domingo, 14 de março de 2010

Minha casa e seus escuros

















Outro dia me assombrei com a limpeza clínica da casa de uma amiga minha. Tudo reluzia. Nenhuma rugosidade. Aquilo acendeu em mim o desejo de um lugar assim, tão imaculado. Minha pequena e velha casa de madeira parece não se prestar. E assim fui ruminando no caminho do Rio Tavares.

A noite corre solta quando chego ao Campeche. Pelo caminho de areia o estresse do ônibus vai sendo superado por conta do cheiro forte de ervas e flores, típicos daquela vereda. Ao abrir o já quebrado portão de madeira ali assoma a minha morada. No alpendre os quatro gatos esperam, impávidos, como deuses. Steve, o cachorro, mais serelepe, me pula, entre lambidas e ganidos de alegria. Suas patinhas cheias de barro e sereno borram todo o piso que eu quero limpo, tal qual o da casa da minha amiga. Impossível. Como controlar a alegria?

Dentro de casa, por mais que se faxine, ali sempre estão, imperiosas, as aranhas, a tecer suas teias, que pipocam em cada cantinho como se aquela fosse a morada das bruxas. Dia após dia. Lagartixas correm pelas paredes na divertida caçada às moscas e mosquitos. Não posso livrar-me delas. São tão belas e equilibram a fauna.

Abro as janelas e o ar do Campeche invade cada cômodo, com aquele leve cheiro de citronela e jasmim. Os gatos já entraram porta adentro e correm pela sala como se perseguissem espíritos. As abelhas, que moram na aroeira em frente ao quarto, aparecem, mas são inofensivas. Os marimbondos, cuja casinha fica no alpendre, também fazem seu cumprimento, voejando e fazendo um barulhinho peculiar. Zé Pequeno vigia esperando caçá-los.

Na lembrança da limpeza vislumbrada pego a vassoura para eliminar uma grande teia que se formou no vão da escada. Mas, ali, vejo uma pequena aranha fazendo seu trabalho milenar e lembro da fala do grande filosofo Gaston Bachelard que dizia que as sombras das casas são os espaços oníricos, lugares onde vivem os sonhos, sagrados, portanto.

Então, perdida do meu desejo da impecável limpeza baixo a vassoura e deixo que o bichinho siga seu tramar. Amanhã talvez, quando ele não mais esteja... Minha velha casinha é cheia desses pequenos lugares de sombra, espaços oníricos, talvez por isso eu ainda tenha um grande baú de sonhos, o qual abro a cada dia, escolhendo o mais luminoso para tornar real. Alguns não acontecem, e me enchem de dor, mas outros sim, se fazem... E eu sigo, com meus bichos e minhas escuridões, até que venha o grande meio dia.



2 comentários:

Carolina Brum disse...

que saudade da minha casinha no campeche... um dia ainda volto....

pelo bem da sujeira que é vida verdadeira!!!

ai, saudosismo...

aeronauta disse...

Que belo texto! Poesia em estado lírico, humano..;