segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Os meios alternativos no Brasil



Foto: Jeane Adre

Conferência proferida no 22° Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação

Antes de falar dos meios alternativos – que eu prefiro tratar de independentes, comunitários  ou populares -  é preciso pontuar alguns elementos referente aos meios de comunicação que dispomos na chamada mídia corporativa ou comercial. Isso é importante para entendermos a ideia de alternativa. Seríamos nós uma alternativa a quê?

Do ponto de vista do sistema capitalista que rege o mundo nós estamos colocados na periferia. Somos um país dependente e subdesenvolvido. A outra face de uma moeda, na qual  para que um seja rico e pungente, outro tem de ser explorado até o âmago. Fazemos parte dos explorados. Que isso fique claro.

Essa mídia corporativa, tal como a conhecemos é visceralmente ligada ao capital. Tanto que o primeiro jornal diário do mundo nasceu em 1650, na Alemanha, nos albores desse então novo modo de organizar a vida, espalhando-se a ideia depois para a França, Inglaterra e demais países da Europa. Assim, o que antes eram folhas literárias e políticas passaram a ser jornais diários que misturavam as notícias com o anúncio das mercadorias. Era necessário dar notícias desse mundo novo que emergia dos burgos.   

Do final do século 18, pelo século 19 afora até a primeira grande guerra no século XX os jornais acompanharam a lógica liberal, então hegemônica. Eram empresas privadas, com ligações políticas com o poder, que buscavam potencializar – com as notícias  - a venda de mercadorias. O poder instituído já sabia da importância estratégica de formar opinião pública, por isso os jornais eram armas potentes da classe dominante.

Com o final da primeira grande guerra e a ascensão dos Estados Unidos como grande potência mundial, começou uma mudança  no processo informativo. Já não era suficiente só anunciar produtos, havia que usar os veículos para formar um consenso sobre como ser no mundo. Havia acontecido também a revolução russa em 1917, e ela colocava uma novidade no mundo: a proposta socialista se fazendo corpo. Mais um motivo para a comunicação mudar. 

É nesse período, de 1918 a 1950 que começam a tomar corpo as teorias de comunicação baseadas na persuasão. Usava-se dos recursos da ciência para buscar formas de enredar as gentes, fazendo-as crer que o “mundo livre” do capitalismo era o melhor dos mundos. O rádio, iniciando sua trajetória pelas ondas do ar em 1918, passa a ser um importante meio de distribuição desse consenso. O cinema, igualmente, torna-se uma usina ideológica, principalmente dos EUA, e os meios em geral – que eram unicamente privados – passam a ficar bem mais abertamente ligados aos Estados. Afinal, é ponto pacífico que os estados nacionais são os espaços que organizam as burguesias locais ao mesmo tempo em que são por elas dominados. Nascem então as principais teorias de comunicação, dando status de ciência ao processo de persuasão e controle das mentes.

Com a segunda grande guerra e o advento da televisão, esse processo recrudesceu. O novo veículo agora entrava nas casas com áudio e vídeo, aprofundando ainda mais a manufatura do consenso. A tal ponto de até hoje o mundo inteiro saudar o fim da segunda guerra como uma vitória dos EUA, com o famoso desembarque da Normandia, eliminando completamente da história o sacrifício de milhões de russos, que foram os que realmente pararam a máquina de matar de Hitler. O cinema e o jornalismo inventaram outra história. Com a chamada “guerra fria”, depois do fim da segunda grande guerra, o processo ficou ainda mais forte. Alienar as mentes era estratégico e os meios de comunicação de massa – rádio e TV – concessões dos Estados, estavam amarrados nessa missão. 

E assim como era no centro do sistema, também na periferia. As teorias, os veículos e as técnicas de comunicação eram importadas sem qualquer visão crítica. A periferia sempre tentando “progredir” como o centro, sem dar-se conta de que isso era impossível. O único desenvolvimento que os países periféricos podem ter no sistema capitalista é o desenvolvimento do subdesenvolvimento, conforme bem revelou Gunder Frank. 

O conhecido “neoliberalismo”, que é uma fase a mais do processo de acumulação capitalista trouxe para o mundo das comunicações novas tecnologias. O advento da internet, possibilitando interconexão mundial deu a receita mágica: ilusão de democracia e aprofundamento da dominação. A famosa www passou a ser uma correia de transmissão planetária da mesma lógica de fabricação de consenso. Totalmente dominada pelos mesmos grupos que controlam a produção da informação, a “rede” se espalhou dando possibilidades de interação, coisa nunca antes possível. 

A ideia de que, agora, qualquer pessoa é produtora de conteúdo abre um espaço importante de debate. E mais do que nunca é preciso ter bastante claro o que é espaço de opinião e o que é informação de qualidade. No geral, as redes sociais, além de espalharem opiniões, reproduzem as informações que são produzidas pelos mesmos grupos que controlam os meios de massa como rádio, TV, jornais e revistas. 

No campo da vida real, as empresas que controlam servidores e grandes produtores de informação seguem sendo as mesmas, com um elemento novo: a crescente participação das entidades financeiras  - bancos  - no controle acionários dos conglomerados midiáticos. Ou seja, a financeirização da vida não está mais circunscrita à economia clássica. Não basta aos bancos definirem a situação econômica dos países, eles têm de inventá-la também. Isso significa que, com o controle da informação, eles podem produzir um futuro dentro dos seus interesses.

Nesse sentido, a informação produzida pelos grandes meios de comunicação assume a condição de commoditie, vendida num mercado futuro. Torna-se irmã siamesa das matérias primas de base como cereais, minerais, petróleo etc... Os grandes meios fabricam informações que não apenas influenciam no presente, mas também conformam o futuro. Inventam uma realidade vindoura moldada aos seus interesses. Isso é novo e precisa da nossa atenção.

O sítio do jornal espanhol El País, por exemplo, tem 30 milhões de usuários, e metade desses leitores está na América Latina. Hoje, o El País é comandado por uma instituição financeira, tem uma dívida astronômica de três milhões de euros. Uma dívida que não é cobrada porque interessa aos donos do jornal que ele sobreviva, mesmo nessas condições. A dívida é cinco vezes mais o patrimônio do jornal, mas o que vale mesmo para o banco que o domina é a sua capacidade de criar opinião. Eles sabem que um jornal capaz de influenciar tantas pessoas é um investimento par ao futuro. 

Essa financeirização da vida já tinha sido prevista por Marx no seu clássico, o Capital. Agora está aí nos desafiando e invadindo também o campo da informação. O que fazer? Essa é a pergunta abissal!
O espaço internético deu possibilidades para a criação de mídias alternativas, independentes, populares. Mas, a questão que temos de pensar diante desse cenário é: são realmente essas mídias uma alternativa? Têm eficácia na desconstrução da fabricação do consenso? Qual é poder dessa mídia diante da realidade que se nos apresenta?

Se observarmos bem a situação da mídia dita alternativa no Brasil, vamos ver que apesar dos múltiplos veículos hoje possíveis, ela ainda não se configura uma alternativa. Não é de massa. Enquanto a Globo e suas irmãs siamesas chegam a 97% do território nacional, os meios alternativos continuam circulando em guetos, no qual o público é o já cativado, já propenso ao discurso de desconstrução. Poucos espaços alternativos, independentes, populares e comunitários conseguem fugir dessa bolha.

Os meios mais estruturados continuam se concentrando no eixo Rio-São Paulo- Brasília, reproduzindo como sempre o colonialismo interno. É comum o Piauí reproduzir informações produzidas nos meios alternativos paulistas, mas é raro ver esses meios reproduzindo o Piaui. 
O Vito Gianotti passou boa parte de sua vida gritando na montanha, junto com a Claudia Santiago (ambos fundadores do NPC), sobre os veículos sindicais e sua possibilidade concreta de ser uma mídia de massa. Nunca foram levados em consequência. Deram cursos em todo o país, mas não conseguiram quebrar a mediocridade e a falta de entendimento do papel estratégico da comunicação por parte de boa parte dos dirigentes sindicais. 

Do ponto de vista de sustentabilidade os meios alternativos estão sempre na corda bamba, reféns de governos amigos ou de fundações estadunidenses e europeias – em sua absoluta maioria entidades que existem para manter as coisas bem acomodadas. Fundações como a Rockfeller, Kellogs, Ford, a de George Soros e outras, europeias de cunho social democrata, anti-comunistas, são praticamente o governo mundial. Elas ditam as políticas governamentais em seus países de origem e ao financiar grupos comunicativos na periferia do sistema estão nada mais nada menos do que garantindo o controle da informação. Enquanto interessa provocar a “desordem” o dinheiro jorra. A “revolução” promovida pelas mídias alternativas – como vimos no oriente médio, com a mal chamada primavera árabe, vai até certo ponto. Até onde não toca nos interesses do sistema. Então, é ilusão chamar de alternativa uma mídia financiada por esses gangsteres. Os “golpes coloridos” no oriente mostraram claramente o que acontece. 

No Brasil, a televisão ainda é o meio de massa pelo qual a maioria se informa. Como já disse ela chega em 97 dos lares. Não é sem razão que o governo investe nela a maior fatia do bolo publicitário. No governo de Lula e Dilma isso não mudou. Houve um decréscimo na publicidade das revistas e jornais, mas a TV se manteve como maior sugadora de verbas (67%). A novidade do governo petista é que ele passou a investir também na internet (os blogs de jornalistas mais afinados ao projeto e alguns coletivos), ainda assim o investimento nessa comunicação foi irrisório: 8% da verba total. Em 2015 o governo investiu 44 milhões no facebook, enquanto a Globo levou 206 milhões. No campo dos jornais a Folha de São Paulo e o jornal Valor Econômico tiveram crescimento das verbas publicas de publicidade, e na internet, os que mais ganharam foram a UOL, o G1 e o R7. Ou seja, tudo seguiu como sempre. E ainda assim, essas mesmas mídias que sugaram as verbas públicas foram decisivas no golpe. 

O governo brasileiro – na era petista – não pensou a comunicação como uma área estratégica, ou pensou errado, acreditando que as empresas que sempre foram capacho dos governos conservadores se abririam para a proposta petista. Equivocadamente o governo petista não deu espaço para a comunicação alternativa, livre, comunitária e popular. Perdeu a batalha nesse campo e, com isso, abriu passo para a grande derrota final.

A TV Brasil que nasceu para se conectar ao generoso projeto da Telesur, criado por Hugo Chávez, foi outro equívoco. Não se integrou a Telesur, não potencializou a comunicação comunitária e nacional, não abriu o sinal para o país. E apesar dos avanços, com a construção de uma programação crítica, seu alcance sempre foi reduzido. Deveria ter sido uma rede aberta, com acesso para qualquer um que tivesse uma antena torta com um bombril na ponta. 

Agora, com o fim da era PT, um número grande de blogs e coletivos produtores de informação crítica, ou mesmo de informação pura, com um viés classista, estão amargando a falta de recursos para existir. Os parcos 8% que eram divididos aos veículos dito alternativos do eixo Rio-São Paulo-Brasília já não existem mais. O governo Temer vem aumentando exponencialmente as verbas para os veículos de massa, que seguirão fabricando o consenso que o poder quer.

Diante disso, quais os nossos desafios? Como atuar de tal forma que venhamos a ser efetivamente uma alternativa? Não há respostas simples nem possibilidades reais diante da ordem. 

O que podemos fazer, na ordem, é resistir. Com nossos blogs, nossos coletivos, nossas rádios comunitárias. Afinal, se ainda não somos uma alternativa de massa, somos certamente um espaço importantíssimo de organização, inclusive dos movimentos sociais. Os veículos comunitários, livres e populares foram fundamentais na articulação da resistência ao golpe, tem prestado um serviço inestimável na divulgação das ocupações de escolas e universidades, totalmente silenciadas pela mídia comercial. Assim, há que seguir, apesar de todos os obstáculos.

Só que esses não são tempos para resistir apenas. Há que atacar, surpreender, vencer a batalha comunicacional. Porque sem essa vitória sempre estaremos na defensiva, esgrimindo canhões com bala de rolha.

Por isso que o horizonte tem de ser a mudança do estado, a mudança de sistema, o fim do sistema capitalista de produção. Isso tem de estar em cada pequena intenção, cada pequeno texto, cada foto. Mas, nosso protagonismo como produtores de informação tem de estar calcado na universalidade. Para isso serve o jornalismo. As informações estão aí, pulando na internet, nas ruas, nas redes sociais. Mas elas estão pulando sozinhas, isoladas, em bolhas, muito mais desinformando, que formando. 

Nossa função é dar a esse mosaico de informações loucas e saltitantes a dimensão da totalidade. Nós, os jornalistas, conhecemos o segredo, que foi desvendado pelo grande teórico do jornalismo, Adelmo Genro Filho. Ele mostrou como se faz jornalismo é produção de conhecimento, que pode existir sem ser manipulador. Há que estudar Adelmo, compreendê-lo e fazer jornalismo crítico. Temos os recursos humanos e teóricos. Há que usar esse poder.  

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