sábado, 18 de julho de 2009

Transporte coletivo: uma história encoberta


Há quem diga que os meios de comunicação de massa não são tão poderosos assim e que as pessoas podem muito bem ver e ouvir criticamente aquilo que eles transmitem. Está bem, também penso assim. Mas, existe uma coisa sobre os meios de comunicação que é extremamente nociva à sociedade, e é aí que mora o perigo. É o fato de omitirem informações. É o silêncio da fala, o que não é dito, que faz falta ao leitor/espectador crítico. Assim foi durante a última greve dos trabalhadores do transporte coletivo em Florianópolis. Quando tudo acabou e a cidade voltou ao normal, a impressão que ficou foi de que os trabalhadores, mais uma vez, tinham sido os culpados pelo aumento das tarifas.

Durante todo o conflito envolvendo trabalhadores, prefeitura e donos de empresas, os jornais, as rádios e as televisões não informaram as pessoas sobre algumas coisas que são importantes para se analisar os fatos. Assim, uma conversa com Ricardo Freitas, assessor do Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Urbano abriu um pouco a caixa-preta. Vejamos:

Quando chegou o mês de dezembro de 2008, a tarifa era de R$ 1,98. Em Janeiro o Conselho Municipal de Transporte se reuniu e decidiu que a tarifa deveria aumentar em 11,11%, totalizando R$ 0,22, passando a R$ 2,20. O prefeito, muito “preocupado” com a população, decidiu aumentar apenas R$ 0,12 centavos, guardando os outros R$ 0,10 centavos na manga para usar em outra hora. E assim, quando o ano de 2009 rompeu, a tarifa de ônibus passava para R$ 2,10 em vez dos R$ 2,20 deliberados pelo CMT. Mas, naqueles dias os empresários não foram às TV dizer que estavam no prejuízo e seguiram felizes, além do aumento de R$ 0,12 na tarifa, também recebendo do poder público outros R$ 0,12 centavos referentes ao subsídio por cada rodada de catraca, o que totaliza 550 mil reais por mês, em média. Tudo parecia bem, a não ser para o povo que tomou mais um aumento.

Agora é que vem o desvelamento da grande mentira protagonizada pelos empresários durante a greve. Pois quando os trabalhadores decidiram entrar em greve por conta da reivindicação de um aumento de 7%, os patrões resolveram dizer que não, que teriam dificuldade em pagar e tornaram o poder público refém de sua negativa. Mas, ao analisar os números reais vai-se perceber que na composição do custo tarifário o gasto com os trabalhadores é de apenas 41% do total, o que significaria que um reajuste de 7% no salários aumentaria apenas 2,8 % no custo total do transporte. Assim, se fosse o caso de considerar uma relação entre tarifa e salário, o aumento deveria ser de apenas R$ 0,7 centavos.

Ora, mas o que acontece é que no mês de janeiro, quando a tarifa passou de R$ 1,98 para R$ 2,10, os empresários do transporte já tinham alcançado um reajuste de R$ 0,12 centavos portanto R$ 0,05 centavos a mais do que deveriam desembolsar para majorar o salário dos trabalhadores. Assim, ao ganharem mais R$ 0,10 centavos agora em julho no total da tarifa, eles apenas aumentaram os lucros, visto que além destes R$ 0,10 centavos eles tem os R$ 0,05 do aumento passado e ainda levam, agora, mais 0,3 centavos por rodada de catraca, já que também aumentou o valor do subsídio por virada de catraca, passando a ser de R$ 0,15 centavos. Jogada de mestre. Ou seja, além de mais R$ 0,10 na tarifa, os patrões levaram mais R$ 0,03 no subsídio, totalizando no ano um aumento de R$ 0,25, por tarifa que recebem. O acordo com os trabalhadores custou, no total, R$ 0,07 centavos.

Então, tudo o que se viu nestes dias de greve não foi o conluio dos trabalhadores com o Setuf, como alguns disseram, mas sim o mesmo velho jogo daqueles que permanentemente lucram com a vida e o trabalho das gentes. Não bastasse os empresários terem feito uma espécie de chantagem com o poder público, ao exigirem mais subsídio e outro aumento de tarifas, eles ainda lucram em outra ponta do sistema que é a da Cotisa, a empresa que administra os terminais. No custo total do serviço de transporte estão reservado 8% do total para o pagamento do uso do terminal. Só que os donos dos terminais são os mesmos das empresas de ônibus. Assim, eles pagam para eles mesmos. É uma loucura. Logo, não é gasto.

Então, esses R$ 2,20 de passagem que pagamos agora já estavam definidos lá em dezembro, quando o CMT deliberou. Mas, a jogada era essa, deixar tudo estourar nos meses de negociação salarial para que as pessoas ficassem com a impressão de que a culpa pelo aumento era dos trabalhadores. E o pior é que, sem informação, as pessoas pensam as coisas mais doidas.

Bom, desfeito o engano, o que fica de concreto é a necessidade cada dia mais urgente da municipalização do transporte. Não dá mais para a cidade e o poder público ficarem reféns dos empresários do transporte. Se a prefeitura já subsidia o transporte com mais de 500 mil ao mês, tem todas as condições de assumir o controle do sistema e baratear a passagem até que se chegue à tarifa zero. As pessoas precisam entender que o transporte coletivo é um serviço público que, no mais das vezes, serve quase que exclusivamente para levar os trabalhadores para seus lugares de trabalho. Ou seja, serve muito mais aos patrões embora quem pague sejam os trabalhadores. Isso tem que acabar. Assim como pagamos impostos para termos a iluminação pública nos caminhos da nossa cidade, também os impostos das gentes, e principalmente dos empresários, deveriam custear a tarifa zero no transporte público. Assim, as pessoas poderiam, finalmente, ter garantido o seu direito de ir e vir nas cidades, conforme pregam os liberais.