Nietzsche dizia que só os fracos precisavam de deus. E ele
estava certo. Quando tudo se desmorona, quando a perplexidade é tudo que temos,
tentamos, de toda forma, encontrar alguma coisa em que nos segurar. Porque tem
dias que a noite é foda, como diz um velho dito popular. E mesmo carregados de
certezas e racionalidades, momentos há em que o chão se abre e tudo o que é
vida em nós se esvai. Envoltos em escuridão, ficamos frágeis e sós. É aí que
inventamos deus. “O medo criou deus”, insiste Feuerbach. E assim, depositamos
nele todas as coisas boas que existem em nós, como a virtude, a bondade, a
alegria, como se nós mesmos não pudéssemos ser esse ser perfeito.
Hoje, depois de mais um dia de horrores, acompanhando as
notícias na Palestina, onde crianças estão sendo dizimadas, onde uma deputada
de Israel diz que gostaria de ver mortas todas as mães palestinas, onde jogam
fósforo para que as pessoas morram, sem ar, sinto-me sem chão. Não consigo
pensar, como Feuerbach, que nós, como raça, poderíamos, com nossas belezas,
criar um mundo bom de se viver. Busco
isso todos os dias, mas horas há, como essa, em que tudo esboroa. É quando
preciso de uma rede onde encostar meu sofrer.
Assim, na impotência e na fraqueza, me agarro em deus. “Deus
é uma saudade daquilo que é mais bonito em nós”, dizia Ruben Alves. E é nessa
beleza que busco amparo. No céu do Campeche brilham as “três marias”, tão
distantes. Mais à esquerda procuro o “ñandu”, a constelação da Ema, do povo
guarani, que resplandece no inverno. Com as retinas carregadas de mortos canto
um mantra sagrado que repete que tudo é amor... Bava Nam Kevalam... Acendo
velas, deixo que o incenso suba até o céu ligando minha alma triste com essa
perfeição inefável. Quanto necessito dessa ilusão de que somos bons.
A vida é um sopro, o mundo é um jardim. Deveríamos estar por
aí, brincando. Mas, não! Estamos perdidos de nossa beleza, andamos no caos. E
assim, na fraqueza da minha humilde humanidade cola-se esse deus, fraquinho
também. Nada pode contra Israel ou a polícia do Rio que igualmente dizima a
juventude negra e pobre. E ali, na noite campechiana, ficamos nós, abraçados,
em lágrimas.
Sim, eu confesso, perdoe-me Nietzsche, preciso desse deus,
essa saudade de belezas. É o que me faz retomar a vida e seguir adiante. Acreditando,
firmemente, que haveremos de nos reencontrar com a maravilha que podemos ser.
Um comentário:
Comovente!
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