segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

O pátio da Dona Noêmia




Quando eu tinha 4 e 5 anos morava numa casa de esquina na rua João Palmeiro, em São Borja. Era uma casa grande, com um quintal imenso, mas o que me atraia mesmo era o casarão que ficava em frente, na outra esquina: a casa da Dona Noêmia e do seu Aparício. Ali viviam os dois com os seus filhos, uma das quais, Maria Elena, seria aquela que me levaria para o colégio, meu inesquecível primeiro ano no Francisco de Miranda, no bairro do Passo. Tenho-a na lembrança como minha primeira mestra, ainda que não tivesse sido minha professora. Era ela quem me pegava pela mão até o ônibus que nos levaria para escola, bem longe dali. Imagino eu que minha mãe confiasse muito naquela guria para deixar que sua pequena, de apenas cinco anos, fosse estudar tão distante de casa. 

O fato é que eu aprendera a ler muito cedo, ensinada por minha irmã, que fazia seus temas num quadro verde no quintal de casa. Eu via e aprendia. Dizia a mãe que a Maria Elena, ao saber que eu já lia, insistira para que eu fosse logo para a escola e assim aconteceu. Com ela eu empreendia, todos os dias, a longa viagem de ônibus até o Passo, até hoje lugar de minhas mais doces memórias.

Por conta dessa amizade, era comum a gente estar por ali, no pátio da casa da Dona Noêmia, brincando. Era um desses lugares de encantamento, cheio de plantas e um pouco úmido, onde assomavam flores coloridas. No meio dele um enorme poço, do qual a família abastecia a casa. E no seu entorno não era raro a gente encontrar algum desses sapos enormes, acostumados a viver no meio dos musgos. Tenho marcada na memória a figura da dona Noêmia puxando o balde enquanto seu Aparício tomava chimarrão na sombra da área. 

Agora em janeiro passei por São Borja, bem rapidamente, quando fui levar as cinzas do pai. E não poderia deixar de visitar minha querida primeira mestra, Maria Elena. Para minha alegria, além de abraça-la pude encontrar, linda, lúcida e cheia de memórias, a inesquecível dona Noêmia, hoje com 99 anos. Foi um desses momentos estelares, quando a alegria se faz plena. Tomamos tererê (os termômetros marcavam mais de 40 graus) e revivemos os bons tempos, contando da vida. 

Dona Noêmia, quase completando um século, lembrava cada detalhe daqueles tempos nos quais fomos vizinhas. Foram muitas risada e uma profusão de boas recordações. Quando chamei para registrar o encontro numa foto, ela levantou, bem serelepe, e foi ao banheiro pentear o cabelo para sair bem bonita. Uma querida. Naquela tarde calorenta com a cidade ardendo sob o sol, nós três desfrutamos da frescura da amizade que não morre. Passados quase 60 anos daqueles dias na João Palmeiro, o pátio da dona Noêmia segue sendo lugar de absurda beleza. O grande casarão não existe mais, mas aquele jardim secreto continua vivo na nossa memória.



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