segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O marrentinho



Cuidar de uma pessoa velha requer um longo aprendizado, feito de tentativa e erro. Quando trouxe o pai para viver comigo, sabia que seria um caminho desconhecido, mas não hesitei. Haveria de dar a ele um tempo bom, nessa hora em que a pessoa deixa de ser útil. Sim, porque o velho é um inútil do ponto de vista do sistema. Ele não produz mais valor. Não trabalha. Só vive. Vive e frui. O tempo lhe pertence, não há compromissos nem ansiedades com o cotidiano. Muito da memória vai embora, e me parece até bom. Porque a pessoa pode sofrer um bocado com as lembranças.

Nesse emaranhado de coisas, o cotidiano do cuidado não é coisa fácil. Mas, a gente vai aprendendo.

Acostumado a um regime alimentar bem simples, foi dureza fazer o pai comer coisas como frutas, legumes ou peixe. Tudo que oferecia ele recusava.

- Quer um pedaço de mamão, pai? Tá muito bom.
- Eu detesto mamão. Não quero.
- Vamos comer um peixe hoje no almoço, que tal?
- Detesto peixe.  Não vou comer.

E eu me descabelando, sem saber o que fazer para ele comer coisas como brócolis, couve,  manga e outros quetais. A ordem médica era comer bem, tentar ingerir as vitaminas necessárias com a comida, para evitar as bagas.

Foi aí que me deu o estalo. Lembrei das historinhas do Rubem Alves. O negócio é não dizer o que é.

Desde então, preparo uma tigela com mamão cortadinho, ou melão, ou manga, cubro com melado, e boto na sua mão.

- Ó, come aí que tem vitamina.

Ele me olha, sereno, pega a tigela e vai comendo. E se o o cardápio do dia for peixe, eu simplesmente ponho no prato, como quem não quer nada e ele vai comendo, bem campante. Já as folhas verdes, não tem jeito. Se colocar no feijão, ele vai caçando as bichinhas, uma a uma, acumulando no lado do prato.

- Isso é ruim.

O jeito então é fazer “tortillas”, misturado as folhas com batata e ovo. Aí dá certo. Ou então, bater no liquidificador e misturar no feijão, invisíveis.

- Quer café, pai?
- Deus me livre.

Espero um pouquinho, faço o café e levo pra ele, postado em frente à TV, vendo novela mexicana. Ele pega a xícara e vai tomando, comendo um bolinho de cenoura, sem chiar.

A parada é dura, mas é também engraçada. O marrentinho é figura!


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