O Primeiro Seminário Unificado de Imprensa Sindical,
promovido por um grupo de sindicatos de Florianópolis, partiu de uma pergunta,
praticamente retórica: por que os trabalhadores não são notícias? Ora, essa
questão tem uma resposta óbvia. Vivemos em processo de luta de classe no
sistema capitalista que é predador. E, nesse sistema, quem detém o poder é quem
determina o que sai na imprensa. A mídia comercial nada mais é do que uma
ventríloqua do sistema. Através das bocas alugadas sai a matéria prima que
sustenta a classe dominante. Por isso, as lutas dos trabalhadores não
interessam à mídia, a não ser como possibilidade de sujar, embaralhar e enganar
a população. Trabalhadores em luta são sempre vândalos, baderneiros, bando.
Agora, nos protestos das últimas semanas, em Santa Catarina, ouvimos o coronel
da polícia dizer claramente: "protegemos os manifestantes porque não são
sindicatos, nem movimentos de trabalhadores, é a sociedade". Ora, e o que
são os trabalhadores senão a sociedade? Para a classe dominante não. Assim,
compreendendo isso parte do problema se esclarece. Os trabalhadores não são
notícia porque suas lutas não interessam ao sistema. Dito melhor, essas lutas,
que aparecem como desestabilizantes, precisam ser escondidas ou deturpadas. Por
isso aparece quase como uma ingenuidade a ideia de "mais democracia"
nos meios de comunicação. Aos grandes meios não há que pedir melhorias, há que
tomá-los! Como? Essa pergunta ainda não tem resposta, mas é para ela que temos
de caminhar.
Nesse
universo de controle oligopólico da informação por parte dos meios comerciais -
seis famílias ou grupos controlam tudo que vemos, lemos e escutamos - estamos nós, os chamados meios alternativos,
populares ou comunitários. E a pergunta que se faz necessária é: disputamos, de
fato a hegemonia? Uma rádio comunitária, como é o nosso caso do Campeche, que
poder tem diante do oligopólio? Como constituir uma audiência que de fato
dispute com o Jornal do Almoço ou o RBS Notícias? Podemos fazer isso ou apenas
atuamos na resistência?
A
Rádio Campeche se diferencia de muitas rádios comunitárias porque foi criada
desde a luta mesma. Nasceu da articulação orgânica de vários movimentos que já
atuavam no bairro do Campeche na luta pelo plano diretor, pelo saneamento, pela
qualidade de vida. Esses movimentos foram os que decidiram criar a Associação Radio
Campeche. Então, ela é fruto legítimo da organização comunitária. Está no ar,
24 horas, desde 2004, embora tenha iniciado sua programação ao vivo só em
2006. Tenho o privilégio de fazer parte do grupo que instituiu o primeiro
programa ao vivo, o Campo de Peixe, no ar até hoje. Nossos programas abrem os
microfones para a comunidade e tudo que acontece no sul da ilha passa por ali,
embora não tenhamos um programa específico de jornalismo diário. Ainda assim,
todos os programas ao vivo tem o compromisso de trazer a voz da comunidade.
Alguns conseguem mais outros menos.
Tivemos
momentos importantes no bairro que mostram a força da rádio, como no caso do "Bar
do Chico", espaço histórico da comunidade que foi derrubado pela
prefeitura. Nos dias em que vinham as máquinas, havia uma chamada à população
pelos microfones da rádio, as gentes acorriam ao bar, protegendo-o, e isso
impediu muitas vezes que a prefeitura o colocasse no chão. Tanto que só
conseguiram fazê-lo porque trouxeram as máquinas de madrugada, quando a
comunidade dormia. Também quando ocorrem grandes chuvas e alagamentos, os
líderes comunitários aportam na rádio para informar e organizar a comunidade.
São coisas que definem o nosso trabalho. Mas, sabemos que 30 segundo no RBS Notícias
podem por abaixo todas as informações que divulgamos durante os programas. Um
exemplo disso foi a luta que travamos contra a destruição de parte da mata
atlântica para a realização de um show do cantor estadunidense Ben Harper.
Durante semanas fizemos campanha contra a derrubada das árvores, pela segurança
das gentes e tivemos o apoio da comunidade. Mas, a entrada da RBS no tema fez
com que muita gente se voltasse contra nós, acusando-nos de "contra o
progresso". Conseguimos barrar a derrubada das árvores, mas o show
aconteceu.
Nesse
sentido é importante ressaltar que os meios de comunicação comunitários são
importantes, é fato, mas, sozinhos, não conseguem competir com eficácia diante
da alienação e confusão provocadas pela grande mídia. Nossa única chance como
meios alternativos e comunitários é unir as forças e potencializá-las. Essa
outra informação, que forma, que contextualiza, que esclarece, precisa estar em
rede. Temos de reproduzir uns aos outros, formar grupos, replicar as notícias
de cada um. Isso funciona em alguma medida, mas não é suficiente. A verdadeira
saída é controlar os meios massivos. E, para isso, o desafio maior é o de mudar
o estado, avançar para uma democracia participativa. Vai daí que essa é uma
luta gigante a ser travada.
Agora
estamos aí discutindo a lei de meios. Essa novidade começou com a Venezuela em
2004 , quando criou uma lei específica da comunicação que foi uma revolução no
setor. Mas a Venezuela estava em processo de transformação, com o povo
organizado e nas ruas, querendo mudança. Tanto que levaram dois anos
discutindo, com ampla participação das gentes, o que resultou numa lei
extremamente completa e democrática. Depois vieram leis similares na Argentina,
na Bolívia, no Equador. Todos esses países estão em processo de transformação
da forma de ser estado, com ampla participação popular nos debates, com
movimentos sociais muito fortes, gente com poder de decisão.
No
Brasil estamos tentando dar foco nessa questão, mas qual é a nossa chance?
Temos uma Federação de Jornalistas extremamente formalista, sem perfil popular,
que não encaminha lutas no chão da vida. Temos o fórum de democratização da
comunicação e o Intervozes que estão nesses debate, mas são financiados por
fundações estrangeiras, do tipo Ford. Isso é problemático, uma vez que sabemos
muito bem qual é o papel dessas fundações estadunidenses no mundo:
desmobilizar, desfazer, desestruturar. Temos um Congresso Nacional dos mais
conservadores, com ampla bancada de proprietários de meios de comunicação.
Assim, como vamos avançar para uma lei de meios se não tivermos uma sociedade
em ebulição como é o caso dos países já citados? Se esse debate não se encarnar
na vida real, nos movimentos sociais, nos sindicatos, corremos o risco de
construir uma lei de meios minotáurica, disforme, formal, não revolucionária.
Então,
o papel dos trabalhadores e imprensa sindical é bem mais importante do que
apenas compreender como fazer as notícias das lutas saírem nos jornais.
Enquanto esses jornais, rádios e TVs estiverem na mão da classe dominante nada
vai mudar. É preciso dar combate para construir uma outra forma de ser estado,
com verdadeira participação popular. O Vito Gianotte tem falado aí há anos
sobre isso, sobre os sindicatos se unirem e construírem veículos massivos de
comunicação, mas a gente vê que a coisa não avança. Poucos usam dos seus meios
de comunicação para tratar de assuntos fora do mundo do trabalho. Preferem
apostar em proselitismo, em discursos vazios. Os trabalhadores precisam de
informação de qualidade, de análise sobre o que acontece no mundo, na aldeia. Eles
não são otários. E temos de dar a eles uma "fina iguaria", como dizia
o grande repórter Marcos Faermann. Mas, fundamentalmente temos de dar batalha a
esse estado, fomentar a rebeldia, a desconstrução, a transformação. Sem isso,
só faremos remendos...
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