sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Uma palavrinha sobre as lutas no mundo árabe


Hesitei um pouco em escrever sobre o que ocorre hoje no mundo árabe. Tudo é muito distante de nós e as informações precisam ser muito bem checadas para não dizermos besteiras. Mas há coisas que são gritantes. Mais do que nunca o estudo feito por Chomsky há décadas se faz absurdamente real. É incrível como a mídia, de repente, descobriu que havia ditadores no mundo árabe. Do nada, essa palavra começa a pipocar em todos os jornais e revistas. Até então, para os meios de comunicação, ditador mesmo era só o Fidel, em Cuba. No geral, lá para as bandas do mundo árabe, eram todos amigos dos Estados Unidos e como lembra Chomsky, quando são os “amigos” os que cometem crimes, o tom das denúncias muda de figura. Gente ruim era a turma dos palestinos, dada a violência gratuita. Mas os homens do poder dos países árabes “amigos” eram tudo gente boa, democrática, que ofereciam vida farta ao seu povo. Quem nunca viu na “vênus platinada” os documentários sobre a Arábia Saudita ou Dubai? Só belezas! Kadafi, por outro lado, sempre foi mostrado como um “terrorista”, a exemplo do velho Arafat. É que eles não estavam alinhados ao governo estadunidense, logo, todas as suas sujeiras sempre receberam muita luz. Como já disse, Chomsky mostrou isso muito bem no seu livro “Os guardiões da liberdade”.

Agora, diante das mobilizações populares que questionaram vários destes governos sustentados há décadas pelo poder estadunidense, nas tramóias da ganância sobre o petróleo, a mídia começa a falar das sujeiras. Mas tudo muito rapidamente. A luz vai sendo colocada nas mobilizações e nas medidas imediatas que são tomadas para barrar os “banhos de sangue”. Diante dos fatos, o que mais se vê é o que diz o presidente dos Estados Unidos. “Obama exige que Mubarak renuncie”. Mas ora vá, que tem Obama a ver com isso? A Globo não explica muito bem. Por que motivo o presidente de uma nação vem querer cantar de galo em outra? Quais as ligações que unem esses seres?

Agora, a bola da vez é o Kadafi. Um homem que na década de 60 ousou falar de nacionalismo árabe, que afrontou os Estados Unidos e que deu outra dinâmica para a vida naquele espaço geográfico. Um homem que não se propôs a fazer na Líbia o socialismo sonhado por boa parte da esquerda, mas que tentou comandar seu país dentro da lógica da sua cultura e do seu desejo de ser livre. Outra dinâmica, muitas vezes incognoscível para nós, da cultura ocidental. Nos dias atuais, fala-se das suas excessivas ligações com países europeus e com multinacionais. Estava lá ele tentando manter seu país no jogo dos negócios mundiais. Coisa para analisarmos com mais cuidado.

Pois diante dos protestos que ocorrem agora em todo o país, no rastro de pólvora iniciado pelo povo tunisiano, Kadafi se vê ameaçada de invasão por tropas da Otan. E quem foi que deu essa idéia brilhante? Obama! De novo, o presidente de um país que invadiu o Iraque e matou quase sete milhões de pessoas, grande parte civis. Por que a mídia nunca reagiu com tanta veemência diante dos crimes dos EUA? Por que as gentes do Iraque não merecem o mesmo respeito que estão tendo agora o povo da Tunísia, do Egito, do Baheim? Em que o povo que luta desesperadamente pela liberdade no Iraque é diferente? Por que não vemos a mesma indignação nos olhos dos âncoras da TV quando os palestinos são massacrados diariamente? Por que as tropas da Otan não param Israel? Que interesses estão em jogo neste tabuleiro árabe? Creio que mesmo com as poucas informações que temos pode-se fazer uma análise mínima.

E a esquerda? Bem lembra Carlos Terán (num texto que pode ser encontrado no www.iela.ufsc.br), que a esquerda mais ortodoxa sempre se negou a ver como processo revolucionário o que aconteceu na Venezuela, na Bolívia. Por que agora esse povo se põe a saudar como “revolução, revolução” o que ocorre no mundo árabe? Sendo que, no geral, na verdade, praticamente nada está mudando, a não ser o nome dos governantes. Os projetos seguem sendo os mesmos.

Correndo o risco de ter de prestar contas à história eu me dou ao direito de observar melhor, com mais calma, estudando mais o modo de ser do mundo árabe, que é muito diferente do nosso. Mas sem nunca deixar de fazer as perguntas que precisam ser feitas. Nos anos 70 estive bastante ligada às propostas que vinham da Líbia, da Palestina, apoiando a luta daqueles que se levantavam para garantir soberania e outra forma de organizar a vida. Hoje, vejo com tristeza o desmonte de mais um reduto de resistência ao império estadunidense. Não tenho medo de usar a palavra revolução. Mas, espero que seja de fato, um processo de mudança o que está em curso.

A famosa democracia, tão insensada pelos Estados Unidos quando é para fazer com que as coisas sejam do seu jeito, não é modelo para ninguém. Vide Afeganistão e Iraque, onde as tropas estadunidenses implantaram a “democracia”. Votar a cada quatro anos tampouco é democracia. Essa palavra tão desgastada pede adjetivos e pede participação real dos povos. Derrubar um homem é coisa possível. Derrubar um jeito de organizar a vida é outra coisa. Até agora, as lutas populares que estiveram em alta no mundo árabe, derrubaram pessoas. O sistema se mantém incólume. O que espero, com profunda reverência revolucionária, é que esta mesma gente seja capaz de mudar as estruturas. De garantir a participação real e cotidiana, de criar o novo. Aí sim, temos revolução!

Pela liberdade de dizer a verdade

Todo apoio ao companheiro Lúcio Flávio Pinto!


O Movimento LutaFenaj! repudia a decisão do juiz federal Antônio Carlos Almeida Campelo, titular da 4ª Vara Cível de Belém, que proibiu o jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, de publicar reportagens sobre o teor de um processo que tem como réus os proprietários do Grupo Liberal (que controla jornais e emissoras de TV e de rádio), que respondem por crime contra o sistema financeiro nacional.

O juiz ameaça punir o jornalista com “prisão em flagrante” caso ele descumpra o seu despacho, o que constitui evidente abuso do magistrado e um atentado contra a liberdade de expressão. A ameaça comprova que, no Brasil, os grandes censores são os empresários da mídia e seus aliados nos poderes executivo, legislativo e judiciário.

Lúcio Flávio Pinto merece apoio total dos jornalistas, por sua integridade, sua importante contribuição ao jornalismo brasileiro ao longo da carreira, e sua coragem, ao enfrentar interesses econômicos poderosos sem fraquejar, tendo como principal compromisso os interesses maiores da população e dos seus leitores.


São Paulo, 24 de fevereiro de 2011
Movimento LutaFenaj!


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Servidores e população são vítimas do descaso do governo

Uma mulher teve um verdadeiro ataque de fúria na manhã desta quarta-feira, dia 23/2, na agência do INSS em Palhoça, na Grande Florianópolis. Ela teria ficado descontrolada por ter tido a perícia negada após seis meses de espera e teria começado a quebrar objetos do local por volta das 9h. Seguranças da agência não conseguiram controlá-la e a Polícia Militar precisou ser acionada. Ela foi encaminhada para a Delegacia da cidade.

O que aconteceu hoje, dia 23 de fevereiro, na Agência da Palhoça é o espelho do que ocorre diariamente em todas as Agências do INSS do país. Há muitos anos, os servidores e o Sindprevs/SC estão alertando o governo e a administração do INSS sobre as precárias condições de trabalho nas Agências da Previdência Social (APSs). Os segurados são tão vítimas quanto os servidores, esperam meses para conseguir a realização da perícia médica, ficam a mercê da desestrutura administrativa sem ter como sobreviver, sem pagamento, ou sequer um resultado rápido que lhes permita encaminhar um recurso.

Por outro lado, os servidores ficam totalmente expostos a reação da população, como a que ocorreu hoje, numa Agência onde faltam servidores, faltam condições de trabalho, falta segurança e a jornada de 8 horas torna tudo isso ainda mais pesado e doentio.

Em meio a essas denúncias ao problema da manutenção da alta programada, o INSS simplesmente repassou para os servidores administrativos o risco da entrega dos resultados da perícia. Como os médicos se mobilizaram, devido a pressão a que estavam expostos, o INSS simplesmente passou a “batata quente” para os servidores administrativos. Não seria o mesmo que pedir aos médicos peritos que entregassem os resultados dos processos de aposentadoria?

Diante disso, o Sindprevs/SC conclama a população a apoiar a luta dos servidores em defesa:

• da contratação de mais servidores públicos;

• do retorno da jornada de 6 horas;

• de que o resultado da perícia médica não seja entregue pelo servidor administrativo; e

• do fim da alta programada.

O Sindicato já cobrou uma posição da Administração sobre o ocorrido e estará amanhã na APS de palhoça para dar apoio aos servidores.

Fonte: Sindprevs/SC


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Deu no jornal O Paraense


Começam nesta segunda-feira, 21, as obras da maior usina hidrelétrica da Amazônia, segunda maior do Brasil. Para tornar irreversível a usina de Belo Monte no rio Xingu, sudeste do Pará, o governo federal incentivou a empresa Norte Energia S. A., responsável pela construção de Belo Monte, a antecipar para ontem a assinatura do contrato com o consórcio construtor das obras civis da usina, localizada na região de Altamira.

A primeira ordem de serviço para o início dos trabalhos da usina de Belo Monte será emitida nesta segunda-feira, autorizando o início das obras de terraplanagem, a construção dos canteiros de obras e a implantação e melhoria de acessos. A segunda ordem de serviços, que contemplará o objeto do contrato, ou seja: as obras definitivas da usina hidrelétrica, ainda não foi agendada pela Norte Energia.
Dez empresas fazem parte do consórcio construtor de Belo Monte, que será liderado pela empreiteira Andrade Gutierrez, que receberão nesta primeira etapa R$ 13,8 bilhões, o maior contrato do governo federal em vigência no País. As empreiteiras que participarão da construção de Belo Monte são: Camargo Corrêa, Norberto Odebrechet, OAS Ltda, Queiroz Galvão, Contern, Galvão Engenharia, Serveng-Civilsan, Cetenco e J. Malucelli. O governo federal tem interesse na rápida construção de Belo Monte, obra incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e que sempre teve o incentivo da hoje presidente Dlma Rossef desde os tempos em que ela, Dilma, comandou o Ministério das Minas e Energia, no primeiro mandato do presidente Lula.

Polêmica, a usina de Belo Monte vem sendo questionada pelo Ministério Público Federal, organizações não governamentais ambientalistas e indigenistas, nacionais e estrangeiras, e até mesmo por órgãos governamentais, como a Fundação Nacional do Índio (Funai). A UHE Belo Monte terá capacidade instalada de 11.233,1 MW de potência e geração anual prevista de 38.790.156 MWh ou 4.571 MW médios. A geração de energia de Belo Monte começará em fevereiro de 2015.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Em defesa do Código Florestal e da produção de alimentos

A Via Campesina Brasil reforça sua posição contrária ao projeto do deputado Aldo Rebelo, que só interessa à bancada ruralista e às empresas transnacionais.

Os movimentos da Via Campesina conclamam a todos para se manifestarem contra o projeto de revisão do Código, que será votado na segunda quinzena de março.


1.Conhecendo o Código Florestal Brasileiro

O Código Florestal Brasileiro foi criado em 1934 e foi atualizado em 1965. É importante nós entendermos como estava o nosso país naquele período: aumento da população das cidades localizadas na mata atlântica, onde ainda existiam grandes áreas de floresta; desmatamento da mata para expansão das plantações de café nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro; corte de espécies nobres para madeira, como a Araucária nos estado do Paraná e Santa Catarina.

Lembremos também que esse era um período de grandes lutas populares, além de importantes revoluções e expansão do socialismo pelo mundo. Portanto, apesar de ter sido aprovado no primeiro ano da ditadura, o Código Florestal foi concebido em um ambiente progressista. Menos de um ano antes foi lançado o Estatuto da Terra, outra lei importante, que tratava da Reforma Agrária e que possuía caráter progressista.

Assim, o Código Florestal foi escrito preocupado com o desmatamento, mas em uma realidade que muito se fala sobre a Reforma Agrária e sobre como a lei deveria obrigar que os latifundiários produzissem de forma sustentável. É com o Código Florestal que se inicia o debate da função social da propriedade, que hoje está garantida em nossa constituição federal. A função social diz que toda propriedade deve ser produtiva, empregar os trabalhadores de forma justa e manter o meio ambiente.

A primeira coisa que o Código diz é que todas as florestas são bens de interesse comum da sociedade brasileira. Isso quer dizer que o cuidado com as florestas está acima de qualquer interesse privado. A propriedade da terra permite que ela seja usada pelo agricultor, mas a sociedade brasileira tem um interesse que obriga esse agricultor a ter uma parte de sua terra com florestas.

O Código Florestal cria a Reserva Legal (RL), uma parcela da propriedade rural que deve ser dedicada ao uso sustentável da floresta. Isso quer dizer que a área deve ser explorada. O que se pode fazer lá? Pode tirar madeira, lenha, óleo, semente, frutos. Pode também ter espécies frutíferas. Mas tudo tem que ser feito de acordo com um planejamento, chamado Manejo Sustentável. O que não pode? Cortar toda a madeira de uma vez só, no que se chama “corte raso”. No caso da Amazônia, 80% da propriedade rural deve ser reserva legal, enquanto no cerrado que está na Amazônia Legal (partes do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins) a RL é de 35% da propriedade e no resto do país é de 20%. Ou seja, uma propriedade com 100 hectares na Amazônia tem que utilizar 80 hectares de sua área de forma sustentável, e no Cerrado a mesma propriedade tem que utilizar 20 hectares desta maneira.

Outro tema do Código Florestal são as Áreas de Preservação Permanente (APPs). Essas áreas são as florestas que estão nas margens dos rios, represas e nascentes, nas ribanceiras muito inclinadas e no topo dos morros. Elas são locais frágeis, onde podem ocorrer erosão, por exemplo. As florestas, com suas raízes profundas, seguram os solos e ajudam a água a entrar na terra, abastecendo os lençóis freáticos. Muitas das catástrofes que temos visto nestes últimos anos, com as enchentes e deslizamentos de terras em todas as partes do país, têm a ver com justamente com a destruição das florestas das APPs.

Mesmo sendo frágeis, essas áreas também podem ser exploradas pela agricultura camponesa, segundo a atual legislação. Não pode é como a Reserva Legal, porque na APP não pode tirar madeira nem lenha – não pode derrubar nenhuma árvore ou arbusto. Mas pode tirar frutos, sementes, óleos, criar abelha... enfim, uma diversidade de produtos podem sair da APP!

E no caso das áreas onde a floresta foi desmatada, mas mesmo assim é APP e RL? O Código Florestal permite, para a agricultura camponesa, a utilização de sistemas agroflorestais para a recuperação dessas áreas. Sistemas agroflorestais são plantios com vários cultivos anuais, juntamente com árvores nativas. Assim, nos primeiros três anos, uma RL degradada pode ter plantio de feijão, milho e mandioca e, no meios das ruas, o plantio de espécies nativas de cada bioma. Assim, enquanto está recuperando a mata, o agricultor e a agricultora podem tirar sua renda. Depois dos três anos, a renda já pode vir de outras espécies, principalmente as frutíferas, da apicultura, do palmito... enfim, do que puder ser aproveitado do sistema agroflorestal.

Como podemos ver, o Código Florestal não é inimigo da agricultura camponesa. Ao contrário, ele garante que nós, agricultores e agricultoras camponesas, possamos garantir nossa renda com mais segurança, pois não ficamos dependendo de um único produto. Para se ter uma idéia, no ano de 2008 o agroextrativismo, que é a exploração sustentável da floresta (com produtos madeireiros e não-madeireiros) gerou, no Brasil, 4 bilhões de reais. Isso sem nenhuma política pública, sem nenhum apoio do Estado brasileiro.

Além disto, o Código Florestal garante a qualidade das terras camponesas para as gerações futuras, nossos filhos e netos. As florestas ajudam a adubar os solos, evitar erosões, preservar as nascentes e os riachos. Além disto, são abrigo para insetos e pássaros, inimigos naturais de várias pragas que atacam nossas lavouras. E ainda são importantes para a nossa própria alimentação, principalmente devido aos frutos, raízes e sementes regionais, assim como as incontáveis plantas medicinais que da floresta tiramos.

O Código Florestal é adversário do agronegócio, que precisa desmatar todas as espécies para implantar a monocultura e aplicar uma imensa quantidade de veneno. É impensável para o agronegócio conseguir produzir em sistemas diversificados, conservando áreas de florestas e fazendo sistemas agroflorestais. E para o agronegócio a vida do solo pouco importa. Após esgotar totalmente o solo, o latifundiário ou a empresa transnacional vende aquela propriedade e parte para outra região, fazendo a fronteira agrícola andar. Deixa para trás a destruição do solo, o envenenamento dos rios e a morte de toda a floresta e seus animais.

2. O agronegócio e suas motosserras: a destruição do Código Florestal Brasileiro

Em 2008 o agronegócio decidiu convocar seus representantes no Congresso, a chamada bancada ruralista. O objetivo era claro: ligar as motosserras e destruir o Código Florestal. Atacaram também dentro do governo federal, por meio do Ministério da Agricultura e ainda com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que fez o trabalho de mobilização nos estados.

Embora o Código Florestal seja uma lei inovadora e sensível à realidade da agricultura camponesa, sabemos que a repressão por parte da polícia ambiental e das secretarias de meio ambiente nos estados sempre foi grande, principalmente contra nós. Enquanto o agronegócio continuava desmatando, o agricultor camponês era multado por ter aproveitado uma árvore que caiu com um vendaval. Além disto, sempre foi falado para nós que as áreas de reserva legal e APP eram intocáveis, era do IBAMA, do INCRA, deveriam ser cercadas e nunca deveriam ser utilizadas.

Além disto, não podemos nos esquecer dos lugares onde milhares de famílias foram estimuladas a desmatar. Esse é o caso, por exemplo de Rondônia, onde a família, ao receber a terra de um projeto de colonização, recebia também uma motosserra. A família ganhava um hectare de terra para cada hectare desmatado! Pouco tempo depois, esse mesmo Estado que incentivou o desmatamento veio obrigar as famílias a recuperarem as áreas, sem qualquer apoio do poder público.

Toda essa realidade fez com que muitos camponeses, em diversas partes do país, se revoltassem contra o Código Florestal. Entretanto, como vimos nas primeiras páginas, o problema não é da lei! Quando uma lei é favorável ao povo, as elites logo procuram formas de impedir que ela seja aplicada e, ao mesmo tempo, fazem com que ela seja executada de forma totalmente errada, para que o povo a veja como um problema.

Sabendo dessa insatisfação por parte dos camponeses, a CNA fez diversos eventos nos estados, falando mentiras para os agricultores e escondendo os benefícios do Código Florestal. Incentivaram os camponeses a se aliarem aos grandes proprietários na luta contra a legislação que supostamente prejudica a agricultura. Essa tática da CNA funcionou principalmente com os camponeses que não estão articulados pelos movimentos sociais em suas regiões.

No Congresso, os ruralistas garantiram a criação da Comissão Especial do Código Florestal em junho de 2009, que deveria elaborar uma proposta que será submetida à votação no plenário da Câmara. Após muita articulação dos ruralistas, a presidência dessa comissão ficou com um dos líderes deles, o deputado Moacir Michelleto, do PMDB do Paraná. Já o responsável por escrever a proposta foi o deputado do PC do B de São Paulo, Aldo Rebelo.

Durante quase um ano, a comissão ouviu muitas pessoas, a maioria representantes do agronegócio e de universidade e EMBRAPAs vinculadas aos ruralistas. O deputado Aldo Rebelo assumiu a defesa do agronegócio brasileiro, dizendo que quem quer conservar a natureza são os países de fora. O deputado, que se diz comunista, abraçou com toda a força a causa dos ruralistas, elegendo como inimigo as entidades ambientalistas e os movimentos sociais que se opusessem à mudança do Código Florestal.

A comissão realizou também 19 visitas a cidades em várias partes do país, para fazer audiências públicas e ouvir a opinião local sobre o código florestal. O curioso é que as cidades selecionadas foram justamente as que são referência do agronegócio, como Imperatriz (MA) e Ribeirão Preto (SP). Em muitas delas houve manifestações populares a favor do Código, mas em nenhum momento esses manifestantes foram recebidos pela Comissão, que só queria ouvir os latifundiários. Em Ribeirão Preto, por exemplo, mais de 80 entidades e centenas de pessoas fizeram uma audiência pública paralela, denunciando a farsa da Comissão.

O resultado final da Comissão, portanto, não poderia ser outro. O relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo foi aplaudido de pé pelos ruralistas e vaiado pelos movimentos sociais, camponeses e ambientalistas. A forma apaixonada com que o deputado defendeu a pauta dos ruralistas acabou deixando-o do lado dos partidos que sempre foram dos latifundiários: PMDB, PP, PTB. Contra o relatório do deputado, ficaram três partidos: PSOL, PV e PT.

3. E o que então tem de ruim no relatório do deputado Aldo Rebelo? Vamos dar uma olhada nos principais pontos:

- Anistia completa para todas as multas aplicadas por desmatamento de APP e RL. Essas multas, no total, são de R$ 10 bilhões e na sua imensa maioria são do agronegócio, principalmente dos setores da soja, pecuária, cana-de-açúcar, café e celulose. O relatório não poderia ser mais claro: o crime compensa para o agronegócio;

- As áreas desmatadas continuarão a ser exploradas da mesma forma que hoje, até que os órgãos estaduais de meio ambiente criem um Programa de Regularização Ambiental (PRA). Como sabemos, esses órgãos não possuem estrutura nem funcionários suficientes, sendo difícil que esses tais PRAs fiquem prontos nos próximos anos. Assim, o agronegócio, que planta soja e cana até a beira do rio, que planta eucalipto em cima de nascente e derrubou floresta para colocar gado, poderá continuar do mesmo jeito, sem ninguém incomodar;

- As áreas de topo de morro não serão mais protegidas (no atual Código elas são APPs). Os topos de morro são áreas muito importantes para os lençóis freáticos, pois quando chove é lá que a água entra no solo e abastece esses rios subterrâneos. Além disso, a vegetação dos topos de morro evitam os deslizamentos, que cada vez estão mais freqüentes nas grandes cidades, mas que também acontecem na zona rural;

- As reservas legais poderão ser compensadas em qualquer parte do bioma onde está a propriedade original. Explicando melhor: uma propriedade de 100 hectares no Goiás deve ter, pela lei atual, 20 hectares de reserva legal. Pela proposta do deputado Aldo Rebelo, essa propriedade pode ficar sem reserva legal, desde que tenha outra área do mesmo tamanho da RL necessária em qualquer um dos 13 estados do bioma cerrado;

- A recuperação da Reserva Legal poderá ser feita com até com 50% de espécies exóticas. Ou seja, os grandes proprietários poderão fazer plantios de eucalipto e outras árvores para celulose. Outra possibilidade é a introdução da Palma Africana, palmeira que produz óleo para o biodiesel e que é explorada por transnacionais na Ásia, sendo responsável por altos índices de desmatamentos lá;

- Todas essas modificações atingem diretamente a função social da propriedade. Com essas alterações, propostas pelo deputado Aldo Rebelo, praticamente não há mais crime ambiental em latifúndios. Não haverá, caso a proposta seja aprovada no plenário da Câmara dos Deputados, mais possibilidade de desapropriação de áreas por problemas ambientais;

- Para a agricultura camponesa, o deputado guardou um presente de grego: liberou as pequenas propriedades da obrigação de terem RL. Como sabemos, a floresta tem uma grande importância para as propriedades camponesas. Elas ajudam no clima local, na manutenção dos riachos, na adubação do solo e na prevenção de erosões. Se as propriedades camponesas abandonarem a RL, em 10 a 20 anos suas terras estarão esgotadas e os córregos e nascentes que existirem poderão secar. O deputado parece se esquecer que, diferente do agronegócio - que grila terras em um local e depois de sugar a última gota de vida daquele solo o vende e vai para outra área, avançando a fronteira agrícola - a agricultura camponesa permanece na mesma terra por gerações, precisando que ela continue fértil, com água e sem erosões ou deslizamentos;

Agora o relatório do deputado Aldo Rebelo, aprovado na Comissão Especial do Código Florestal, vai para o plenário da Câmara dos Deputados, onde será colocado em votação para os 513 deputados, no mês de março. Depois, ele deve ser aprovado no Senado Federal e, por fim, pela presidente da República.

4. A proposta da agricultura camponesa para a melhora do Código Florestal e nossos próximos passos nessa luta

É claro que, como toda lei, o Código Florestal pode ser melhorado. A Via Campesina fez lutas ao longo do ano de 2009 para garantir essas melhorias, que não precisavam de alteração da lei. Vejamos quais foram as conquistas da Via Campesina com relação ao aperfeiçoamento do Código Florestal:

- Manejo Florestal da Reserva Legal: o manejo sustentável é a exploração da floresta de forma que ela se mantenha em pé. Para um estudo mais aprofundado, essas questões são tratadas na Instrução Normativa nº 04/09, do Ministério do Meio Ambiente. Os principais pontos são:

- Retirada de até 15 m³ de lenha por ano e 20 m³ de madeira a cada três anos, para consumo interno na família, sem necessidade de autorização da secretaria de meio ambiente ou IBAMA. Se a madeira ou lenha for ser transportada, será necessária a autorização;
- Onde o campo é nativo (como nos Pampas ou em algumas partes do Cerrado), a reserva legal pode ser composta desse tipo de vegetação.

- Recuperação de APP e RL. Para um estudo mais aprofundado, esse tema é tratado na Instrução Normativa 05/09, do Ministério do Meio Ambiente. Os principais pontos são:

- Tanto para a recuperação de APP quanto para a recuperação de RL é permitida a prática de sistemas agroflorestais, como explicado nas primeiras páginas desse nosso estudo. Nos três primeiros anos, o agricultor pode plantar adubação verde ou culturas anuais (feijão, milho, mandioca, arroz), junto com as espécies nativas. Apenas para a agricultura camponesa, na RL também podem ser plantadas frutíferas exóticas (laranja, café, maça) ou plantas madeireiras exóticas (eucalipto, teca, espécies de outros biomas)

Entretanto, não essas atualizações não são suficientes. Para garantir que o Código Florestal tenha sua execução aliada à produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar, além de uma possibilidade de geração de renda com produtos madeireiros, a Via Campesina reivindica outras atualizações e uma série de políticas públicas. Vamos conhecer mais de perto nossas reivindicações:

Averbação da Reserva Legal – Somente para a agricultura camponesa, a legalização da reserva legal deve ser simplificada. O processo simplificado deve ser feito com base em um desenho (croqui) feito pela própria família, que deve conter a localização da propriedade e onde será a reserva legal. Todo o georreferenciamento, que é feito com máquinas de GPS, deve ser responsabilidade dos órgãos estaduais de meio ambiente, e o procedimento deve ser gratuito. A averbação não deve ter qualquer relação com os cartórios, pois muitas propriedades camponesas não possuem sua terra regularizada ainda;

Políticas Públicas:- Fomento para a recuperação das RLs e APPs. Esse programa deve ter dinheiro para produção de alimentos livres de agrotóxicos nos primeiros anos de implantação dos SAFs, aquisição de sementes de adubação verde, além de recursos para cercamento, onde for necessário. Não é aceitável qualquer proposta de crédito, visto que a pressão dos juros pode prejudicar os projetos;

- Programa de produção e aquisição de mudas e sementes. Este programa deverá disponibilizar dinheiro para construção de viveiros e criação de coletivos de coleta de sementes. Também deverá contar com um sistema parecido com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), onde as famílias produtoras poderão vender suas mudas para o governo (como a CONAB, no caso do PAA), as quais serão distribuídas para as áreas que deverão ser recuperadas;

- Qualificação da assistência técnica em sistemas agroflorestais e em manejo florestal comunitário;

- Garantia de comercialização (PAA e Merenda Escolar) para os produtos gerados da exploração sustentável da APP e da RL. Também deve ser aplicado um bônus para os produtos da RL e APP, assim como hoje o PAA garante um bônus para os produtos agroecológicos;

- Pagamento por serviços ambientais: As famílias que mantiverem suas florestas em pé devem receber um recurso financeiro pelos serviços ecológicos que essas florestas prestam à sociedade como um todo, seja limpando o ar de poluentes, seja garantindo os recursos hídricos.

Todas essas medidas podem ser tomadas sem nenhuma alteração no Código Florestal. A única alteração necessária é atualizar a definição de “pequena propriedade”, que está na lei atual, para a definição de criada pela Lei da Agricultura Familiar, o que terminaria com todos os problemas do Código para nós, agricultores camponeses

Entretanto, sabemos que não será fácil garantir essas conquistas, principalmente porque os ruralistas querem manter o Código como vilão da agricultura. Por isso, esse próximo período será de lutas articuladas com entidades ambientalistas, sindicatos e com a sociedade urbana como um todo.

Esse é um importante momento para fazermos o debate com a sociedade sobre os modelos em disputa na agricultura brasileira. De um lado, o modelo do agronegócio, que transformou o Brasil no maior consumidor de agrotóxicos do mundo, que é defende o trabalho escravo, que é contra o Código Florestal e as florestas. Do outro, a agricultura camponesa, que produz o alimento que a sociedade brasileira come todos os dias, que garante a conservação da natureza e que vem caminhando rumo a agroecologia.


Movimentos sociais da Via Campesina Brasil - Brasília, fevereiro de 2011


1. Comissão Pastoral da Terra- CPT

2. Conselho Indigenista Missionário- CIMI

3. Movimento dos Atingidos por Barragens- MAB

4. Movimento dos Pequenos agricultores- MPA

5. Movimento dos Pescadores e Pescadoras- MPP

6. Movimento das Mulheres Camponesas- MMC

7. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST

8. Pastoral da Juventude Rural - PJR

9. Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil- FEAB

10. Federação dos Estudantes de Engenharia Florestal- ABEEF