segunda-feira, 26 de maio de 2008

Uma sombra em rebelião



Aconteceu assim. E só poderia ser no meu Campeche, lugar de magias. Vinha eu mui fagueira cuidando dos vaga-lumes que rodopiavam sob minha cabeça. Eram umas dez horas da noite e eu fazia o percurso que vai do ponto do ônibus até minha casa, o que dá uns 600 metros. Além dos vaga-lumes, as estrelas luziam brilhantes na noite fresca de lua nova. Noite típica de outono, plena de beleza, sagrada. Nessas horas mortas eu gosto de limpar a mente, não pensar em nada, só fruir esse presente da natureza, completamente integrada na pulsação do universo. E assim caminhava, sentindo o vento geladinho. Feliz.

Foi então que, de inopino, minha sombra andou. É sério! Andou... Vinha ela, correta, me acompanhando tranquila  no lugar onde deveria estar. Mas, num repente, andou. Vejam bem, eu não estava drogada, até porque a única droga que uso é o transporte coletivo da Capital, mas já não estava nele. A menos que tenha sido alguma reação tardia. Mas, em tese, eu estava limpa. De cara.
Durou um segundo e logo voltou à sua posição. Não havia nenhum foco de luz que a deslocasse, não estava passando nenhum avião. Tudo estava naquela santa paz das noites tranquilas. 

O fato é que minha sombra andou. Por alguns segundos se libertou de mim e seguiu à frente. Estupefiz! No meio do caminho parei e fiquei a indagar o que poderia ter sido aquele ato de rebeldia.

Estaria minha sombra enfarada de mim? Estaria meu corpo comportando-se como uma prisão para sua negra liberdade? Estaria ela querendo me dizer algo? Estaria prenunciando meu fim?Então, no meio da noite clara, na companhia dos vaga-lumes, nenhum som se fez. Minha sombra calada ficou e seguiu ordeira, do meu lado, pouca coisa atrás. Mas, me deixou essa inquietude, esse desassossego. Minha sombra, essa louca, deve ter aprendido nas tantas lutas que fiz que é preciso sair do trilho, revolucionar. Minha sombra, companheira, quer voar... Rebelde e livre, como eu!