terça-feira, 30 de julho de 2013

O espaço do sagrado




Sou um bicho raro. Minhas primeiras leituras foram os mitos gregos, depois vieram os hebraicos, os semitas, os dos povos originários, os celtas, os africanos. Encantava-me esse universo da fé. E, nesse entrecruzamento de deuses, deusas e expressões do sagrado, fui percebendo que a religiosidade nos toma por dois motivos básicos: a falta de uma explicação plausível para os mistérios do mundo e a nossa fragilidade humana. Nietzsche muito bem definiu isso quando disse que a religião servia aos fracos.

Pois ao longo desse mais de meio século de vida, tantas vezes me vi tão fraca, tão sem força, tão frágil diante da tormenta do viver que, nessas horas, sempre, sem qualquer pudor,  me apeguei aos deuses. Eles serviam como redes onde podia descansar meu corpo doído ou espaços de abrigo seguro para minha alma em escombros. Mas, com Mestre Eckart aprendi que também os momentos de sublime beleza estão repletos desse sentimento indizível do sagrado. Horas assim em que a sensação de felicidade é tão grande que a gente se sente mergulhada num oceano intraduzível. O mistério. O ômega.

Também, ao longo dessa caminhada de mulher militante, de lutadora social, nunca escondi que junto a mundanidade das lutas, fatalmente carreguei a atmosfera do sagrado. Nunca me envergonhei de amar os ensinamentos de Jesus, de Buda, dos pajés, dos xamãs. porque, todos eles apontam para a construção de um ser humano de beleza, de sensibilidade, de ternura, de cuidado com o outro. Mesmo quando tomada pelo ódio, assoma em mim a certeza de que o ódio nos move na luta contra os vilões do amor, e, por conta disso, é necessário. Nossa humana condição é essa mesmo, sombra e luz, yng e yang.  E assim vamos caminhando.

Minha mãe era muito igrejeira e desde pequena convivi com essa atmosfera de santos e cerimônias. Uma das coisas que ela me ensinou é que o sagrado não está nas coisas, nas imagens. O sagrado está em nós e na maneira como vemos as coisas e nos movemos no mundo. Ainda assim, me apego a coisas, porque elas, de alguma forma, concretizam determinados sentimentos que por vezes, me são necessários. Amo a figura de São Francisco, por exemplo, não por ser santo, mas por ser o homem que foi, e gosto de tê-lo em casa, numa imagem, porque ao mirá-lo, volta e meia me recordo do que preciso ser. Também tenho em casa uma chacana, símbolo da religiosidade andina, e sua sombra na parede me impele a compreender as profundezas do mistério.

Guardo bonequinhos do Sr. Spock, do Mulder, do Saci, seres de ficção que me encantam com sentimentos bons, de alguma forma, sagrados. Tenho retratos do Che na parede  e espalho pela casa bernunças e carrancas do São Francisco.  Porque, para mim, imagens significam. Chorei quando os talibãs quebraram as estátuas do Buda porque imagino o quanto aquilo podia significar para alguém. Luto pelas comunidades indígenas e me indigno quando os brancos destroem seus espaços simbólicos do sagrados.

Não importa se a gente é de direita ou de esquerda. As coisas significam. E elas podem nos paralisar, nos alienar, nos escravizar ou nos libertar. Tudo vai depender de uma série de outras variáveis que vamos construindo ao longo da vida. Confesso, vivo carregada de religiosidade, embora isso não me torne prisioneira de dogmas ou de pessoas. Busco o sagrado e não tenho vergonha de me deitar nas redes do que chamam "supertição" ou "ópio".  Respeito os deuses de todos e tenho a firme convicção de que o melhor dos mundos é aquele no qual não existem "povos eleitos", definidos por algum homem ou mulher que se arvore decifrar o sagrado. O sagrado é indizível, indefinível, é um momento único de encontro com a beleza suprema. Disso não podem nascer igrejas, apenas relações de amor.

Sonho com o dia em que poderemos viver  nossas fraquezas, amparada nos nossos mais variados deuses e deusas, sem que ninguém diga qual deles é melhor. Esse dia está longe, e até lá, ainda teremos de vivenciar muita intolerância. O que é uma pena.

Enquanto isso, canto!

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