sábado, 30 de julho de 2011

Três anos de sindicato


Por Elaine Tavares – jornalista e suplente do Conselho Fiscal do SJSC

Eis que se aproximam novas eleições para o Sindicato dos Jornalistas. É tempo, então, de prestar algumas contas políticas já que ao longo destes três anos fiz parte da chapa que dirige a entidade. No geral, as conversas que se ouvem entre os colegas é a mesma de sempre: o sindicato não faz nada. E, também, no geral, aqueles que costumam dizer isso são os que menos informações têm sobre o trabalho do sindicato, os que menos entram na página institucional, os que sequer são filiados. Mas, isso não é coisa que acontece só no mundo dos jornalistas. É assim em todas as categorias. Não faço então qualquer juízo de valor acerca destas criaturas, porque me parece típico da maioria dos seres humanos preocupar-se unicamente com seu micro-entorno. Já diz Rubem Alves, a gente só “conhece” algo quando o corpo dói. Então, a maioria só acaba conhecendo o sindicato quando seu problema singular exige a presença deste secular instrumento de luta dos trabalhadores. Raros são aqueles que se movem por interesses coletivos, que oferecem seus dias para a construção da mudança social, mudança radical para todos. Então, este mantra do “sindicato não faz nada” não constitui novidade e é papel da direção procurar desfazer esta inverdade. Nunca é fácil.

Também é comum que as pessoas envolvidas nas lutas coletivas, que se entregam até a medula, sintam-se entristecidas com a falta de conhecimento sobre seus esforços. Isso também é bobagem. Quem se doa à luta, o faz porque quer, e não deveria, de maneira alguma, esperar ser carregada nos braços do povo ou encontrar reconhecimento. Caminhar na estrada da vida sindical é escolha política e deveria ser encarada assim, sem maiores sofrimentos, até porque, ao longo da estrada há muitos e saborosos morangos.

A luta sindical nestes tempos sombrios do início do século XXI é uma luta de poucos, o que não significa que seja solitária. Pelo contrário. Um sindicato que estabelece relação visceral com o problema das gentes está sempre na companhia de alguém que lhe precisa. E, nos marcos do mundo capitalista, dependente e com superexploração do trabalho – como bem já analisou Ruy Mauro Marini sobre a situação dos países periféricos - o sindicato ainda é um dos instrumentos mais necessários, justamente para aquela dor da qual falei lá em cima: a dor singular do ser no seu mundo particular. Só quem vive essa dor e encontra abrigo no sindicato sabe: ele é necessário!

Ao longo destes três anos acompanhando a práxis da direção do SJSC – sou suplente do Conselho Fiscal, mas com participação efetiva na vida orgânica da entidade – tenho visto coisas incríveis. Qualquer jornalista, em qualquer cantinho deste estado, se está sofrendo no trabalho e pede atenção do sindicato, a tem. Rubens Lunge, presidente, e único liberado, não mede esforço. Pega sua mochila e sobe no primeiro ônibus, visitando cada lugar que exija a presença do sindicato. Ainda que seja uma única alma, no interior de Descanso, numa vereda de São Miguel do Oeste, numa trilha do Sul ou num pequeno município do Norte, lá está o Rubens. Disposto, ele conversa, negocia, denuncia, exige, avisa, ouve, acolhe, aconselha, encaminha. E, na medida do possível, outros diretores (as) fazem o mesmo, deslocando-se, desdobrando-se, pensando, elaborando, cuidando dos interesses de toda a categoria. Esse é um trabalho duro e pouco visível. Porque estas “pequenas” dores, escondidas nos lugares mais distantes não são alardeadas em jornal. São as que pedem a prática cotidiana da defesa dos direitos, contra o assédio moral, contra a superexploração. E, também, no geral, as pessoas estão acostumadas a grandes obras, grandes mobilizações, coisas que dão visibilidade, por isso, talvez, não consigam ver valor nestas singelas ações.

Não obstante, o SJSC também fez debates, buscou refletir a vida laboral do jornalista, visitou lugares de trabalho, promoveu arte, envolveu-se em polêmicas como a da sindicalização dos não diplomados beneficiados com a decisão do STF. Não fugiu da luta, não se escondeu, não se omitiu, enfrentou as intrigas e a má-fé. Realizou manifestações na luta pelo diploma e peregrinou pelos gabinetes para garantir que os jornalistas contratados pelo serviço público estadual sejam todos diplomados.

Atacado pelos colegas diplomados, permaneceu firme na defesa da luta de classe, seguindo o postulado guevariano: “enquanto houver um injustiçado, somos companheiros”. Na luta contra a exploração dos trabalhadores, o sindicato se colocou do lado de quem está oprimido, diplomado ou não. Atacado pelos não-diplomados, perseverou na defesa da formação específica em Jornalismo porque entende que isso melhora o jornalista e o jornalismo, e se colocou junto a eles na briga por mais universidades públicas, onde cada um possa estudar livremente e sem custos. Nenhuma contradição, apenas a certeza de que o papel do sindicato é defender os trabalhadores colocados na condição de jornalistas, por diploma ou por força do STF. Todos são iguais diante do explorador.

Não vou dizer que foram três anos de bem-aventuranças. Nunca é fácil atuar em coletivo, quando diferentes são os pensares e as colorações políticas. É sempre uma queda de braço defender propostas, visões de mundo, concepções sindicais. Toda a reunião oferece tensões, propicia brigas, discussões, violentos debates. Caras torcidas, lágrimas, mágoas. Mas, nada que não se resolva quando todos reconhecem que menos do que nossas pequenas vaidades, o mais importante é a luta coletiva, o interesse da categoria. Posso dizer que nós conseguimos lograr essa façanha.

Entre militantes petistas, pecebistas e independentes, atravessamos os mares revoltos das divergências porque soubemos colocar a categoria em primeiro plano. Foi uma experiência riquíssima. Lembro que antes de aceitar fazer parte desta chapa, tivemos muitas conversas com colegas que nos advertiam contra este ou aquele companheiro. E ouvimos, pacientes e atentos, decidindo então arriscar em nome de uma proposta de trabalho generosa e participativa. Não foi coisa fácil. Vez ou outra vislumbrávamos aqueles defeitos apontados e franzíamos o cenho, arrependidas, mas, logo em seguida, escancaravam-se surpreendentes atitudes humanas, de profunda ternura e delicadeza, que aquele defeito vislumbrado se revestia de total desimportância. Atitudes mesquinhas, autoritárias, controladoras, quem não as tem? Mas, entre nós, sempre prevaleceu o diálogo aberto, fraterno e as decisões coletivas. Erros cometidos eram admitidos e, entre risadas, nos refazíamos das polêmicas, seguindo em frente na direção do ainda-não. Porque para além das nossas diferenças o que nos baliza é a categoria.

Alguém pode até questionar: mas por que essa guria está escrevendo isso? Quer ganhar voto? Apelar para o sentimentalismo? Podem ser todas estas coisas. Eu sou assim. Gosto de me expor. Prefiro que me apontem o dedo pelas coisas cristalinas que apresento – ainda que muitas vezes me equivoque - do que pela omissão. Ao chegar ao final de um mandato de três anos quero dividir com os colegas jornalistas essa experiência de trabalho e vida, assim, nos meus termos, relatando a incrível aventura humana que pude partilhar com cada um dos colegas que tocaram cotidianamente essa direção. O Hilton, a Miriam, o Sassi, o Chico, o Sarará, o Prates, o Iran, o Josemar, o Formiga, a Fabíola, o Rubens. Grandes companheiros, verdadeiramente dedicados à categoria dos jornalistas.

Ao prestar contas a todos aqueles que há três anos votaram nesta chapa da qual fiz parte, quero também agradecer a cada um destes queridos companheiros que me acompanharam nos atos, nas negociações, nas chatérrimas feituras de atas, nas caminhadas sob a chuva, nos congressos, enfim... nesta feliz jornada.

Para mim que, nos tristes dias de 2001, 2002 e 2003, quando sofri – junto da companheira Raquel Moysés - censura e assédio moral, e busquei neste sindicato o abrigo para nossa dor, sem encontrá-lo, posso considerar que cumpri – na partilha amorosa com os demais companheiros desta chapa - a missão a que me propus quando aceitei participar desta chapa: fazer a luta e amparar o trabalhador na sua dor. Nestes tempos sombrios, repito, de superexploração e esgotamento do humano, isso não é pouca coisa.

Agora, na eleição que se avizinha, quero de novo, estar com eles. A Chapa 1. Os companheiros e companheiras que, sei, por experiência real, tudo farão para acolher os colegas e para realizar o bom combate. Essa é uma gente que está na luta cotidiana, presente. E com esses parceiros, eu vou!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O sexto ano da Pobres ou sobre como reverter um revisticídio


A revista de reportagem Pobres e Nojentas entrou, neste 2011, no seu sexto ano de vida. Nascida em maio de 2006 chegou como um espaço onde as vozes caladas dos empobrecidos e das vidas da periferia pudessem se expressar. A mídia “normal” é casa do poder, é lugar onde as gentes não têm vez, onde só aparecem como vítimas ou bandidas. Na Pobres não, é lugar da palavra bendita, do povo que faz a história andar, dos que lutam, dos que assumem suas escolhas, dos que insistem em dizer: “aquilo que é, não pode ser verdade”.

Mas a Pobres é uma revista de papel, que precisa ser impressa na gráfica, que precisa de dinheiro para se pagar. Em Santa Catarina, periferia da periferia, é sempre muito difícil fazer coisas que precisem de grana. Afinal, no capitalismo dependente já conhecemos a lição: para que um viva, outro precisa morrer. É espaço da competição, do jogo, da picuinha. Não aceitamos isso! Recusamos-nos a caminhar por essa vereda. Nas palavras do nazareno nos miramos: estamos no mundo (capitalismo), mas não somos do mundo. Por isso vamos pelejando para nos manter vivas, a despeito de tudo.

A esquerda esclarecida, essa que vive detonando a mídia comercial burguesa, não compra a Pobres. Quer de graça. Mas a nossa idéia é oferecer essa iguaria aos empobrecidos. A lógica sempre foi: os que têm dinheiro pagam e as gentes recebem nas comunidades a sua voz impressa. Então, a cada edição vivemos o impasse. Temos a palavra, mas não temos o dinheiro para imprimi-la. Os amigos dizem: “façam virtual, que não tem custo”. Não. As gentes empobrecidas não têm acesso ao virtual. Elas estão na vida, buscando o pão do agora. Não passam seus dias a navegar na internet. Então, apostamos no talvez.

Toda edição é assim. Escrevemos, fazemos, mandamos para a gráfica. Quando ela chega, alguma de nós dá um cheque (coisa antiga) para 30 dias, e nesse ínterim temos de rebolar para conseguir o dinheiro que venha cobrir o “voador”. No geral não conseguimos. Temos um único apoio, do Sindprevs-SC, o sindicato dos previdenciários, que dá 200 reais. E é tudo. O resto é batalha. No mais das vezes sai do nosso salário. Mas a Pobres renasce a cada edição.

Nesse inverno de 2011, reunidas na acolhedora Pizzaria San Francesco, aquecidas pela jarra de vinho da casa, tomamos uma dolorosa decisão: matar a Pobres. Não dava mais. O prejuízo acumulado, a falta de compreensão dos colegas, a desesperança com tudo no mundo. Cada revista lançada vinha sempre acompanhada das críticas “construtivas” dos amigos que, no geral, sequer a compravam. “Essa revista não tem projeto editorial”, “ a diagramação é muito quadrada”, “os temas são muito caóticos”. E a gente perseverando porque, afinal, nas comunidades aonde ela chegava, as pessoas se maravilhavam, e liam, e comentavam, e recriavam os seus próprios mundos a partir de suas palavras vivas no papel.

Mas, nesse inverno, estação de recolhimento e esterilidade, decidimos cometer o “revisticídio”. Estava selado o destino. Devolveríamos o dinheiro aos assinantes, que são poucos, e ponto final. Dali saímos mudas, algumas em lágrimas. As quatro cavaleiras do apocalipse assumiam seu destino de destruidoras de mundos.

Três semanas se passaram e nós em silêncio, fazendo os trâmites da número 27, que seria a última. Tudo na lentidão, quase um ritual de auto-imolação. Mas ontem, dia 28 de julho, resolvemos nos ver, tomar um chope, chorar as pitangas. Foi um dia duro para todas nós. Eleição perdida no sindicato, batalhas judiciais, amigas em sofrimento, só coisa ruim. “Vamos purgar isso tudo, em comunhão”. E fomos.

No centro de Florianópolis, no aconchego do Café Cultura, a noite gelada apareceu como aquele misterioso dia da chamada ressurreição do Cristo. Ali estávamos, as Marias, em lágrimas, ainda chorando a morta: nossa revista Pobres e Nojentas. Então, não sei se sob o efeito do chope, ouvimos a famosa frase: “Por que procurais entre os mortos aquela que vive?”

Percebemos que ao longo dessas três semanas tudo o que fizemos foi pensar e falar da Pobres. Não havia como matá-la. Ela vive e caminha. A voz das gentes não pode ser sufocada por um cheque sem fundos, por um desassossego pessoal, por um momento de desesperança. A Pobres vai continuar. O revisticídio se desfez. Da fria tumba da morte a nossa “nojentinha” voltou ao mundo dos vivos.

Assumimos assim o seguinte compromisso com nossos leitores das comunidades de Florianópolis e assinantes do Brasil: a revista seguirá seu caminho. Se o projeto é caótico, assumimos. A vida é caótica. A beleza se produz do caos. Se a diagramação é quadrada, assumimos seu jeito, porque é o nosso, é o que podemos fazer. Talvez ela não saia bimestralmente, como tentamos até agora, a duras penas. Mas ela sairá, vivinha, no papel, pela nossa força, talvez uma em cada estação, celebrando a existência humana. Porque é essa palavra viva que nos alimenta e nos move. Somos jornalistas, construtoras de mundos, narradoras da vida real, essa que viceja nas estradas de chão.

Então, saímos da invernal tristeza erguidas em rebelião. A Pobres vive, caótica, errática, quadrada, louca, soberana. Entra no seu sexto ano, está na Banca da Catedral, está na comunidade. E caminha, nas veredas desse Brasil, contando as histórias que ninguém quer contar. Importunando, desalojando, incomodando, tal qual Diógenes, com a lanterna acesa durante o dia claro, a clamar: procuro o homem! Nós, as quatro cavaleiras do apocalipse, apressamos o galope. Não para a destruição, mas para a vida!

A Pobres continua, no caos, e há de gerar estrelas! Já estamos a fazer a Pobres da Primavera...

Das belezas do nordeste... Jessier Quirino

Vou-me embora para o passado

Patativa do Assaré...

Cultura do povo...