pele. Um olhar branco, brasileiro, sobre parte da África, carregado de perplexidades e paixão. Uma espécie de diário de viagem, no qual o fotógrafo vai contando de seus encontros, desencontros, ódios e amores, revelando, no caminho, a vida das gentes africanas e daqueles que lá foram buscar um motivo para continuar vivendo.

O texto e as fotos nos carregam pela África do Sul, pelo Zimbabue, Namíbia, Botsuana, Lesotho e Moçambique, numa jornada que ultrapassa as estradas comuns e se embrenha no mundo interior de quem observa e escreve. No trabalho, Thomas revela o cotidiano dos viventes do sul da África, o trabalho, a dança, a alegria, a vida mesma, seu passar incessante e inexorável. Também desvela, de forma singular, uma chaga aberta, ferida sangrante, praticamente invisível aos olhos ocidentais. A saga sofrida do povo Ncoakhoe, chamado pelos brancos de bushmen, que, por conta da riqueza de suas terras – cheias de diamantes – estão sendo desgarrados de seu lar, obrigados a viver de um jeito que não querem, em reservas, definhando e perdendo a ancestral alegria de uma gente coletora.

Minhas Memórias de África é, então, muito mais do que o relato textual e fotográfico de um viajante. É um retrato assombrado de um longínquo lugar, muito amado, um diálogo amoroso entre um homem, um universo distante e um povo que, a despeito de todas as tentativas de destruição impetradas pelos colonizadores, ainda está de pé, resistindo, do seu jeito. Não há no texto nenhum juízo de valor. Só o relato e as perguntas... Muitas perguntas... Mas, como se diz, no bom jornalismo, libertador, mais valem as boas perguntas. Já as respostas, estas cabem ao leitor...

Quem tiver interesse em comprar o livro é só escrever para a gente no eteia@gmx.net . Como é comum na nossa mega-editora, as vendas são de mão em mão!!! O livro custa 25,00 reais.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Somos nossos heróis


Maluca por cinema eu vejo tudo que há. Não importa a qualidade. Mesmo nas “bombas” estadunidenses sempre há algo que se possa tirar, desde que tenhamos olhos críticos. Dentro delas há um gênero de que gosto demais. É o dos super-heróis. Encantam-me com suas sempre bondosas tentativas de salvar o mundo. E não é à toa que a indústria cultural os mostre assim. Solitários, um pouco tristes, salvadores individuais. A vida de todos gira em torno da boa vontade de um, o que tem os super-poderes. Talvez por isso me enterneça uma cena do Homem-Aranha em que ele, cansado de salvar o mundo, passa a se comportar como pessoa comum. Só que não consegue. O mundo precisa dele, e ele volta. E o salva. Eis a sempre repetida mensagem do way of life estadunidense. “Fique tranqüilo, alguém virá te salvar. De preferência um dos nossos”.

Cá com meus botões fico a pensar se essa lógica dos super-heróis não é afinal a que temos de combater. Estamos sempre esperando o salvador. Aquele que, num átimo, virá, com suas roupas coloridas e super-força nos salvar. Com os olhos no céu esperamos a saída individual, o gesto do outro, o herói. Esquecemos as propostas coletivas, a necessidade da união, as lutas travadas em comunhão. Ah, essa fortaleza que desconhece seu poder.

Agora aí está, nosso frei Luiz Cappio, outra vez colocado, sozinho, diante da monstruosa idéia da transposição do Rio São Francisco. Ele que é magrinho, que não tem capa, nem super-poderes. Ele que é só um homem, demasiado frágil, demasiado só. E o que ele quer? Bancar o herói? Não! Ele quer que nos recordemos (voltar ao coração). Quer que a gente se lembre dos tempos imemoriais em que, juntos, superávamos nossos medos e as ameaças que se colocavam diante da raça. Desesperadamente quer que nossos ouvidos se abram e possamos voltar a ouvir a canção da comunhão. Juntos, povo, comunidade.

O frei Luiz não quer piedade, nem lágrimas, nem lamúrias. Ele quer ação. Ação nossa, conjunta, real. Frei Luiz não quer lamentos. Quer o povo em pé como se fosse uma copa do mundo, a bramir bandeiras e a se dirigir, cego, para o canteiro de obras da transposição, como cegas vão as gentes para as olimpíadas ou campeonatos. Só que, neste caso, não é um jogo de bola. É o destino de milhares de pessoas que vai se decidir.

Frei Luiz quer que as pessoas saibam que, conforme atestam centenas de relatórios e estudos feitos por técnicos gabaritados, a transposição vai ser um desastre para as pessoas e para a natureza. A Fundação Joaquim Nabuco mostra que, com a obra, vai haver uma redução brutal na geração de energia. O Instituto Miguel Calmon diz que pode faltar água ao rio, pois os afluentes são temporários, e a retirada de água só vai piorar as coisas. O Comitê Executivo de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco-CEEIVASF, diz que a obra pode provocar uma maior evaporação das águas, que já é elevada no semi-árido. Na verdade, só vai ser bom mesmo para as empreiteiras, que ganharão astronômicas quantias para fazer a obra e para os latifundiários, que poderão irrigar suas terras sem maiores investimentos.

Frei Luiz está jejuando, está pedindo socorro, como se ele mesmo fosse o rio. É porque ele sabe que não existem super-homens, nem homens-aranha, nem madrakes. Como homem, desgraçadamente homem, ele sabe que só há um jeito para parar as máquinas. A força e a união de todas as gentes. Por isso só há dois jeitos de salvar o padre, o rio e a nós mesmo. Ou vamos todos para Sobradinho, na Bahia, ou fazemos ações em nossos estados. Mas ações fortes, firmes, capazes de serem ouvidas pelos governantes! Nada de moções. Ações. Nós, de camisa verde-amarela, com nossas bandeiras, nossos sonhos, nossas esperanças. Para barrar a obra. Afinal, há outras soluções para a questão da água no nordeste. Centenas delas, dadas por técnicos competentes.

Só assim, agindo concretamente, a gente salva o rio, a vida, o frei. Esse homem que se entrega em oblação, porque nós ainda precisamos de heróis. Penso que será muita covardia da gente deixar frei Luiz sozinho. Ele nos quer, juntos. Não quer estar sozinho. Sejamos, então, milhões...


terça-feira, 4 de dezembro de 2007

A bonita canção do Sim!

Como bem diz Chávez, venceu o Não e há que seguir a vida. Mas não é hora de esmorecer. Sempre será tempo de dizer Sim à vida, ao prazer, ao socialismo, a riqueza repartida. É grande a parcela de gente que não quer dividir, que não quer ver o outro feliz, que tem medo da mudança. Só que neste mundão de deus, com tanta tristeza, tanta pobreza, tanto desejo de mudar, gente há que luta, sempre.. até que venha o grande meio dia. Virá!

Derrotado! E agora, quê?



Enfim aconteceu. Depois de mais de dez anos e dezenas de eleições, finalmente, Hugo Chávez foi derrotado. O louco, o ditador, o intempestivo, o “negro”, o insuportável populista. Desde Atlanta, o braço armado da comunicação capitalista, foram disparados todos os torpedos midiáticos possíveis e não foi pouco o dinheiro derramado para financiar a campanha do não às reformas constitucionais. Junte-se a isso toda a mesma velha e já conhecida conspiração envolvendo a tão velha e conhecida CIA (Central de Inteligência dos Estados Unidos). Assim, com praticamente o mundo todo fazendo torcida contra (inclusive a Rede Globo, fiel representante da classe dominante brasileira) e com alguns erros estratégicos, Chávez perdeu pela primeira vez. 50,7% a 49,29. Uma diferença apertada que bem mostra a dureza da luta de classe na Venezuela. No início da noite, tão logo saíram os resultados, o presidente foi à televisão, reconheceu a derrota e disse que a Venezuela vai seguir seu caminho respeitando a decisão das urnas. E agora, o que mais vão dizer de Chávez?

O “ditador” reconhece o resultado, diz que a vida segue? Mas como? Ele não é um louco, um anti-democrático? Que se vai fazer agora? Que mensagem será distribuída pelos canais da CNN, pelas agências estadunidenses, pelos porta-vozes do poder? Certamente vão se acirrar as notícias de que o povo da Venezuela voltou a recuperar o juízo, que “os bons” venceram, que a queda de Chávez está próxima e toda a sorte de maledicências. Não é preciso ir muito longe no tempo histórico e vamos ver como foi que os Estados Unidos fez para ocupar o Panamá, Granada, Chile, Afeganistão, Iraque, Haiti, enfim, qualquer lugar que se arvore querer caminhar com os próprios pés.

Durante a semana do referendo, várias foram as denúncias sobre as ações da CIA na Venezuela, financiando estudantes das universidades privadas, buscando apoio de alguns grupos de esquerda e sindicalistas que estão contra Chávez. Esse processo foi desvelado como “Operation Pincer” e mostra que a proposta dos Estados Unidos é criar um ponto fixo de oposição a Chávez envolvendo inclusive, os militares dissidentes. A idéia é iniciar um foco insurrecional com o já roto bordão de “busca da democracia”. Claro que a democracia de que falam é a mesma que estão impondo ao Afeganistão e ao Iraque.

Outro ponto de grande oposição foi a da golpista FEDECAMARAS, de atuação conhecida no episódio do paro petroleiro e no golpe de 2002. Como uma das propostas de mudança constitucional instituía a jornada de seis horas para os trabalhadores, os comerciantes e o empresariado estavam em pânico. Redução de jornada significaria redução de lucros e isso ninguém poderia admitir. Com isso, a mídia (que nunca sofreu censura por parte do governo bolivariano) foi pródiga nas campanhas e na divulgação de mentiras.

Chávez, por sua vez não é um santo, e nem poderia sê-lo. É apenas um político humano, demasiado humano, com toda a sua carga de erros e desacertos. Ele acredita piamente que pela via democrática, com a cada vez maior participação popular, é possível ir mudando os rumos da Venezuela. Ele acredita no seu povo, crê no processo protagônico dos pobres, dos desvalidos. E foi por acreditar que a população poderia reconhecer a importância das mudanças que estão acontecendo no país que ele cometeu alguns erros. Um deles foi não ter feito a consulta ponto por ponto como bem analisa o teórico Heinz Dieterich. Havia muita gente que não estava concordando com alguns dos artigos e isso pode ter levado a grande abstenção que se registrou. Afinal, mais de 44% da população decidiu não votar. Pode ter pesado esse aspecto. As pessoas não queriam votar em bloco, sem poder deliberar artigo por artigo.

Para grande parte dos trabalhadores e dos camponeses a derrota do sim significa um grande travo nas conquistas populares. Como bem lembra o analista estadunidense James Petras, um dos artigos da mudança constitucional acelerava ainda mais o processo de reforma agrária tornando mais ágil a expropriação das terras. Segundo Petras, Chávez já assentou mais de 150 mil trabalhadores sem-terra sobre 2 milhões de acres [809,4 mil hectares). E tudo isso num país que até pouco tempo importava tudo o que consumia. Além disso, uma outra emenda garantia a cobertura universal de segurança social a todos os trabalhadores do setor informal (vendedores de rua, trabalhadores domésticos, auto-empregados) que representa hoje 40% da força de trabalho na Venezuela.

Não bastasse isso, entre as mudanças havia a que garantia admissão aberta e universal à educação superior, abrindo as universidades para os mais pobres e outras que aumentavam o poder o orçamento dos conselhos de moradores para que pudessem atuar e investir diretamente nas suas comunidades. Tudo isso eram mudanças insuportáveis para a classe que sempre esteve no comando e que ainda detém o poder econômico na Venezuela. Não foi à toa que a luta se deu de forma renhida.

Grande parte dos analistas é unânime em dizer que o ponto que mais pesou para a abstenção foi o que garantia ao então presidente a possibilidade de se apresentar de forma ininterrupta para as eleições. Essa possibilidade de a Venezuela ter Chávez como presidente por anos a fio foi a gota de água que fez com que o capital usasse de todas as suas armas para derrotar o venezuelano. Modestamente colocada na minha condição de mera “olheira” dos fatos, me permito discordar. Esse foi talvez o ponto mais discutido, o que garantia aos poderosos do mundo disseminar o preconceito através da palavra “ditador”. Mas, uma olhada no conteúdo das mudanças, e a gente já pode ver que a questão foi bem outra. Caso passassem as reformas, a Venezuela daria um gigantesco passo na direção da Reforma Agrária, do direito dos informais, das melhorias para os trabalhadores empregados, de uma segurança previdenciária justa e muito mais. Esses artigos, independentemente de quem estivesse no governo, seriam por si só, insuportáveis para os donos do capital. Então, Chávez estar ou não na presidência não teria importância alguma. Os direitos estariam garantidos e seriam defendidos pelos conselhos populares, também fortalecidos pelas mudanças.

Assim, o que estava em jogo na Venezuela era sim o poder popular. A garantia dos direitos dos trabalhadores, dos empobrecidos, das gentes organizadas. É nesse sentido que o erro de Chávez assume uma dimensão desalentadora. Porque, ao tentar garantir uma possibilidade de reeleição, votando em bloco todas as mudanças, acabou perdida – nesse momento - a possibilidade de um avanço concreto nas conquistas do povo. Então, talvez seja hora de o governo venezuelano perceber que as elites não estão mortas, que o poder econômico é forte, que a classe média é assustadiça e escorregadia e que muita mais gente do que se pode imaginar tem medo de ver o povo no poder. Às vezes, gente do próprio povo que não consegue se libertar de sua condição de escravo. Os servos voluntários, sempre prontos a tremular a bandeira de seus opressores.

Mas, passado o momento de perplexidade das gentes em luta, sempre é tempo de retomar o caminho. As conquistas podem ser recuperadas pontualmente, uma a uma. Não é hora de esmorecer. Muito pelo contrário. O resultado das eleições só prova que a luta de classes segue acirrada e que ainda há muito por fazer. Não é fácil, nunca foi, lutar contra o império. A história mostra que, nestes embates, os mais fracos sempre acabam acossados, esmagados, dizimados. Na Venezuela, nos próximos meses, saberemos, enfim, quem são os fracos. Não deu agora. O tempo dará as respostas...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Sandices do Papa e da UFSC

Diante das declarações bombásticas do Papa para que se combata o materialismo histórico e das declarações de professores da UFSC, a cardosinha rubra e primeira capa das Pobres (nossa musa), Jussara Godoi, faz um apelo:

"Por favor,alguém poderia dizer ao Papa, que o Materialismo Histórico de Marx,nada mais é do um método de análise da sociedade??? Como pode conclamar a humanidade à combater um método científico???Se fosse para combater os materialistas, ele seria o primeiro a ser combatido... Quem possui mais bens materiais do que as igrejas????? Poderiam também fazer o favor de dizer ao Hector Leis que defina melhor o que é cargo vitalício???? Eu não aguento mais ouvir esses pseudo-intelectuais de Direita.. Então vamos iniciar uma campanha para: Salvar o planeta,as teorias sociológicas e os nossos ouvidos".

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Democracia Ameaçada

Lançada a segunda edição do livro Universidade: Democracia ameaçada, organizado por Waldir Rampinelli, Valdir Alvim e Gilmar Rodrigues. Veja o vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=8Bcuo-bQBRE

Solidariedade ao povo palestino




A Assembléia Legilativa de Santa Catarina realizou no dia 29 de novembro uma sessão solene para discutir a ocupação do território da palestina desde 1947, quando foi criado o estado de Israel. A proposta foi do Comitê Catarinense de Solidareidade ao Povo Palestino. A comunidade palestina de Florianópolis compareceu em massa para celebrar os 60 anos de resistência do povo palestino. A Palestina há de ser livre!!! Veja o vídeo.
http://www.youtube.com/watch?v=W-Y5W83ykIs

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

29 de Novembro: Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino

A tempestade... levou minha casa.
A noite... minha visão.
A chuva... minhas nuvens.
O inverno... meu coração.
Sem casa...pátria...ou terra.
Sem coração...vida...ou horizonte.
Olhei o céu... e estrelas me guiavam.
O oásis estava perto.

(poema de Zeka Chaves)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Caso de Polícia

A UFSC reuniu nesta terça-feira, dia 27, o Conselho Universitário para discutir e votar o projeto do governo federal que "expande" a universidade. Migalhas para uma instituição que já morre à mingua. Estudantes e técnicos-administrativos foram barrados na discussão. Impedidos de entrar pela segurança interna e com toda a ostentação da Polícia Federal. É assim que a UFSC vem tratando todos os debates que envolvem a vida da universidade: como caso de polícia. Reitoria surda e desconectada da realidade de seus estudantes e trabalhadores. Conselho Universitário covarde e incapaz de dialogar. Mas, estudantes e trabalhadores seguem na luta. Contra o Reuni e a favor da qualidade na educação, afinal, educação não é mercadoria. Veja o vídeo no: http://www.youtube.com/watch?v=fIVZltLv_8k

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Democracia ameaçada

Será realizado no dia 29 de novembro, quinta-feira, às 18h, no Hall do Centro Sócio-Econômico da UFSC, em Florianópolis, o lançamento da segunda edição do livro Universidade: a democracia ameaçada, organizado por Valdir Alvim, Waldir Rampinelli e Gilmar Rodrigues. Um das editoras de Pobres & Nojentas, Míriam Santini de Abreu, assina o artigo “A resposta do poder ao movimento grevista de nove meses na UERJ: ruptura do discurso e da prática da democracia.
Já Elaine Tavares, também editora de Pobres & Nojentas, assina, com Raquel Moysés, o artigo “Esta democracia?! Ou a invenção do novo...” A obra tem 14 artigos, com autores da UFSC e de outras universidades, entre os quais professores, técnicos-administrativos e estudantes.O livro Universidade: a democracia ameaçada tem como objetivo principal analisar e apontar novos rumos para o avanço de um processo democrático na universidade brasileira. Para tanto são abordados vários assuntos, entre os quais o papel dos intelectuais na sociedade, passando pela democracia e pelas eleições internas, focando o dirigismo dos órgãos fomentadores de pesquisa, analisando o carreirismo que leva “à raridade do pensamento crítico e abrangente”, discorrendo sobre o movimento estudantil e dos técnicos-administrativos, denunciando o expansionismo dos cursos pagos lato senso, discutindo a idéia de universidade e a recente reforma universitária.
Temas por demais importantes que requerem uma discussão constante. Universidade: a democracia ameaçada é o resultado de um debate permanente nas comunidades universitárias, bem como entre os próprios autores. O trabalho, editado há dois anos, segue absolutamente atual, basta dar uma analisada na últiam eleição para a reitoria que aconteceu este mês.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A Universidade em segundo lugar!

A eleição que ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina mostrou a verdadeira cara da academia. Mesmo desmascarado como uma impostura intelectual - assinando artigos que não escreveu, citando autores que não conhece – o candidato oficial teve 59% dos votos válidos de um total de 13% da comunidade universitária que resolveu ir às urnas. Os que votaram decidiram por manter a universidade como um espaço de negócios. Não importa que o reitor eleito tenha usado de uma impostura para difundir seu conceito de universidade, não importa que ele não tenha capacidade intelectual, não importa que ele tenha usado de ameaças, dizendo que vai “rever” o Instituto que é dirigido pelo homem que foi seu adversário. Nada importa. O que vale é que ele, que já dirige um projeto da Embraco na UFSC, seja o gerente eficaz para comandar o volume de negócios que é feito dentro das portas desta instituição que deveria ser pública.

Os trabalhadores que gostam de choramingar e denunciar assédio moral, os professores que reclamam não ser valorizados, os estudantes que preferem protagonizar factóides, estes decidiram ou votar na proposta de “bussines” ou se omitir. Basta ver que 59% da comunidade não votaram. As pessoas preferiram ficar nas mesas dos bares a dizer que não gostam de política, que não dá para mudar nada, que a vida é mesmo assim, que os centros ligados às humanidades são preteridos, etc... Triste academia essa. Incapaz de avançar para a mudança. Imobilizada e medíocre.

O Hospital Universitário, lugar que de alguma maneira é decisivo numa eleição, também optou por seguir apostando nos mesmos de sempre. Os que privatizam, os que terceirizam, os que praticam violência no trabalho. Os trabalhadores, cativos da servidão voluntária, não acreditam na sua própria força. Preferem se ancorar nos “salvadores” que, no mais das vezes, são os seus carrascos. Escondem-se no subterrâneo dos pequenos privilégios que aparecem como benesses de um pai amoroso, como por exemplo, as seis horas, que administração alguma se atreve a legalizar, embora faça vistas grossas. Claro, servem como moedas de troca na hora da eleição.

Entre os professores nenhuma novidade. Já faz muito tempo que uma boa parte deles desistiu da idéia de universidade. O projeto desta maioria é a busca desenfreada de dinheiro através de convênios mediados pelas fundações. Não querem saber de pensamento crítico, criação do novo, casa do saber. Querem, no melhor estilo do personagem Justo Veríssimo, “se arrumar”, produzindo para o mercado. Fora os que negociam migalhas como computadores, um prédio ou bolsas para projetos. Vendem-se por trinta moedinhas e nada querem saber de universidade com compromisso social.

Já os estudantes dividiram-se entre os que defenderam com unhas e dentes seus interesses, como os do CTC e os do CCS, os que valentemente (poucos) acreditaram no novo e os que (imensa maioria) preferiram se omitir entregando a universidade para os abutres. Os alienados de sempre não surpreenderam. A nota triste ficou por conta de um pequeno grupo de “lutadores” que fazem belos discursos contra o Reuni ou contra a reforma universitária, mas que, quietos no seu canto, deixaram passar a possibilidade de mudar a UFSC, ainda que um pouquinho só.

E assim, a UFSC segue seu caminho. Conservadora, alienada, praticamente vazia de saber. O que movimenta a vida no campus é o negócio, agora firmemente respaldado por 59% das pouco mais de 13 mil almas que participaram do processo. Já a maioria, cordeiros, bale nas veredas da universidade. Está mais interessada no diploma ao final de quatro anos. Os estudantes entrarão e sairão das salas de aula como autômatos, esperando a hora da formatura para entrar no mercado. Os trabalhadores seguirão sendo achincalhados, humilhados, pisoteados, mas sempre sorrindo e amando a mão que bate. Os professores farão projetos e ganharão dinheiro. A sociedade? Que se exploda! Ou melhor, que pague, e caro, pelo saber que financiou.

Já os poucos, os de sempre, os que acreditam que a universidade pode ser um espaço de conhecimento comprometido com o social, de saber, de sabor, de transformação, estes seguirão, firmes na luta. Uma luta que se faz não apenas na retórica ou no ato heróico, pontual, mas no dia-a-dia, no cotidiano da universidade. Afinal, mudança é coisa que demora gerações. E o bom é que pessoas há que não desistem! Permanecem, com olhos críticos, a mostrar que o rei está nu... Um dia, é certo, as gentes também verão essa escancarada nudez!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

terça-feira, 13 de novembro de 2007

No caminho de El Tatio


Eu não esqueço da cena. Era madrugada e um pequeno grupo saía em direção a El Tatio, um dos pontos mais altos da região da quebrada de San Pedro de Atacama, no deserto chileno, onde ficam os famosos gêiseres. Havia chovido bastante na noite anterior e as estradas estavam muito ruins. O guia que levava o grupo era um legítimo representante dos Likan Antay, o povo atacamenho, originário do lugar. Seu nome: Getúlio. Homem de poucas palavras, com aquele silêncio pesado que precede tempestades, típico das gentes do Atacama que vêem a cada dia seus espaços sendo tomados por empresários europeus.

Na Van seguia um animado grupo composto por brasileiros, chilenos, e um espanhol. Basicamente colocávamos nossa vida nas mãos daquele homem, pois o caminho era absolutamente invisível, tamanha a espessura da neblina. Nada se via e só o que a gente sabia era que de um dos lados da estreita estrada se abria um precipício imenso. Getúlio seguia impávido, conhecedor que era daquelas milenares veredas.

Então, houve um estrondo e o carro caiu num buraco, pendendo para o lado do penhasco. Foi um momento de pânico geral. Logo estávamos todos na rua e Getúlio tentava retirar o carro da fenda onde tinha caído. Foi nessa hora que o espanhol surtou. Dizia ao indígena que ele era um irresponsável, que não havia condições do carro subir a montanha, que estava colocando em risco sua vida e tantas outras barbaridades que não vou reproduzir. Getúlio ouvia com sua impassível paciência enquanto, sozinho, lutava para tirar o carro da vala. Ficava explícito ali naquele monólogo do espanhol todo desprezo que ele tinha pelo saber e pela cultura de Getúlio, do povo originário.

E foi tanta a loucura do espanhol que ele praticamente obrigou todo mundo a voltar para a vila, fazendo ameaças e impedindo que o carro seguisse o caminho. Como se a estrada ruim e o acidente fossem responsabilidade de uma natural “burrice” de Getúlio. A histeria do cara foi tanta que todos decidiram voltar e retornar a El Tatio só na madrugada seguinte, sem a presença do espanhol. Foi o que fizemos.

No dia seguinte partimos pela mesma estrada e com o mesmo motorista, vivendo a mesma aventura da neblina fechada. Lá em cima, maravilhada com a beleza dos gêiseres, tive tempo de conversar com Getúlio enquanto devorávamos sanduíches no almoço. “Esse povo é assim, acha que ainda manda por aqui”, disse ele. “Pensam que somos sua colônia. Não somos!”. Pois não é que no dia seguinte fomos todos chamados à chefatura dos “carabinieri” para dar declarações. O espanhol havia feito uma denúncia contra Getúlio, dizendo que ele havia colocado em risco a nossa vida. Claro que todos defendemos Getúlio, pois ele não só tinha cuidado muito bem da situação como sabia andar naquelas estradas de olhos fechados. Nunca houve risco para nossa vida. Foi o maior mico do espanhol!

Eles ainda pensam que somos colônia

Pois atitude semelhante teve o rei da Espanha, Juan Carlos, na última semana quando mandou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, calar a boca. Vivendo a irrealidade do conto de fadas, num anacronismo sem limites, de uma aristocracia carcomida, o rei incorporou a dita “superioridade colonial”, acreditando que aquele mestiço falastrão nada mais poderia fazer senão calar a boca ao seu mando.

Faz parte do jogo de simulacro essa coisa grotesca de vir para a América Latina, segurar indiozinhos no colo, fazer visitas aos pobres, percorrer favelas. Coisa de realeza, acima do bem e do mal, olhando pelos antigos súditos. Agora, ouvir críticas da boca de um mandatário de uma nação soberana, que não se submete, aí já é demais para o rei. Então ele esquece todo esse “bom mocismo” de beijinhos falsos e perde a tramontana. É que, na verdade, a Espanha ainda domina grande parte das terras de cá. Hoje de um jeito novo, via empresas transnacionais. Controla minas, telefonia, bancos, comunicação e tantas coisas mais, serviços estratégicos no mais das vezes. Um novo jeito de colonizar, de manter sob o cabresto. Governos latino-americanos há que ainda se submetem e baixam suas cabeças para esses interesses, espanhóis ou não. Outros não têm medo, como Chávez, e denunciam. Então assoma a arrogância européia: Cala a boca! Tal qual o espanhol dirigindo-se a Getúlio nas entranhas do deserto.

O que Juan Carlos não sabia é que, de Chávez, não se pode esperar o silêncio imemorial. Ele é príncipe das palavras, que lhes brotam aos borbotões, principalmente quando é para defender a soberania da gente de “nuestra América”. E ele não cala a boca assim fácil não. Ao contrário. Ele grita, um grito aprisionado desde há 500 anos. Que não se cala mais. Se alguém tem de calar, aqui, agora, na nossa terra, é “el rei”. Já basta! Não por acaso esta é a frase que ouvi de uma das bocas quentes de El Tatio naquela manhã de fevereiro. Já basta! As gentes de Abya Yala já não se calam mais!...

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A tropa da elite não é invencível


“Pátria, minha patriazinha, tadinha. Lindo e triste Brasil”. Esta canção do Vinícius bem que se enquadra neste triste país, que, em 2003, perdeu a chance de fazer uma viragem. Não por nossa culpa. Votamos por mudança. Mas por medo daqueles que assumiram o poder e decidiram não tocar nas feridas. Apenas um curativo onde o sangue está escorrendo. A chaga seguindo intacta. O bonde da história perdido. Pequenas reformas que não levam à transformação.

Agora, nestes dias, duas temáticas têm invadido a patriazinha. Uma delas diz respeito ao filme “tropa de elite” e a outra, às declarações do prefeito do Rio falando sobre a necessidade da legalização do aborto, porque, segundo ele, as favelas são fábricas de marginais. Na verdade, os dois temas são faces de uma mesma moeda. A incapacidade da elite e da pequena burguesia de compreender o mundo real, das maiorias, onde a vida acontece na sua crueza. Vivendo em palácios, condomínios fechados ou mesmo em prédios de classe média, essa gente muitas vezes não tem a menor noção do que seja a vida mesma. A vida dos que nada têm, dos que são bombardeados diuturnamente pelas fábricas de mais valia ideológica, como as televisões e a indústria cultural.

A vida no sistema capitalista é pura dureza, mano. Nele, para que um viva no condomínio fechado, outro tem de morrer. Para que um tenha segurança, outro tem de morrer, assim por diante. Não há essa história de direitos iguais ou qualquer outra pataquada de igualdade de oportunidades. Os garotos negros, de favela ou não, ainda continuam sendo visto como pessoas “suspeitas”. As meninas negras seguem não tendo “boa aparência” para uma infinidade de posições no mundo do trabalho e as mulheres em geral ainda ganham menos que os homens fazendo a mesma coisa que eles. É a selva humana, onde nenhum tipo de solidariedade parece existir.

É por isso que me enoja o debate moral. Na patriazinha morrem, por ano, milhares de mulheres, por conta de seqüelas de abortos feitos por curiosas. E, ao fim, estas mulheres, já mortas, ainda são vistas como “assassinas de bebês”. Fico pensando se essa gente que faz o debate moral acredita mesmo que uma mulher acorde de manhã, com um feto no útero, e diga, sorrindo para o espelho. “Ai, que lindo dia, acho que vou fazer um aborto!” Não creio. Conheço muitas mulheres que fizeram aborto e todos os dias se flagelam de culpa. Mulheres que não tinham outra saída, que não tinham coragem, que não eram fortes o suficiente para agüentar tudo o que vem de se ter uma criança, sozinha, sem grana, sem amparo.

Quem de nós pode apontar o dedo para uma destas criaturas a chamá-las de assassinas? Quem de nós sabe das dores que essas mulheres carregam? Quem pode saber da quase incapacidade de enfrentar o mundo sozinhas, que dirá com um filho? Eu me recuso ao debate moral. Não conheço ninguém que se vanglorie de ter feito aborto. Só conheço profundas dores e me reservo ao direito de amparar essas mulheres em um longo abraço, para que não sofram mais do já padecem. Alguém pode até dizer que mulheres há que não se importam, que fazem aborto como quem come um mamão. Beleza. Pode ter. O ser humano é sempre surpreendente. Mas, com certeza são exceções, raríssimas.

De resto, se formos analisar as estatísticas, as “mulheres da favela”, como disse o Sérgio Cabral, não são as que mais fazem aborto. Não são mesmo. As mulheres empobrecidas, que vivem em comunidades empobrecidas, elas são fortes demais, e por isso não temem trazer à vida seus rebentos. Elas enfrentam com eles a fome, o medo, a impossibilidade. Elas rompem a vida, carregando seus filhos, com o poder de suas dores e de seus fardos pesados. Elas são as que fazem a raça humana andar. A “fábrica de marginais” não vem delas. A fábrica de marginais fica nos gabinetes dos que têm o poder fetichizado e que impedem que vida brote na sua inteireza. Dos que se apropriam das riquezas, dos que acumulam bens, dos que se adonam das terras, dos que escravizam gentes. A fábrica de marginais é de propriedade de uma elite predadora e insaciável. Eles são a tropa assustadora e renitente.

Enfim, não há ninguém em sã consciência que seja favorável ao aborto. O que se quer é que as pessoas pensem e possam compreender que, às vezes, neste mundo cão que é o mundo capitalista, pessoas há que tropeçam, que caem, que não são fortes o suficiente. E que se há alguma culpa aí, não é delas. A tropa da elite é a que manda. Ela é a assassina. Mas não é invencível como faz parecer o festejado filme. Existem momentos lindos em que as gentes se juntam e mudam tudo! E esses momentos acontecem. Sempre, inexoravelmente... sempre. Assim é!

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Amada



Na Venezuela, com Manuela Saenz, amada de Bolívar

Um passeio pelo inferno


Chove a cântaros em Florianópolis. São seis e 15 da tarde e saio do trabalho como um bagaço. Foi um longo dia. A sombrinha comprada no camelô vaza água por cima e molha toda a minha cabeça. Aperto o passo para chegar logo à parada do ônibus. Mas, um motorista, dentro de um ônibus da Insular, passa a toda velocidade sobre uma poça de água e encharca a minha saia. Maldito! Não têm consciência de classe.
Preparo-me para o calvário que me espera. Em Florianópolis ninguém fica menos de meia hora numa parada de ônibus. Passam 35 minutos e eu ali, gelada e com ódio. Xingo os empresários dos transportes, os vereadores, o prefeito e toda a sua geração. O Volta ao Morro enfim passa e lá vou eu até o final da Carvoeira para pegar mais um ônibus - na famosa "integração" inventada por Ângela Amin - rumo ao Rio Tavares. A chuva não dá trégua. Já são sete e dez da noite e eu tenho de andar mais um pouco na chuva para chegar à parada. Começo a chorar, num ódio surdo deste transporte desintegrado, incompetente e ineficaz. Bate uma vontade de quebrar tudo.
Na parada do Rio Tavares se repete o martírio. São 50 minutos de espera sob a chuva. É inacreditável que se fique tanto tempo esperando um ônibus. Lá vem ele, enfim. Está lotado até a boca. Então, são duas opções: ou a gente se sujeita a essa indignidade do aperto, do empurra-empurra, do esmagamento, ou fica mais 50 minutos esperando o próximo. É coisa para enlouquecer qualquer um. E só o que se quer é chegar em casa. Grito de ódio e as pessoas na parada me olham como se eu fosse louca. E, enquanto grito, agoniada, elas vão entrando feito carneiros, no latão lotado. Não entro. Praguejo como um marinheiro. Já são oito horas da noite. E, pensar que da universidade onde trabalho até minha casa são apenas 20 minutos de carro.
Toca a esperar. A chuva segue, zombando. Os carros passam céleres e vazios. Às oito horas e trinta e cinco minutos aponta um outro Rio Tavares. Aleluia. Não está tão cheio e ainda restam bancos na parte da frente. Hesito em sentar ali porque pela lei de Murphy certamente se eu sentar logo vai entrar um idoso. E, nessas horas, todo mundo vira o rosto para a janela fingindo não ver. Eu não resisto. Minha herança cristã e o respeito pelos mais velhos afloram. Sempre cedo o banco. Por isso não sento na frente. Não gosto da idéia de levantar depois de ter posto o corpo para descansar.
Mas, com aquela chuva, penso que os velhinhos não deverão sair de casa àquela hora. Sento. Distraída, fico a olhar os bancos. Só então percebo mais um absurdo do transporte coletivo. Os bancos da frente que são reservados aos idosos e pessoas com necessidades especiais ficam sobre altos degraus. Não é estranho? Os mais velhos terem de subir ali, arriscando cair, uma vez que, por conta do horário que têm de cumprir, os motoristas parecem sempre carregar bois? Começo a resmungar e falo sobre isso com o cobrador que me olha curioso. Ele encolhe os braços, indiferente. Mais um sem consciência de classe. Mais ódio se acumula no meu ser.
São nove e quinze da noite quando chegamos ao terminal do Rio Tavares e só haverá ônibus para o Castanheira às nove e meia. Isso significa que só chegarei em casa lá pelas dez da noite. Continuo chorando enquanto as pessoas-cordeiros olham indiferentes. Mas, meu choro não é faniquito de pequeno-burguesa. Ao contrário. É ódio. "Ódio são", como diria Cruz e Souza. Ódio da indiferença das gentes que se acomodam e não lutam. Enquanto outros, os que lutam, são chamados de baderneiros ou sofrem mutilações como aconteceu com o vereador Márcio de Souza. Ódio dos empresários e governantes que não estão nem aí para os seres que fazem a cidade.
Viesse um gênio a ofertar-me desejos eu pediria que essa gente fosse obrigada a andar de ônibus por um ano inteiro. Queria ver se não mudava. São quase dez horas quando chego em casa. Insanidade. Quatro horas no inferno. A chuva amainou e os gatos esperam no alpendre com seus olhos mansos. Na cozinha há uma luz acesa onde meus homens esperam. Dois sobrinhos-filhos e o meu amor. Estão secos e alimentados. Acolhem minhas dores e servem café quente. Só aí a vida parece fazer sentido. Lá fora, ruge a caldeira do diabo. Um diabo que tem nome.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O winiapacha - dia dos mortos




Quando chega o final de outubro a Bolívia já se prepara para celebrar o dia dos mortos, uma festa cheia de cores, música e alegria. Porque para os povos andinos, ao contrário da tristeza que se vê nas sociedades ocidentais, este é um dia de profunda alegria. É que, segundo conta a sua cosmovisão, o dia dos mortos é o dia em que eles voltam a terra para ver como estão as coisas, encontrar parentes e viver momentos de comunhão e partilha. Daí a necessidade de toda uma preparação para que este dia seja o mais especial possível.

Na semana que antecede o primeiro de novembro as mulheres preparam os pães dos mortos, que são vendidos às centenas. São pães moldados como corpos, inclusive com as carinhas de homens e mulheres. Também são feitos pães em formato de escada e de cavalo. A escada representa a “chakan uru”, ou seja, a ponte que liga ao sagrado. Por ela, os mortos descem para vir visitar o mundo dos vivos. E é nela que, depois, voltam para o lugar onde agora vivem. O cavalo é o veículo que os mortos utilizam para ir de um lugar a outro, afinal, há muita gente para visitar.

Então, desde o dia 31 de outubro até o dia 02 de novembro, as famílias montam mesas que são altares. Nelas ficam os retratos dos mortos, os pães (os tantanwawa), água e toda a comida que os mortos mais gostavam. Junto às mesas, quando chega o meio-dia do dia primeiro, as gentes fazem cerimônias com as folhas de coca, que são sagradas para o povo andino. Reza-se e espera-se que os mortos desçam a escada para compartilhar as notícias do ano. Conforme conta Fernando Huanacuni, as famílias sempre conseguem detectar um sinal de que o parente está ali, partilhando. “Pode ser um bichinho que apareça voando, pode ser um vento, um raio de luz. O morto sempre avisa que está presente”.

A igreja católica também incorpora parte da simbologia dos povos andinos. A celebração dos mortos é no dia 02 e da mesma forma que os aymaras e quéchuas, os católicos também fazem pães no formato humano e montam altares. A visitação aos cemitérios segue a mesma lógica. No maior cemitério de La Paz, em Chamoco Chico, milhares de pessoas acorrem no segundo dia de novembro com suas tantanwawas (os pães), que depositam sobre os túmulos, numa festa de re-encontro.

Mas, apesar de a maioria do povo boliviano ainda prezar as velhas práticas da celebração dos mortos, já é possível perceber na grande La Paz, a lógica estadunidense do consumo desenfreado presente na celebração do Halloween (o dia das bruxas). Algumas lojas montam suas decorações com abóboras e bruxas e, em alguns lugares da cidade, as crianças são chamadas para celebrar o último dia de outubro fantasiadas de monstros e repetindo a velha frase: doces ou travessuras. É uma prática insipiente se comparada ao “winiapacha” mas já começa a levantar o debate. “Esta é uma celebração alienígena. Não tem significação para nós. É só a consolidação de um poder colonial. O Halloween não tem transcendência, não diz nada. É só comércio. Nossa gente vai saber guardar suas tradições como fez até agora”, diz Ruth Gonzales, que todo ano faz seus pãezinhos para a celebração dos mortos.

Na Praça de San Francisco, reduto popular dos mais importantes em La Paz, durante toda a semana que antecede o dia dos mortos, monta-se uma feira de tantanwawas. No meio, fica um altar com a foto do chamado “santo dos pobres”, Carlos Palenque. Este foi o homem que, na década de 80, conseguiu aglutinar as gentes originárias num grande movimento político - a Condepa (Consciência de Pátria) – que, caracterizando-se como um movimento nacionalista e originário, definiu o início de um pachakuti, ou seja, aquilo que hoje se vê como o novo movimento autóctone na Bolívia. Carlos Palenque e o Movimento Consciência de Pátria buscavam recuperar a dignidade perdida e a soberania das gentes autóctones, coisa que hoje se expressa com muito mais vigor na Bolívia do século XXI. Talvez por isso ninguém o esqueça, e seu retrato seja obrigatório nos altares do povo. Carlos Palenque, fundador da Rede de Televisão Popular, a RTP, que sempre deu vazão à vida e aos costumes populares, é considerado por muitos bolivianos como um santo. Mas, mais do que isso, ele abriu caminho para que aymaras e quéchuas se reconhecessem como povo soberano e começassem a construir uma nova Bolívia.

Naquele dia 02 de novembro de 2006, em meio a Praça San Francisco, altar das mais importantes lutas populares do país, entre as gentes que aguardavam seus mortos, brincamos todos ao som das cuecas e carnavalitos. A chuva fina que caiu a partir do meio dia foi o sinal. Ali estavam os nossos mortos, a bailar também, comemorando esse tempo novo, esse pachakuti (revolução) que está a se cumprir.

O Dia do Saci


Não há nada mais servil do que se deixar dominar culturalmente. Quando a força das armas vem, pode-se até entender. Mas quando o domínio se dá de forma sub-reptícia, via cultura, parece mais letal. O Brasil vive isso de forma visceral. A música estadunidense invade as rádios e a juventude canta sem entender a mensagem. No comércio abundam os nomes de lojas em inglês e até as marcas de roupa ou sapato são na língua anglo-saxônica, “porque vende mais” dizem as atendentes. Nas vitrines, cartazes de “sale”, ou “50% off” embandeiram a escravidão cultural. E tudo acontece automaticamente, como se fosse natural. Não é!

Outra prática que vem invadindo as escolas e até os jardins de infância é a comemoração do Halloween, o dia das bruxas dos estadunidenses. Lá, no país de Bush, esta data, o 31 de outubro, é um lindo dia de festividades com as crianças, no qual elas saem fazendo estripulias, exigindo guloseimas. Tudo muito legal dentro da cultura daquele povo, que incorporou esta milenar festa irlandesa lá pelo início do 1800. Nesta festa misturam-se velhas lendas de almas penadas, de gente que enganou o diabo e outras tantas comemorações pagãs. Além disso, hoje, ela nada mais é do que mais uma boa desculpa para frenéticas compras, bem ao estilo do capitalismo selvagem, predador.

Aqui no Brasil esta festa não tem qualquer razão de ser, exceto por conta das mentes colonizadas, que também associam o Halloween ao consumo. Não temos raízes celtas, nem irlandesas ou inglesas. Nossas raízes são outras, Guarani, Caraíba, Tupinambá, Pataxó... Nossos mitos – e são tantos – guardam relação com a floresta, com a vida livre, com a beleza. O mais conhecido deles é ainda mais bonito, fala de alegria e liberdade. É o Saci Pererê. Uma figurinha buliçosa que tem sua origem nas lendas dos povos originários, como guardião das generosas florestas que garantiam a vida plena das gentes. Com a chegada dos povos das mais variadas regiões da África, o menino guardião foi agregando novos contornos. Ficou negro, perdeu uma perna e ganhou um barrete vermelho na cabeça, símbolo da liberdade. Leva na boca um cachimbo (o petyngua), muito usado pelos mais velhos nas comunidades indígenas. Sua missão no mundo é brincar, idéia muito próxima do mito fundador de quase todas as etnias de que o mundo é um grande jardim.

Pois é para reviver a cada ano as lendas e mitos do povo brasileiro que vários movimentos culturais e sociais usam o 31 de outubro para comemorar o Dia do Saci. Com atividades nas ruas, as gentes discutem a necessidade da libertação - coisa própria do Saci - das práticas culturais colonizadas. Ao trazer para o conhecimento público figuras como o Saci, o Caipora, o Boitatá, o Curupira, a Mula Sem Cabeça, todos personagens do imaginário popular, busca-se, na brincadeira que é próprias destes personagens mitológicos, incutir um sentimento nacional, de brasilidade, de reverência pela cultura autóctone. Não como sectária diferença, mas como afirmação das nossas raízes.

Em Florianópolis, quem iniciou esta idéia foi o Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, que decidiu instituir o 31 de outubro como o Dia do Saci e seus amigos. Assim, neste dia, os mitos da nossa gente invadem as ruas, não para pedir guloseimas, mas para celebrar a vida. Tendo como personagem principal o Saci, o sindicato discute a necessidade de valorizarmos aquilo que é nosso, que tem raiz encravada nas origens do nosso povo.

É por isso que neste dia, por toda a cidade, ouvem-se loucos estalos nos pés de bambu. É porque dali saem, às carreiras, todos os Sacis que estavam dormindo, esperando a hora de brincar com as gentes. Redemoinhos, ventanias, correrias e muito riso. Isso é o Saci, moleque danado, guardião da floresta, protetor da natureza. Ele vem, com seus amigos, encantar o povo, fazer com que percebam que é preciso cuidar da nossa grande casa.

A festa em Floripa aconteceu na Esquina Democrática. Ali ninguém comprou nada. Só brincou e se encontrou consigo mesmo.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Pobres e Nojentas chega ao número 9

Pobres e Nojentas número 9 circula a partir da semana de 29 de outubro “divinamente lua e nua”. A luta dos moradores da Ponta do Leal, em Florianópolis, para ter o direito de morar, reportagem assinada por Marcela Cornelli que é um tributo ao jornalismo de qualidade; a Teologia da Libertação hoje, escrita por Elaine Tavares; a luta pelos hospitais 100% públicos, de Raquel Moysés; o perfilpoema de Ana, a que sonha com os leões, do poeta e jornalista Fernando Karl; a série de Raul Fitipaldi sobre as mulheres latino-americanas, nesta edição falando de Delmira Agustini a partir do trabalho de Kintto Lucas; a luta do povo da Costa Rica contra o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos; a discussão sobre a “mulheridade” a partir do perfil de Catarina Gewehr; a resenha de um livro que denuncia a venda da Patagônia; a coluna de Su&Li; as crônicas de Míriam Santini de Abreu e de Sandra Werle; a apresentação de Catatau, o cão revolucionário de Abya Ayala... Tudo isso está na Pobres. E estamos cada vez mais pobres, mas também cada vez mais “nojentas”. E sabemos: Pobres & Nojentas... Ninguém compra, mas todo mundo lê! Acesse o nosso blog,http://pobresenojentas.blogspot.com.

Para adquirir o novo número, escreva para eteia@gmx.net ou misabreu@yahoo.com.br

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Um valoroso combatente


Adenilson teles, em Caracas, buscando construir um tempo novo.

Pra você, menino!

Homenagem a Adenilson Teles

Eu partilhei de toda luz
Vi crescer, devagar e segura
Na sala de aula.
Menino fazendo-se homem,
Homem se fazendo jornalista.
Tinha o texto afinado
E o compromisso com as vítimas,
Sempre...
Nunca ficou alheio à luta.
Deu o seu melhor,
Na política, na vida.
Escolheu a margem menos segura
A dos oprimidos
Dos desvalidos, os seus.
Com eles caminhou
Na rádio, na rua, no compromisso.
Tinha a voz potente, de locutor
Arauto de sonhos e esperanças.
Os olhos clarinhos
Derramavam a ternura mais profunda.
Lembro do seu riso a beira do Rio Branco
Nos confins do Brasil
Quando esperávamos a hora de ver
A Venezuela revolucionária.
Cúmplices!...
Ainda ouço os seus desejos,
Na fulgurante Caracas,
De um jornalismo bonito, libertador
De vida digna, de lutas limpas.
Agora ele se junta ao grande mistério
Não mais corpo, não mais riso.
Mas, certamente, presença
Porque a morte é só um portal
Para o esperado ainda-não.
Para a plenitude, a saciedade.
Fica a saudade, grande...
E a certeza de que vives
Em cada passeata,
Em cada emissão da radio comunitária
Em cada vitória dos trabalhadores!
Em nós.
Voa livre, menino...
Até o grande encontro...

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A universidade em luta


Conselho Universitário da UFSC quis colocar de goela abaixo o Reuni, programa do Lula que desmonta e torna ainda mais frágil a universidade, preparando-a para a privatização. A luta de estudantes e trabalhadores impediu que tudo fosse aprovado na última terça-feira, mas a turma da pesada vai voltar à carga nesta sexta. Veja o que nos diz sobre isso o nosso ídolo Che Catatau - "el perro" mais nojento da UFSC.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Argentina escolhe novo presidente


Bem antes da chegada dos espanhóis à região que hoje forma a Argentina, aquela era um espaço de liberdade. Parte dela era ocupada por povos originários (querandís, charruas e guaranis) que tinham vida nômade; e a outra parte, mais próxima ao Chile (dos mapuches e quéchuas), estava integrada ao império Inca. A vida se fazia farta às margens do Paraná-Guazú (rio grande como o mar) como os originários chamavam o rio que mais tarde foi batizado de Rio da Prata. Este nome foi dado por Sebastião Caboto, em 1526, quando o navegador, vendo muita prata na mão dos indígenas, acreditou que ali abundasse o material. Ledo engano. A prata havia sido botim de uma escaramuça dos índios com uma esquadra portuguesa. E, apesar de logo os espanhóis descobrirem que ali não havia prata alguma, o engano acabou dando nome à região. Do nome latim “argentun” (prata) passou à Argentina, e desde então assim foi.

Segundo maior país da América do Sul, a Argentina tem uma história rica de lutas e desafios que vêm desde as primeiras batalhas dos povos autóctones por seu território até o grande levante popular do início do século XXI, quando o povo derrubou dois presidentes num movimento cascata, exigindo vida digna e repudiando as políticas neoliberais. Apesar de diferenças geográfica abissais, que vão desde as geladas terras da Patagônia, passando pelos Andes, pela Pampa, até o sufocante Chaco, o país tem um povo unido, culto e guerreiro, cuja tradição de luta ultrapassa as fronteiras de Abya Yala.

Pois é esse povo que vai às urnas no próximo domingo, dia 28, para escolher o novo presidente da nação. Depois de viver experiências dramáticas como dois grandes períodos de ditadura, ambos pós-Perón, um dos maiores nomes nacionais, a Argentina ainda busca encontrar seu caminho seguro para uma vida de fartura, na qual caibam todas as gentes.

Desde as lutas por independência sob o comando de San Martin, o povo argentino, amalgamado por criollos e originários, tem sido incansável no desejo de construir uma nação independente e soberana. Mas não tem sido fácil. Nos últimos anos, passada a feroz ditadura militar que ceifou a vida de milhares de pessoas, com mais de 30 mil desaparecidos, os tropeços também têm sido grandes. O governo Menen, pós-ditadura, que apareceu como uma vereda segura para a volta do peronismo e do poder popular se mostrou serviçal do neoliberalismo e carregou a nação para um processo de desmonte e pobreza extrema. Tudo isso acabou na revolta que derrubou cinco presidentes e conduziu Nestor Kirchner à presidência.

Os últimos quatro anos foram de relativa calmaria. Kirchner, que era um desconhecido e muito mais afinado com a direita, se mostrou um dirigente capaz de restaurar uma relativa ordem na economia, proclamou moratória, fechou acordos com Hugo Chávez e deu tintas de esquerda para seu governo, muito mais do que o governo de Lula, por exemplo. De qualquer forma, Kirchner não escapa das críticas de uma parte da esquerda que o considera um farsante, alguém que fez algumas reformas, mas que não tem compromisso com as transformações estruturais que a Argentina precisa.

Ainda assim, é a senadora Cristina Fernández de Kirchner, esposa do presidente, ligada ao Partido Justicialista, quem lidera a corrida presidencial. Advogada, ela ganhou notoriedade no país no movimento de luta pelos direitos humanos e pela participação da mulher na vida política. Apesar de não ter o carisma de Eva Perón (eterna madrecita dos argentinos), Cristina evoca a nova mulher, bonita, inteligente, independente e lutadora. Daí a sua força junto ao eleitorado. As pesquisas indicam que ela pode até ganhar no primeiro turno, tamanha sua popularidade.

De maneira inédita, é também uma mulher a segunda colocada na corrida pela Casa Rosada, Elisa Carrió, candidata da Coalizão Cívica e incluída no rótulo de centro-esquerda. Também advogada, Elisa é ex-deputada nacional por Buenos Aires e coordenadora do Instituto de Formação Cultural e Política Hannah Arendt. Já concorreu ao cargo em 2003 e baseia sua campanha na luta por ética e distribuição de riqueza. Tem avançado nas pesquisas.

Mais à direita está Roberto Lavagna, que foi ex-ministro da Economia dos governos de Eduardo Duhalde (2002-2003) e de Néstor Kirchner (entre 2003 e 2005). Foi o seu ministério que o assumiu a recuperação do país no auge da crise de 2002, mas ao ser afastado do cargo por Kirchner, passou para a oposição. O outro candidato de direita é Ricardo López Murphy, que foi ministro da Defesa e da Economia durante o governo de Fernando de la Rua (1999-2001) e derrotado por Kirchner nas eleições presidenciais de 2003.

Além destes que são os mais citados nas pesquisas, disputam a vaga outros dez candidatos divididos entre direita e esquerda. A que encontra mais eco entre os movimentos sociais mais críticos ao governo de Kirchner é, sem dúvida, a do cineasta Fernado Solanas, conhecido por sua filmografia engajada e apaixonante, sempre dizendo da luta do povo argentino e de suas potencialidades. Junto com ele caminha o sindicalista Angel Cadelli, figura importantíssima na luta contra a privatização do estaleiro Río-Santiago, um dos maiores da América Latina.

E, assim, com toda essa variedade de pensamento e propostas, as gentes da Argentina devem decidir, nas urnas, no dia 28, o seu destino. Seja ele qual for, quem conhece a história sabe: se a coisa não andar direito, o povo se levanta e muda tudo. Tem sido assim, desde os memoráveis charruas. Não será diferente.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A UFSC vai mudar


Está a pleno vapor a campanha para a reitoria da UFSC. Disputam duas chapas. Uma, oficial, representa o continuísmo. Mais do mesmo. A outra é a promessa da mudança! Nildo Ouriques e Maurício Pereima são os que propõe uma nova UFSC: bonita, transparente, libertária, popular. É com essa que eu vou!!!

Contra o monopólio, pela liberdade

A luta pela comunicação livre também aconteceu em Florianópolis. No dia 5 de outubro, movimentos sociais foram para a rua e disseram a sua palavra. Performances, panfletagens e muita conversa. Quem sabe um dia, a casa cai! Veja a produção do Sarcástico no Youtube.
http://youtube.com/watch?v=Lis_gIPjqzQ

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

A incrível vitória do sim

Poderia ser o roteiro de uma novela, um folhetim, destes bem dramáticos que inundam as telas das televisões em toda a América Latina. Senhores feudais usando toda a sua força de coerção, o grande patrão geral fazendo chantagem, o uso da poderosa arma do medo e toda a sorte de intrigas e armações. Assim foi o referendo acontecido na Costa Rica, no último domingo, dia 9, que daria a resposta popular sobre se o país deveria ou não implementar o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, eterno vampiro a sugar as riquezas nacionais.

Por longos meses, o movimento social da Costa Rica conseguiu organizar uma imensa rede de defensores do “não”. Comitês patrióticos foram criados em cada cantinho recôndito do país. É, porque as gentes costarriquenses sabiam muito bem, tal qual já anunciara José Martí que: “união econômico é união política. O povo que compra, manda e o povo que vende, serve”. Por isso e por saber que os Estados Unidos nunca foi um parceiro, e sim um carrasco, é que o povo se organizou e construiu a possibilidade do referendo. Um ato inédito nesta “nuestra América”. Um momento histórico. Todas as pesquisas davam como certa a vitória do “não”, tendo chegado, nos últimos dias, a encantar quase 60% do eleitorado.

Pois, feita a votação e iniciado o escrutínio dos votos, veio a surpresa. O “sim” era vencedor. Já na manhã de segunda-feira, o jornal estadunidense Washigton Post estampava na sua primeira página: Chávez é derrotado na Costa Rica. A alusão ao governante venezuelano se dava por conta de que ele vem tentando implantar uma outra integração, a Alternativa Bolivariana para as Américas. Que é generosa, que não é predadora, que respeita a autonomia dos povos. Pois este era verdadeiramente o embate que estava sendo travado na Costa Rica, ALBA contra ALCA, esta última, a proposta de uma nova colonização a ser feita pelos Estados Unidos.

Na semana da votação, o poder do império já se fez sentir. Os meios de comunicação anunciavam à exaustão que se não fosse referendado o TLC, os Estados Unidos iriam retirar todos os investimentos do país, o desemprego aumentaria assustadoramente, a violência cresceria. Foi instalado o clima de terror. O presidente da república, Oscar Arias falava à nação, o embaixador dos Estados Unidos também e até o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, que deveria apenas fiscalizar o processo, deu declarações a favor do sim. Ou seja, todas as figuras nefastas, os cães de guarda do império, foram para as ruas praticar a velha e suja coerção.

O resultado (51% para o sim e 48% para o não) dividiu o país e criou uma fissura que só tende a se ampliar. Ninguém sabe ainda se houve fraude ou se o parte do povo se amedrontou, afinal, o poder do terror não pode nem deve ser subestimado. O certo é que no dia seguinte, os serviçais do governo estadunidense já estavam negociando a pátria. Estes três por cento que derrotaram o povo organizado vai cobrar a fraude que, se não foi nas urnas, efetivamente, foi política, como denunciam os movimento sociais. Ou afinal, como poderia ser chamado o uso indiscriminado da máquina pública, a danosa parceria dos meios de comunicação e a bem orquestrada campanha estadunidense, com toda sorte de embustes e jogos?

Assim, com a boca arreganhada, o TLC já começou a andar na Costa Rica. Muito em breve as gentes vão ver acontecer tudo aquilo que seus governantes disseram que aconteceria se ganhasse o não. Aumento da pobreza, desemprego, violência e todas as mazelas que o sistema predador estadunidense traz para os países onde finca as garras. O que a elite entreguista da Costa Rica não sabe é que aqueles 48% (coisa que não é pouca) não ficarão parados. As gentes lutarão! Há de chegar o dia em que a roda da vida vai girar. Foi só uma batalha, uma das tantas que ainda necessitarão ser travadas contra o capital. Fica a lição. O poder da água ainda é grande.

Por outro lado, na mesma semana, nasce finalmente o Banco do Sul, proposta integradora da Alternativa Bolivariana para as Américas. Tremem os criadores do FMI, Banco Mundial e toda a rede de predadores da América Latina. Um banco de desenvolvimento, de fomento, que deve trabalhar numa outra lógica, não de dominação, mas de efetiva parceria. Não é à toa que Washington joga todas as suas fichas contra a figura de Hugo Chávez. Então, em meio a tristeza da derrota na Costa Rica, me vêm de novo as palavras de Martí: “Os homens estão sempre caindo, é verdade, mas quando vêem um que anda firme, por conta da vergonha, todos saem andando!”... Andemos, pois.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Povo da Costa Rica diz não


Foi Cristóvão Colombo quem lhe deu o nome de Costa Rica, em 1502, na quarta viagem que fez ao novo mundo. E ali, naquelas terras, viviam pouco mais de 30 mil almas pertencentes aos povos güetares, chorotegas e borucas que lutaram bravamente pelo território até 1530, quando foram finalmente vencidos. Desde aí, o pequeno espaço viveu sob a dominação de Espanha, só se libertando no turbilhão emancipatório do início do século XIX. Mas, tal e qual outros países da América Central e do Caribe, a Costa Rica experimentou um período de crescimento que acabou em dependência econômica, com a instalação das malfadas “plantations” sob o comando da estadunidense United Fruit.

Durante os anos que se seguiram à independência, ocorrida em 1821, a Costa Rica passou por eleições livres, ditaduras e revoluções. E foi em 1948 que, uma guerra civil liderada pela esquerda, aboliu exército, até hoje sem existência na vida do país. Mais tarde, sob o governo de José Figueres Ferrer, no seu segundo mandato, em 1953, foram nacionalizados os bancos, impostas restrições às companhias estadunidenses e realizadas muitas reformas sociais que aprofundaram o caminho de mudanças.

Hoje, apesar de manter o sistema de governo baseado no poder civil, sem exército, o país tem enfrentado os mesmos problemas que os demais com relação à dívida externa, cada dia maior, trazendo com isso a dependência econômica, principalmente em relação ao seu vizinho mais perigoso: os Estados Unidos. Assim, apesar de os governos e os meios de comunicação costarriquenses alardearem a imagem de um país tranqüilo e ordeiro, os problemas da dependência se expressam nas periferias das cidades e no meio rural.

Não foi à toa que, num movimento gigantesco, começaram a surgir comitês patrióticos nos bairros, nas aldeias e nos distritos da Costa Rica, todos com o firme propósito de lutar contra a proposta governamental de implementação do Tratado de Livre Comércio com os “gringos”, assinado ainda em 2004. A luta popular que vem sendo travada isolou o governo na defesa do TLC e não houve outra saída a não ser submeter o assunto a um plebiscito. Na última semana, milhares de pessoas saíram às ruas de San José para dizer seu não sonoro a ratificação do acordo, que já vem fazendo estragos em outros países onde foi assinado. Apenas a Costa Rica não implantou ainda o tratado na América Central. A consulta popular acontece neste final de semana, domingo, e há grandes possibilidades de os costarriquenses vencerem esta peleia, o que vai ser muito importante para toda a América Latina.

A lógica do TLC é a tática estadunidense para formalizar acordos bilaterais que visam ocupar todo o continente, formando a seguir a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Esse projeto vem tendo contundente rechaço por parte da maioria das populações e encontrou um oponente à altura, que é a Alternativa Bolivarianas para as Américas, comandada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. Ainda assim, os Estados Unidos segue pressionando, principalmente os países mais endividados que, acossados, assinam o acordo transformando-se em mercado consumidor para produtos estadunidense, sem a devida contrapartida.

O resultado do referendo na Costa Rica, a se consolidar o NÃO, pode ajudar ainda mais os diferentes povos que atualmente lutam contra o projeto de nova colonização. Pois, mesmo nos países em que o TLC já foi assinado, sempre é possível revogá-lo, afinal, é o povo em luta quem define a lei. Se há gente na rua, as coisas mudam. E, se nos demais países as gentes seguem a férrea vontade dos costarriquenses, a vida pode mudar. Caso ganhe o “Não” a pequena Costa Rica será o primeiro país a recusar o acordo. Esse domingo será histórico!


quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Uma nova universidade


As universidades brasileiras viveram nos meses de julho, agosto e setembro deste ano, mais um movimento de greve dos trabalhadores técnico-administrativos. Cerca de 150 mil cruzaram os braços em luta por um plano de carreira, melhores condições de trabalho, contra a idéia de Fundação Estatal, proposta pelo governo de Luis Inácio, e pela manutenção da universidade pública. O movimento, que durou mais de 90 dias, teve alguns ganhos financeiros, mas saiu derrotado no que diz respeito à pauta política. Isso porque a proposta de Fundação Estatal foi enviada ao Congresso Nacional e, a considerar o perfil do parlamento, pouca chance há de a sociedade, pouco organizada como está, barrar essa idéia. A Fundação Estatal é a saída que o governo encontrou para privatizar os serviços públicos no país, mascarando o processo que já está em curso via terceirização, e cujo primeiro alvo é o Hospital Universitário.

Não bastasse esse ataque aos HU, a universidade ainda enfrenta outra série de ataques privatizantes que passam pelo Prouni, Lei de Inovação, Reuni e outras tantas leis, medidas provisórias e decretos que nada mais fazem do que aprofundar as medidas de destruição do patrimônio público no que diz respeito a educação superior.

E é dentro deste contexto de desmonte do público e da universidade que a Federal de Santa Catarina vai às urnas escolher o próximo reitor. Dois projetos disputam o cargo. Um deles representa o continuísmo. É a candidatura oficial, que nada mais é que “mais do mesmo”, seguindo a proposta que vem tentando se perpetuar na UFSC desde os anos 60. O projeto que defende é o da adequação às regras neoliberais, da privatização pelas beiras, tal e qual fizeram as últimas administrações.

Já o segundo projeto busca uma nova forma de gerir a universidade, com participação protagônica dos trabalhadores e estudantes, com transparência, diálogo e de luta concreta contra o desmonte e a destruição. A proposta principal é a mudança. Novos ventos, outra visão do que seja a universidade. Livre, soberana e espaço da criação.

A universidade necessária

Diante do quadro pessimista que a realidade apresenta no que diz respeito à universidade, pode parecer utópico que haja algum projeto no horizonte, buscando a mudança. Mas, a história já tem ensinado que é justamente nesses momentos em que tudo parece irremediavelmente perdido, que as atitudes novidadeiras podem florescer. Foi assim no histórico ano de 1918, quando os estudantes da Universidade de Córdoba, na Argentina fizeram soprar a tormenta que mudou a face do continente. Lá dentro, levantados contra o atraso, a dominação da mediocridade e a falta de participação, os estudantes iniciaram um processo de mudança que ficou conhecido como a “Reforma de Córdoba”.

Aquilo que era para ser só uma ínfima rebelião de um pequeno grupo, cresceu, tomou corpo, se espalhou como um rastro de pólvora e re-inventou a forma de ser universidade. Naqueles dias, os estudantes reivindicavam algo novo, diferente dos moldes europeus e estadunidenses que eram copiados por toda a parte, uma instituição latino-americana, capaz de pensar a realidade deste lugar, desde este espaço. Uma universidade democrática, com a participação dos alunos e trabalhadores, em que a base da pedagogia fosse o amor. Palavra estranha num mundo tão árido. “A autoridade, na casa dos estudantes, que é a universidade, não se exercita mandando, mas sugerindo, amando, ensinando. Se não existe uma vinculação espiritual entre o que ensina e o que aprende, todo o ensino é hostil e, portanto, infecundo”, alertava o manifesto que entrou para a história.

Pois é esse sentimento que permeia o projeto de uma nova UFSC, o qual é encabeçado pelo professor e economista Nildo Ouriques. Mas, a exemplo dos estudantes de Córdoba, o amor a que o projeto se refere não é o amor-sentimento - que se esfacela com o tempo e as circunstâncias - e sim o conceito elaborado pelo filósofo Enrique Dussel, do amor-compromisso. Compromisso com a criação do conhecimento novo, com a participação paritária, com a transparência administrativa, com o diálogo, com a mudança. Esta é uma proposta que, a despeito de todos os temores que pode causar a conjuntura destruidora e desfavorável, tem incendiado corações e mentes, porque cada dia cresce mais a legião dos que entendem que chegou o momento do Brasil viver a sua hora universitária e que ela vai começar em Santa Catarina.

Pode ser um desejo oceânico demais, exagerado, mas é o que tem impulsionado aqueles que partilham e constroem, em comunhão, este projeto de uma nova universidade. Por que cada um crê que o descontentamento com a situação atual não pode diminuir a crença numa universidade autônoma, pública, gratuita e de qualidade. Uma universidade que recupere a vitalidade, que enfrente intelectual e cientificamente os desafios nacionais, que busque construir um projeto de nação baseado na superação da dependência científica e tecnológica, do colonialismo cultural e intelectual e da brutal desigualdade social, regional e racial que se vive no país.

Sem medo de parecer arrogante, a idéia de uma nova UFSC, se ampara no exemplo de Córdoba. Por conta disso, a proposta que caminha com as bandeiras da mudança, não cede lugar a dúvidas. Uma pequena universidade do sul do mundo pode, sim, dar o primeiro passo para a construção do novo. Essa é a intenção e é em nome deste sonho que as gentes caminham.