quinta-feira, 12 de abril de 2018

O menino e as pedras




Vai longe o tempo, mas a memória lembra. Ele era menino ainda, uns sete anos, e vivia em Rio Turvo, Minas Gerais, cidade onde nasceu. Pequeninho e mirrado era alvo sistemático de Zé Bodão, um garoto da mesma idade, mas grandote, que dava umas três vezes o seu tamanho. Zé Bodão batia em todo mundo, era o valentão da escola. E não havia jogo de bolita ou de semente de cinamomo que ele não estragasse. Chegava, pegava as bolinhas e ainda metia o cucuruto em todo mundo.

Danilo era pequeno, mas valente. E fervia de raiva pela impotência de ver, todos os dias, o valentão bater nele e nos seus amigos. Ninguém podia com Zé Bodão. O gurizinho então decidiu dar ouvidos aos conselhos da mãe, que desde sempre vaticinara: “Virem-se na vida, deem jeito, não choraminguem”.  

Ele avaliou todas as possibilidades. Na mão não ganharia, o cara era grande demais. E mesmo que os amigos se juntassem talvez o Zé Bodão ainda vencesse todos eles. O caso não era de força. Tinha de ser de esperteza. Foi aí que decidiu ser um exímio atirador de pedras.

Os dias se passaram e, na escola, a gurizada seguia apanhando e tendo as bolinhas de gude roubadas. Mas, no silêncio dos entardeceres, Danilo treinava pontaria com as pedras. Dias, meses se passaram. Então, ele viu que estava pronto. Seus dedinhos pequenos eram bazucas explosivas e as pedras chegavam ao alvo, certeiras. Chegara a hora.

Zé Bodão tinha a tarefa de, depois da escola, levar a tropa do pai para o pasto. Ia sozinho. Danilo sabia. Então, subiu num pequeno elevado que dava para o descampado e posicionou-se. Os bolsos cheios de pedra. Num segundo elas voavam na direção do Bodão. Bingo. Ele tomara uma saraivada.

E assim foram os dias. Os mísseis certeiros causando danos. Bodão descobriu quem era o atirador. Mas, no colégio, quando Danilo chegava, com os bolsos cheios de pedra, ele retraia. O pequenininho fizera o que mãe mandara: vire-se! Pois se virou. E desde então ninguém mais mexeu com ele na escola. Era o guri das pedras, e elas machucavam.

Foi esse mesmo guri que, depois, já moço, se internou nas matas de Goiás, na Guerrilha do Araguaia. Não tinha como ser diferente. Ele aprendera que quando a força é bruta, há que enfrentá-la, na coragem.

Danilo Carneiro, um mestre. Todos os dias dando lições aqui no IELA.



Nenhum comentário: