quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O winiapacha - dia dos mortos




Quando chega o final de outubro a Bolívia já se prepara para celebrar o dia dos mortos, uma festa cheia de cores, música e alegria. Porque para os povos andinos, ao contrário da tristeza que se vê nas sociedades ocidentais, este é um dia de profunda alegria. É que, segundo conta a sua cosmovisão, o dia dos mortos é o dia em que eles voltam a terra para ver como estão as coisas, encontrar parentes e viver momentos de comunhão e partilha. Daí a necessidade de toda uma preparação para que este dia seja o mais especial possível.

Na semana que antecede o primeiro de novembro as mulheres preparam os pães dos mortos, que são vendidos às centenas. São pães moldados como corpos, inclusive com as carinhas de homens e mulheres. Também são feitos pães em formato de escada e de cavalo. A escada representa a “chakan uru”, ou seja, a ponte que liga ao sagrado. Por ela, os mortos descem para vir visitar o mundo dos vivos. E é nela que, depois, voltam para o lugar onde agora vivem. O cavalo é o veículo que os mortos utilizam para ir de um lugar a outro, afinal, há muita gente para visitar.

Então, desde o dia 31 de outubro até o dia 02 de novembro, as famílias montam mesas que são altares. Nelas ficam os retratos dos mortos, os pães (os tantanwawa), água e toda a comida que os mortos mais gostavam. Junto às mesas, quando chega o meio-dia do dia primeiro, as gentes fazem cerimônias com as folhas de coca, que são sagradas para o povo andino. Reza-se e espera-se que os mortos desçam a escada para compartilhar as notícias do ano. Conforme conta Fernando Huanacuni, as famílias sempre conseguem detectar um sinal de que o parente está ali, partilhando. “Pode ser um bichinho que apareça voando, pode ser um vento, um raio de luz. O morto sempre avisa que está presente”.

A igreja católica também incorpora parte da simbologia dos povos andinos. A celebração dos mortos é no dia 02 e da mesma forma que os aymaras e quéchuas, os católicos também fazem pães no formato humano e montam altares. A visitação aos cemitérios segue a mesma lógica. No maior cemitério de La Paz, em Chamoco Chico, milhares de pessoas acorrem no segundo dia de novembro com suas tantanwawas (os pães), que depositam sobre os túmulos, numa festa de re-encontro.

Mas, apesar de a maioria do povo boliviano ainda prezar as velhas práticas da celebração dos mortos, já é possível perceber na grande La Paz, a lógica estadunidense do consumo desenfreado presente na celebração do Halloween (o dia das bruxas). Algumas lojas montam suas decorações com abóboras e bruxas e, em alguns lugares da cidade, as crianças são chamadas para celebrar o último dia de outubro fantasiadas de monstros e repetindo a velha frase: doces ou travessuras. É uma prática insipiente se comparada ao “winiapacha” mas já começa a levantar o debate. “Esta é uma celebração alienígena. Não tem significação para nós. É só a consolidação de um poder colonial. O Halloween não tem transcendência, não diz nada. É só comércio. Nossa gente vai saber guardar suas tradições como fez até agora”, diz Ruth Gonzales, que todo ano faz seus pãezinhos para a celebração dos mortos.

Na Praça de San Francisco, reduto popular dos mais importantes em La Paz, durante toda a semana que antecede o dia dos mortos, monta-se uma feira de tantanwawas. No meio, fica um altar com a foto do chamado “santo dos pobres”, Carlos Palenque. Este foi o homem que, na década de 80, conseguiu aglutinar as gentes originárias num grande movimento político - a Condepa (Consciência de Pátria) – que, caracterizando-se como um movimento nacionalista e originário, definiu o início de um pachakuti, ou seja, aquilo que hoje se vê como o novo movimento autóctone na Bolívia. Carlos Palenque e o Movimento Consciência de Pátria buscavam recuperar a dignidade perdida e a soberania das gentes autóctones, coisa que hoje se expressa com muito mais vigor na Bolívia do século XXI. Talvez por isso ninguém o esqueça, e seu retrato seja obrigatório nos altares do povo. Carlos Palenque, fundador da Rede de Televisão Popular, a RTP, que sempre deu vazão à vida e aos costumes populares, é considerado por muitos bolivianos como um santo. Mas, mais do que isso, ele abriu caminho para que aymaras e quéchuas se reconhecessem como povo soberano e começassem a construir uma nova Bolívia.

Naquele dia 02 de novembro de 2006, em meio a Praça San Francisco, altar das mais importantes lutas populares do país, entre as gentes que aguardavam seus mortos, brincamos todos ao som das cuecas e carnavalitos. A chuva fina que caiu a partir do meio dia foi o sinal. Ali estavam os nossos mortos, a bailar também, comemorando esse tempo novo, esse pachakuti (revolução) que está a se cumprir.

O Dia do Saci


Não há nada mais servil do que se deixar dominar culturalmente. Quando a força das armas vem, pode-se até entender. Mas quando o domínio se dá de forma sub-reptícia, via cultura, parece mais letal. O Brasil vive isso de forma visceral. A música estadunidense invade as rádios e a juventude canta sem entender a mensagem. No comércio abundam os nomes de lojas em inglês e até as marcas de roupa ou sapato são na língua anglo-saxônica, “porque vende mais” dizem as atendentes. Nas vitrines, cartazes de “sale”, ou “50% off” embandeiram a escravidão cultural. E tudo acontece automaticamente, como se fosse natural. Não é!

Outra prática que vem invadindo as escolas e até os jardins de infância é a comemoração do Halloween, o dia das bruxas dos estadunidenses. Lá, no país de Bush, esta data, o 31 de outubro, é um lindo dia de festividades com as crianças, no qual elas saem fazendo estripulias, exigindo guloseimas. Tudo muito legal dentro da cultura daquele povo, que incorporou esta milenar festa irlandesa lá pelo início do 1800. Nesta festa misturam-se velhas lendas de almas penadas, de gente que enganou o diabo e outras tantas comemorações pagãs. Além disso, hoje, ela nada mais é do que mais uma boa desculpa para frenéticas compras, bem ao estilo do capitalismo selvagem, predador.

Aqui no Brasil esta festa não tem qualquer razão de ser, exceto por conta das mentes colonizadas, que também associam o Halloween ao consumo. Não temos raízes celtas, nem irlandesas ou inglesas. Nossas raízes são outras, Guarani, Caraíba, Tupinambá, Pataxó... Nossos mitos – e são tantos – guardam relação com a floresta, com a vida livre, com a beleza. O mais conhecido deles é ainda mais bonito, fala de alegria e liberdade. É o Saci Pererê. Uma figurinha buliçosa que tem sua origem nas lendas dos povos originários, como guardião das generosas florestas que garantiam a vida plena das gentes. Com a chegada dos povos das mais variadas regiões da África, o menino guardião foi agregando novos contornos. Ficou negro, perdeu uma perna e ganhou um barrete vermelho na cabeça, símbolo da liberdade. Leva na boca um cachimbo (o petyngua), muito usado pelos mais velhos nas comunidades indígenas. Sua missão no mundo é brincar, idéia muito próxima do mito fundador de quase todas as etnias de que o mundo é um grande jardim.

Pois é para reviver a cada ano as lendas e mitos do povo brasileiro que vários movimentos culturais e sociais usam o 31 de outubro para comemorar o Dia do Saci. Com atividades nas ruas, as gentes discutem a necessidade da libertação - coisa própria do Saci - das práticas culturais colonizadas. Ao trazer para o conhecimento público figuras como o Saci, o Caipora, o Boitatá, o Curupira, a Mula Sem Cabeça, todos personagens do imaginário popular, busca-se, na brincadeira que é próprias destes personagens mitológicos, incutir um sentimento nacional, de brasilidade, de reverência pela cultura autóctone. Não como sectária diferença, mas como afirmação das nossas raízes.

Em Florianópolis, quem iniciou esta idéia foi o Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, que decidiu instituir o 31 de outubro como o Dia do Saci e seus amigos. Assim, neste dia, os mitos da nossa gente invadem as ruas, não para pedir guloseimas, mas para celebrar a vida. Tendo como personagem principal o Saci, o sindicato discute a necessidade de valorizarmos aquilo que é nosso, que tem raiz encravada nas origens do nosso povo.

É por isso que neste dia, por toda a cidade, ouvem-se loucos estalos nos pés de bambu. É porque dali saem, às carreiras, todos os Sacis que estavam dormindo, esperando a hora de brincar com as gentes. Redemoinhos, ventanias, correrias e muito riso. Isso é o Saci, moleque danado, guardião da floresta, protetor da natureza. Ele vem, com seus amigos, encantar o povo, fazer com que percebam que é preciso cuidar da nossa grande casa.

A festa em Floripa aconteceu na Esquina Democrática. Ali ninguém comprou nada. Só brincou e se encontrou consigo mesmo.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Pobres e Nojentas chega ao número 9

Pobres e Nojentas número 9 circula a partir da semana de 29 de outubro “divinamente lua e nua”. A luta dos moradores da Ponta do Leal, em Florianópolis, para ter o direito de morar, reportagem assinada por Marcela Cornelli que é um tributo ao jornalismo de qualidade; a Teologia da Libertação hoje, escrita por Elaine Tavares; a luta pelos hospitais 100% públicos, de Raquel Moysés; o perfilpoema de Ana, a que sonha com os leões, do poeta e jornalista Fernando Karl; a série de Raul Fitipaldi sobre as mulheres latino-americanas, nesta edição falando de Delmira Agustini a partir do trabalho de Kintto Lucas; a luta do povo da Costa Rica contra o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos; a discussão sobre a “mulheridade” a partir do perfil de Catarina Gewehr; a resenha de um livro que denuncia a venda da Patagônia; a coluna de Su&Li; as crônicas de Míriam Santini de Abreu e de Sandra Werle; a apresentação de Catatau, o cão revolucionário de Abya Ayala... Tudo isso está na Pobres. E estamos cada vez mais pobres, mas também cada vez mais “nojentas”. E sabemos: Pobres & Nojentas... Ninguém compra, mas todo mundo lê! Acesse o nosso blog,http://pobresenojentas.blogspot.com.

Para adquirir o novo número, escreva para eteia@gmx.net ou misabreu@yahoo.com.br

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Um valoroso combatente


Adenilson teles, em Caracas, buscando construir um tempo novo.

Pra você, menino!

Homenagem a Adenilson Teles

Eu partilhei de toda luz
Vi crescer, devagar e segura
Na sala de aula.
Menino fazendo-se homem,
Homem se fazendo jornalista.
Tinha o texto afinado
E o compromisso com as vítimas,
Sempre...
Nunca ficou alheio à luta.
Deu o seu melhor,
Na política, na vida.
Escolheu a margem menos segura
A dos oprimidos
Dos desvalidos, os seus.
Com eles caminhou
Na rádio, na rua, no compromisso.
Tinha a voz potente, de locutor
Arauto de sonhos e esperanças.
Os olhos clarinhos
Derramavam a ternura mais profunda.
Lembro do seu riso a beira do Rio Branco
Nos confins do Brasil
Quando esperávamos a hora de ver
A Venezuela revolucionária.
Cúmplices!...
Ainda ouço os seus desejos,
Na fulgurante Caracas,
De um jornalismo bonito, libertador
De vida digna, de lutas limpas.
Agora ele se junta ao grande mistério
Não mais corpo, não mais riso.
Mas, certamente, presença
Porque a morte é só um portal
Para o esperado ainda-não.
Para a plenitude, a saciedade.
Fica a saudade, grande...
E a certeza de que vives
Em cada passeata,
Em cada emissão da radio comunitária
Em cada vitória dos trabalhadores!
Em nós.
Voa livre, menino...
Até o grande encontro...