sábado, 26 de abril de 2014

Johnny?







Ele chegou assim, de manso. Passo leve, olhar baixo, óculos de grau, chapéu. Trazia um lenço palestino em volta do pescoço. Vestia uma calça jeans rasgada no joelho e uma camisa pastel, cujas mangas arregaçadas deixavam vislumbrar tatuagens. Sentou na última fileira. Todos os olhares se voltaram para ele. E as pessoas cochichavam. As meninas, alucinavam. Mesmo assim, ninguém se atrevia a interpelar. Eram as Jornadas Bolivarianas, evento anual do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC. Coisa científica, discussão da Teoria da Dependência. E ele ali. Quietinho. Ouvia e escrevia. 

Passaram o primeiro e o segundo dia, e ele firme. Todas as palestras. Os murmúrios seguiam, as gurias perguntavam. Quem é? Quem é? Gato! Gato! E entre os debates sobre dependência, renda da terra, socialismo, capitalismo, desenvolvimento, história da América Latina, misturavam-se os suspiros e comentários nada intelectuais. 

No terceiro dia, até eu já suspirava, afinal, ali, na última fila estava a cópia perfeita do Johnny Depp, ator estadunidense, de origem indígena, responsável por alguns dos filmes mais lindos que já vi. Sem contar o sensacional  “Jack Sparrow” , capitão do Pérola Negra. Era ele cuspido e escarrado. Pois não é que, no final da tarde, sem que eu esperasse, ele vem assinar a folha de presença. Vejo-o sumir pela porta e pulo no papel. Douglas May. Claro, não era Johnny. 

Quando ele volta, para a última conferência, o abordo. Não poderia deixá-lo ir sem saber quem era. Pois Douglas é o sosia brasileiro do Johnny Depp. Ator desde bem jovem, já protagonizou trabalhos importantes no teatro catarinense. Formado em Direito chegou a trabalhar num escritório de advocacia, mas o que ganhava mal dava para comer. “Florianópolis é uma cidade muito cara”. Depois, foi dar aulas de história, mas, ser professor também não é moleza num estado em que até o governador descumpre a lei e nem sequer paga o piso salarial. Então, num carnaval, ele buscou uma fantasia, assim, por brincadeira. Achou a do Jack Sparrow e assombrou-se com o assombro das pessoas. Ali estava o capitão do Pérola, igualzinho.

Na hora ele teve o clic. “Já tinham me dito que eu parecia com o Johnny, mas a gente não leva a sério. Eu já me parecera com Che Guevara e também com Bertold Brecht, o qual interpretei no teatro. Mas, ao me ver como Jack, eu também me convenci”. Desde aí o capitão faz parte de sua vida. Hoje, Douglas trabalha no litoral catarinense, representando o personagem imortalizado por Johnny. “Tudo começou como uma brincadeira para eu espantar a depressão, mas agora o personagem me garante a vida. Com ele, não só ganho mais dinheiro, como me sinto realizado”.

Mas, para além do trabalho como ator, Douglas May interessa-se pela política. Declaradamente comunista, ele conta que veio assistir à décima edição das Jornadas Bolivarianas porque gosta do tema da dependência e entende que o mundo precisa mesmo ser transformado. “E, para isso, precisamos compreender a realidade. Por isso, sempre quando posso, estou estudando. Também gosto de escrever. Fico na minha, pensando e colocando as ideias no papel”.

E, assim, desfeito o mistério do Johnny Depp, o que encontramos foi uma criatura preciosa, com um sorriso encantador. Tímido, introspectivo, inteligente, sonhador, guerreiro, criador. Douglas May. Muito mais do que uma cópia do lindo capitão. 
 

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