sábado, 22 de janeiro de 2011

Fornecedora de sonhos e de craques para times de botão

Por Rudson Pinheiro Soares - jornalista - Natal/RN

Eu tinha 11 anos e ficava ansioso para que meu irmão, de 19, chegasse com Placar. Era 1986, primeiro ano dele trabalhando e, assim, comprando-a. No Açu, a revista só chegava à sexta, quando já tinha tido a rodada de quarta e praticamente se iniciado a do fim de semana. Às vezes, na chegada, eu já estava na banca, em angustiante espera. Antes de folheá-la, um drible nos meninos da rua que já queriam o empréstimo do valioso bem. Negociada a posse, eu ia ao Tabelão - espécie de diário oficial do futebol - acompanhar o campeonato do MT, ES, A2 de SP, entre outros, e o do próprio RN, já que a TVU não mais pegava no Açu e, lá em casa, não se tinha hábito de comprar jornal. A Rádio Cabugi, só depois de muita porrada no moto-rádio, o que servia também para a Rádio Globo. Li Placar do fim de 1986 a 1990. Edições que consegui salvar têm rasgos circulares das faces dos craques, que iam para os botões.

Jornalismo de qualidade, investigativo, além do dia-a-dia, do campo. Reportagens. Em uma delas vi a saga dos jogadores do Bahia, campeões da Taça Brasil de 1959. Onde Anda descobria o paradeiro de outrora famosos. Imagens de Placar trazia fotos fantásticas. Garota de Placar fazia a festa da moçada que, aos 15, já pensava em algo mais. Ah Vanusa Spindler, onde você foi parar? Perfil indicava as preferências dos craques. Raro um que não tivesse o Escort XR3 como carro predileto. A última página era de Humor e o Gato de Placar, personagem em caricatura, também nos fazia rir, só que em qualquer página, relacionando sua piada ao assunto em questão. Tinha também a Bola de Prata, principal prêmio do nosso futebol. Jornalistas davam notas em cada posição – rodada a rodada do brasileirão. Ao final, a seleção do campeonato. Alberi, do ABC, a compusera, em 1972. Para o melhor, a Bola de Ouro. Por fim, as edições especiais como a dos campeões, com reportagens e pôsteres de campeões estaduais. Como esquecer o título catarinense de 1987 do Joinville - Nardela de cabeça enfaixada.

Em setembro de 1988, Placar passou a ser em papel inferior, com menos páginas e em formato maior: “Placar Mais – maior, mais colorida, mais barata” dizia o slogan na tentativa de esconder a contenção de despesas. Eu sonhava com a edição 1000 que viria em agosto de 1989, com Pelé na capa, óbvio - tal qual a primeira edição, de 1970. Ainda em 1989, uma matéria sobre eleições. Mazolinha, do Botafogo, disse algo como estar na hora dos trabalhadores assumirem o poder e, por isso, votava Lula. Virei fã do atacante. Assim como Placar, Lula dava gosto de ver... Ah o que ele achava do Sarney.

Em março de 1990, a edição de 20 anos. Um mês antes, a da despedida de Zico. Pouco antes da Copa da Itália, edição dos 75 anos da seleção brasileira. As três, edições especiais. Tomo por ofensa, se alguém perguntar por quanto vendo. Não dava para imaginar que, em agosto daquele ano, pouco depois do Mundial, Placar – como fora concebida - encerraria suas atividades, com a edição 1051. Só sairia às bancas, quando algo justificasse. Virou temática. A alegria da meninada da rua acabara, o sonho acabara, meu mundo acabara. A molecada da distante Açu perdia sua principal fornecedora de sonhos e de craques para seus times de futebol de botão.

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