quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Avança a construção da revolução brasileira



Coletivo nascido em 2017 realiza seu primeiro congresso em 2020 amparado no nacionalismo revolucionário e na construção da revolução brasileira

Era verão. 2017. Florianópolis. Na casa do professor Nildo Ouriques, ele e alguns ex-alunos discutiam a política brasileira. O Brasil estava vivendo um turbilhão, fruto do processo de destituição da presidenta Dilma Roussef iniciado em 2016. Por isso, todas as conversas convergiam para o tema. A falta de uma ação mais ousada por parte do governo petista, que enfrentou os ataques sem convocar a população para a luta, mostrava que estava mais do que na hora de uma nova práxis na política. Esse era um debate que Nildo vinha fazendo desde há anos, mas de certa forma restrito à universidade e a alguns circuitos sindicais onde o professor realizava formação. Para ele, a dobradinha PSBD/PT , configurada no que chama de “petucanismo”, estava com os dias contados. A população já estava farta do liberalismo, tanto de direita quanto de esquerda. E estava bem claro que os brasileiros precisavam de um novo radicalismo político. Naquele dia, o pequeno grupo reunido na casa do Nildo, avaliava que desde os partidos de esquerda esse radicalismo não viria. Provavelmente a direita haveria de aproveitar desse buraco. E foi o que se viu com a ascensão de  Jair Bolsonaro. 

Pois foi naquele verão que o grupo decidiu ser necessária uma ação político/partidária capaz de fazer emergir esse radicalismo. Bradar desde a universidade já não era suficiente, havia que encarnar a ideia de uma revolução brasileira nas gentes. E isso só poderia ser feito se houvesse uma organização nacional. Filiar-se a um partido era condição imediata. A escolha recaiu sobre o PSOL entendendo que ali poderia haver espaço para crescer a proposta que vinha sendo madurada ao longo de anos de estudos acerca da tradição revolucionária brasileira que tem suas raízes na gênese do que é o Brasil, sendo fortalecida a partir dos anos 30 do século XX. 

Quando ainda era estudante de Economia Nildo teve contato com as teses da POLOP (organização revolucionária marxista Política Operária), nas quais o conceito de revolução brasileira aparecia de maneira bastante clara. Depois, militando no Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP) essa proposta foi se consolidando ainda mais. Os estudos no México e o trabalho cotidiano junto a Ruy Mauro Marini, um dos teóricos mais importantes da Polop e expoente da Teoria Marxista da Dependência, ficaram bases sólidas no pensamento e na práxis de Nildo Ouriques. A revolução brasileira não era um sonho dos anos de chumbo. Ela era um processo em curso. 

Pois se a revolução era um processo, a proposta do grupo de Florianópolis – que já incluía Mauricio Mulinari e Daniel Correa da Silva, hoje formadores na Revolução Brasileira – foi de reacender o debate e retomar uma tradição histórica e uma tradição teórica. Só assim seria possível romper com o engessamento da política nacional baseada no petucanismo e construir o novo radicalismo político que parecia ser uma exigência da população. 

O primeiro passo então foi reunir mais gente no debate da proposta e começaram as reuniões em Florianópolis e em outros estados brasileiros com aqueles que já se vinculavam ao grupo. Foi assim que em agosto de 2017 nasceu oficialmente o coletivo “Revolução Brasileira”, com o lançamento do manifesto, que abria o debate da seguinte maneira: “A sociedade brasileira vive uma verdadeira guerra de classes. Guerra declarada pela classe dominante, que bombardeia diariamente o povo brasileiro sem encontrar grande resistência. Reféns do projeto conciliatório e desarmados ideologicamente, os setores populares encontram-se em completa desorientação e são incapazes de reagir e apontar qualquer saída ao povo brasileiro. O contra-ataque só se mostra possível mediante um acerto de contas com o passado.”   

Houve então uma filiação em massa ao PSOL, com pessoas ligadas ao grupo da Revolução Brasileira em muitos outros estados do país, pois a proposta era já partir para o ataque na campanha presidencial que estava em curso. O grupo entendia que para enfrentar o radicalismo que vinha da direita, via Bolsonaro, era preciso outro radicalismo, desde a  esquerda, capaz de compreender os anseios da população e dar o devido combate aos sistema político que estava totalmente carcomido. 

Os fatos se aceleravam, a direita crescia. Então, em dezembro de 2017, a corrente da Revolução Brasileira organizada no PSOL decide lançar o nome de Nildo Ouriques como pré-candidato à vaga de presidente da República, uma tática para possibilitar o debate sobre a revolução em nível nacional. O entendimento era de que os anos de governo petista haviam empobrecido a práxis e alimentado um desprezo pela teoria. Isso precisava mudar e a proposta da Revolução Brasileira (RB) era a de reconciliar a teoria com a práxis militante. Foi um divisor de águas na esquerda e acabou com o discurso “paz e amor”.  A guerra de classes voltava à cena e a possibilidade da revolução vinha sustentada teoricamente. 

Como pré-candidato, Nildo começou a rodar o país levando a proposta da revolução brasileira e nas fileiras do PSOL começaram a aparecer novos militantes atraídos pela possibilidade da constituição de uma nova práxis. Muitas filiações se faziam ancoradas nessa linha. Mas, sem prévias – nas quais todos os militantes partidários poderiam votar – prevaleceu a decisão da corrente majoritária que escolheu Guilherme Boulos para ser o candidato presidencial.  O resultado é história. Sem radicalidade na esquerda, a direita nadou de braçada e elegeu o novo presidente cuja palavra de ordem era: “mudar tudo isso que está aí”, o que para a população aparecia como uma proposta de mudança radical. 

Para o grupo da Revolução Brasileira a derrota de Nildo na disputa interna só deixou mais clara a necessidade de seguir atuando e formando gente nos caminhos da revolução. Por isso, o trabalho de formação seguiu tomando corpo, crescendo, avançando para todos os espaços do país. “Entendíamos que era papel da RB contribuir para a formação de uma nova vanguarda política, capaz de compreender as teses da revolução e atuar com capilaridade nos  sindicatos, movimentos, universidades e organizações populares”, aponta Nildo. 

Ele lembra que as novas tecnologias de comunicação têm sido muito importantes para esse trabalho de formação de novas lideranças. “Antes, quem falava pela esquerda eram o Lula, o Brizola, o João Amazonas. Agora não, nós podemos falar sobre a política nas redes sociais, qualquer um pode falar. E também não precisamos viajar o país inteiro para discutir política. É possível debater usando as ferramentas tecnológicas. Antes, esse trabalho de formação era caro e difícil. Agora não, verbalizamos para milhares de pessoas. Essa é uma potencialidade que a estrutura da rede dá. Tem seus limites e suas contradições, mas também ajuda”.  

É assim que vai caminhando a revolução brasileira, com atividades sendo realizadas todas as semanas, em algum lugar do país. O núcleo de formação se ampliou com novos militantes como os professores Waldir Rampinelli e Angélica Lovatto, além de outras importantes contribuições que surgem fora dos muros das universidades, brotando desde os sindicatos e movimentos sociais. Com isso novos grupos de pessoas vinculadas aos coletivo surgem, tanto nas capitais como nos rincões mais inauditos, nas profundezas do Brasil.

O coletivo da Revolução Brasileira atua prioritariamente junto aos partidos políticos e sindicatos, buscando influir diretamente nos setores que podem verdadeiramente bloquear o capital, cortando seu circuito de circulação. Tem como elemento suleador do debate o nacionalismo revolucionário e com essa proposta busca abrir espaço também junto às Forças Armadas, outro flanco importante para a transformação do país. O circuito de formação avança nesses grupos e a preocupação é caminhar com aqueles que realmente podem contribuir na construção da revolução, gente que tenha autonomia intelectual, que não despreze a teoria e que esteja buscando vivenciar uma nova práxis. A preocupação não é quantitativa, tampouco eleitoral, mas procura garantir, nesse momento, a formação de gente que possa formar mais gente, ampliando e capilarizando a ideia da revolução brasileira.

Em abril de 2020 a Revolução Brasileira fará seu primeiro Congresso Nacional, nos dias 16, 17 e 18 de abril, em São Paulo, já contando com uma significativa militância formada nesses três anos de trabalho ininterrupto. Será o momento de fortalecer as teses, organizar a corrente e planejar os novos caminhos. O coletivo cresce e se espalha de maneira segura.

Devagar, despacito, a revolução vai se forjando. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Helena

Foto: Helena, com Brenda Piazza. Aqui, de novo, no apoio concreto às novas lideranças, durante uma das campanhas eleitorais.


Hoje vou falar de uma pessoa muito especial que é uma referência para mim: Helena Dalri. A conheci quando cheguei à UFSC em 1994. Funcionária nova, na primeira assembleia da categoria tratei de ir para saber a quantas ia a luta dos trabalhadores públicos, categoria a qual eu me integrava. Naqueles dias as assembleias eram realizada no Restaurante Universitário, porque eram sempre gigantescas. Já nas primeiras falas, de análise da conjuntura e nas proposições, vi que a direção não era de esquerda e que havia um grupo bem articulado fazendo oposição. A Helena era uma das pessoas que faziam parte do grupo. Alta, forte, firme na fala, ela logo chamou minha atenção. Ali estava uma liderança, pensei. E era.

Poucas assembleias depois eu já decidira me integrar ao Movimento Alternativa Independente, grupo do qual Helena fazia parte, junto com outras figuras importantes da luta na UFSC tais como Silva, Maneca, Valcionir, Moisés, Ângela, Aldo, Silvana. Em pouco tempo já estávamos articulando chapa e em 1997 vencemos as eleições para o Sindicato. Pegamos uma bucha. Havia uma dívida de 500 mil reais. Helena era a presidente. Poucas vezes na vida pude trabalhar junto com uma pessoa tão íntegra e tão firme nas suas convicções. Aparentemente dura no trato, ela é de uma doçura e generosidade incomensuráveis. Os reitores a temiam e ela era mesmo implacável na defesa dos direitos dos trabalhadores. Sob a sua batuta entramos no Sintufs e, em um ano, já tínhamos quitado todas as dívidas deixadas pela gestão anterior. Trabalho sério, honesto, comprometido.

Durante todo o tempo em que atuamos juntas no sindicato e mesmo depois que ela saiu da direção, todos nós que chegamos nos anos 1990 pudemos aprender sobre como atuar na luta sindical e como administrar um sindicato sem perder a noção de que aquilo ali é um espaço de toda a categoria, coletivo, único. E que, cuidá-lo, é como cuidar de cada um e cada uma. Com ela enfrentamos as feras cotidianas da UFSC, as batalhas na Fasubra, as negociações com a Fapeu, as quedas de braço com os reitores. A liderança que Helena exercia sobre os trabalhadores era tão forte que a uma palavra dela as gentes seguiam sem pestanejar. Quantas ocupações da reitoria fizemos a partir de seu sinal. Um braço levantado, seu corpo gigante na frente, e lá íamos todos nós, na certeza de que ela nos conduziria bem.

Quando veio o governo Lula ela já não estava mais no sindicato. Tinha deixado o espaço aberto para as novas lideranças que surgiram durante a década dos 90. Mas, não faltava uma assembleia sequer, sempre de olho e pronta a puxar as orelhas de quem não atuava como tinha de ser. Muitas batalhas travamos também, inúmeras vezes na divergência. Só que Helena nunca permitiu que a política interferisse nas relações pessoais. Podíamos bater boca nas assembleias , mas não faltava o abraço, o sorriso e o companheirismo. E mesmo quando muitos companheiros nos abandonaram por conta da nossa crítica ao Lula, ela continuou nos acolhendo no seu abraço caloroso. Nunca se perdeu de nós, seus aprendizes. E eu sempre serei grata por isso. Afinal, esse foi mais um ensinamento.

Hoje a Helena está aposentada e já não atua mais diretamente nas lutas sindicais da UFSC. Mas, isso não significa que ela está fora do mundo. Não. Segue atenta, apoiando sempre as lutas que são travadas. E continua igualmente atenta às novas lideranças que vão surgindo, no suporte, e ensinando.

Sempre que eu penso em sindicato e em como viver essa passagem de atuação coletiva, a imagem que me vem é definitivamente a da Helena. Seu exemplo, seu cuidado, sua vontade férrea, sua capacidade de trabalho. Não consigo imaginar a vida dos trabalhadores da UFSC sem sua figura altaneira. Com ela nasceu o sindicato, com ela realizamos as mudanças mais significativas da entidade, com ela aprendemos sobre companheirismo, dignidade, força e humildade.

Eu a reverencio como uma das mais importantes pessoas que já passaram pela UFSC, deixando sua marca indelével. E eu a amo profundamente. Gracias Helena, por tudo que és e representas! Inesquecível. Eterna!