Campeche mobilizado na luta contra o esgoto na praia
Comunidades do norte da ilha lutando pelo Rio Papaquara - Foto: Eduardo Dahse
Florianópolis é conhecida no Brasil inteiro pelo seu
carnaval e pela estonteante beleza de suas 42 praias. Para incrementar o
turismo, os governantes investem em anúncios milionários nas revistas
nacionais, oferecendo a “ilha da magia” como um lugar de natureza exuberante,
tranquilidade e prazer. Lugar de magia, até pode ser, mas quem faz a mágica são
os moradores, que precisam dar tratos à bola para manter a cidade e as praias
como espaço de beleza. Isso porque o abandono no que diz respeito ao serviço
básico de esgoto tem colocado em risco não apenas as praias turísticas, mas
também dezenas de comunidades que assistem, impotentes, a morte de seus rios.
No último mês, a comunidade do Campeche, sul da ilha, por
exemplo, foi obrigada a realizar atos de fechamento de bocas de desague de
esgoto nos rios locais, porque a praia está contaminada, em vários pontos,
pelas águas servidas. Assim, desde quatro domingos atrás os moradores se
organizaram e foram tapando, com sacos de areia, os canos por onde desaguam os
esgotos de condomínios e outras residências, sem qualquer tratamento. A
intenção tem sido despertar o poder público que parece ter abandonado as comunidades
à própria sorte.
Durante o governo de Dário Berger, o Campeche foi contemplado
com obras preparatórias para o tratamento do esgoto. Era o tempo do Programa de
Aceleração do Crescimento, programa nacional de investimento em estrutura do
governo petista. O bairro se movimentou. Vieram as máquinas, os canos e os
moradores assistiram ao frenesi das obras com preocupação. Onde desaguariam as
águas servidas que correriam pela rede de esgoto? Como o Campeche é um bairro
que discute sua vida desde os anos 80, de maneira coletiva, o debate foi
aberto. A proposta da Casan (empresa estadual que cuida da água e do
saneamento), apoiada pelo prefeito, era construir um emissário submarino que
levaria os dejetos para o mar, saindo atrás da ilha do Campeche. Naqueles dias
houve protestos e levantamento popular.
Os moradores não aceitaram a ideia de jogar a bosta no mar,
pois as experiências de emissários submarinos já comprovavam que os dejetos voltam
e contaminam as praias. Foi uma longa luta. Como proposta alternativa, a
comunidade apresentou projetos de estações de tratamento menores e espalhadas.
O governo não concordou. A luta seguiu e acabou que nada aconteceu. A
comunidade ficou com a rede coletora pronta, mas ligando a lugar nenhum.
Com a chegada de César Souza Júnior à prefeitura, novamente
veio à baila a problema do esgoto. A comunidade seguiu reivindicando e
promessas foram feitas. O prefeito chegou a criar um programa chamado “Se liga
na rede” e fez discursos prometendo atingir – em parceria com a Casan - 75% da
cobertura de esgoto tratado na cidade. No Campeche, nada aconteceu. E nas
demais comunidades também não. O problema estourou no início de 2016 quando a
famosa praia de Canasvieiras, no norte da ilha, ficou contaminada pela sujeira
que vinha do Rio do Brás. Foi um escândalo nacional. Turistas iam parar nas
emergências com vômitos e diarreias, enquanto o rio agonizava em meio à merda. Por conta do problema de Canasvieiras, outras
comunidades praieiras começaram a se ligar que seus rios também estavam com
problemas. No Campeche, os moradores detectaram vários pontos de desague de
rio, completamente poluídos. Cursos de água como o Rio do Noca (conhecido como
riozinho e point da praia) apresentavam água lodosa e cheiro ruim.
Naqueles dias, uma fiscalização na região de Canasvieiras, a
respeito do rio do Brás, levantou que 57% das residências estavam com sistemas
sanitários irregulares. Além disso, a capacidade de bombeamento do esgoto para
a estação de tratamento estava baixa. Foram feitas promessas de ampliação dessa
capacidade e realizada uma ação emergencial. Mas, a ação do governo com relação a Canasvieiras
não foi de resolução do problema, apenas de mascaramento. Vieram as máquinas e
fecharam com areia a saída do rio na praia. A água contaminada já não escorria
pela areia, mas o problema seguia lá. Desde aí pouca coisa foi feita realmente
para resolver. A população bem sabia que tudo aquilo poderia se repetir.
Por conta do alerta em Canasvieiras outras comunidades
passaram a vigiar suas praias. Foi o caso do Campeche, que percebeu pontos de
desague de esgoto. O bairro do Campeche sofreu uma vertiginosa expansão nos
últimos anos, com uma série de condomínios e prédios ocupando os espaços
próximos à praia. Como existe a rede de esgoto pronta, muita gente acaba
ligando o seu esgoto doméstico nela. Ocorre que não há estação de tratamento, e
esse esgoto todo vai desaguar nos rios da comunidade. Por conta desse problema,
moradores iniciaram uma campanha para que a prefeitura tomasse conhecimento da
situação e oferecesse uma solução. Foram realizados atos e abaixo-assinados,
mas nada aconteceu.
Nesse verão de 2017 quando os turistas chegaram a grande
número, lá estava, de novo, o problema do esgoto escorrendo na praia. Vários
pontos de desague formaram lagoas lodosas e malcheirosas que, inadvertidamente
são usadas pelas famílias como espaços seguros para colocar os filhos pequenos.
Preocupados com a possibilidade de viroses ou outras doenças atacarem os
turistas e principalmente as crianças, os moradores iniciaram ações de denúncia
e protesto. Assim, todos os domingos estão indo nos pontos de desague, fechando
com areia e informando aos frequentadores da praia do perigo. Já se completou um mês e nenhuma ação foi
feita pela prefeitura ou pela Casan. Ao que parece, o prefeito Gean está mais
preocupado em desmontar o serviço público e atacar trabalhadores do que resolver
os problemas da cidade. E, no geral, os prefeitos costumam jogar o problema
para a Casan, como se a saúde dos rios e da natureza da cidade não lhes
dissesse respeito. É um descaso sistemático, só superado esporádica e
paliativamente quando a mídia comercial mostra algum problema.
No último final de semana as comunidades do norte da ilha
também realizaram protestos denunciando a poluição no rio Papaquara que é um
efluente do Rio Ratones, e que, doente, pode afetar toda a Bacia do Ratones. O Papaquara
deságua justamente da Estação Ecológica de Carijós e é fundamental que ele siga
saudável e limpo. Para pedir providências do poder público, as comunidades
ocuparam a estrada geral que vai para o norte distribuindo panfletos e conversando
com turistas e moradores. Eles também buscavam conscientizar aqueles que de
maneira irresponsável jogam seus esgotos na rede pluvial. É uma batalha difícil
para aqueles que, organizados, estão sempre a proteger a cidade. Pois, tem de
brigar com o poder público e também com os próprios vizinhos.
Já no Campeche, os moradores que vem fechando os pontos de
desague na praia promoveram um abaixo-assinado chamando a atenção dos
frequentadores da praia que imediatamente fizeram filas para assinar. Todos
querem manter a praia bonita e limpa e entendem que é preciso haver uma ação
urgente da prefeitura tanto na fiscalização das ligações irregulares quando na
solução do problema. Desde há anos que a comunidade oferece alternativas,
inclusive com projetos prontos, mas não encontra parceria nas administrações municipais.
Os dados do município para tratamento de esgoto apontam que
53% da cidade é atendida pelo tratamento. César Souza chegou a prometer 75%,
mas o que se vê todos os dias são problemas de poluição nos cursos dos rios e
nas praias. O que está acontecendo então? Esses sistemas não são eficazes? Se
não são, por que não chamar a comunidade para decidir e resolver? Como já
falamos, desde há anos, por conta das reuniões do Plano Diretor, os moradores
de Florianópolis já apontaram saídas. Só que os administradores fazem ouvidos
moucos e preferem apostar em obras faraônicas e inúteis que só beneficiam quem
as constrói. No fim das contas, a situação segue se agravando e, como sempre,
são as pessoas, organizadas coletivamente, que precisam fazer o trabalho dos
governantes.
A luta segue, para salvar os rios e a vida.
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